Há seis meses, negociadores de 192 países concluíram um árduo e complicado processo de negociação em torno de um novo acordo internacional para conter as emissões globais de gases de efeito estufa (GEE) nas próximas décadas, de forma a evitar que a temperatura média do planeta aumente acima de 2 graus Celsius até o final deste século. Desde então, as esperanças do mundo para conter a mudança do clima estão depositadas no sucesso do Acordo de Paris, firmado em dezembro passado durante a Conferência do Clima de Paris, a COP 21. Porém, um grupo de cientistas afirma que, da forma como o temos hoje, o Acordo será incapaz de entregar aquilo que se espera dele.
Nove pesquisadores de instituições da Alemanha, África do Sul, Áustria, Austrália, Brasil, China, Estados Unidos e Holanda se uniram para analisar os compromissos submetidos pelos países pouco antes da COP 21 e que orientaram a definição do texto final do Acordo de Paris – as chamadas ‘contribuições nacionalmente determinadas pretendidas’ (INDC, sigla em inglês). Nesses documentos, os governos encaminharam uma sinalização de metas voluntárias para redução de emissões e, em alguns casos, de pretensões em matéria de financiamento para ação climática e adaptação à mudança do clima.
De acordo com o estudo, recém-publicado na revista Nature, constatou-se que os números apontados pelos governos podem efetivamente reduzir o potencial de aquecimento do planeta neste século, mas conseguiriam contê-lo entre 2,6 e 3,1 graus Celsius – bem acima da meta definida pelo texto do Acordo: entre 1,5 e 2 graus.
A análise também aponta para outra notícia ruim: pelo ritmo de emissões apontado pelos compromissos atuais do Acordo, o chamado “orçamento do carbono” (o estoque de GEE que pode ser consumido pelo homem sem inviabilizar a contenção do aquecimento em 2 graus Celsius) tem 66% de chances de ser esgotado até 2030. Caso isso aconteça, de acordo com o Painel Intergovernamental das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (IPCC, sigla em inglês), as consequências podem acarretar em alterações imprevistas e irreversíveis na dinâmica climática do planeta nas próximas décadas.
“A janela para limitar o aquecimento abaixo dos 1,5 grau Celsius com grande probabilidade e sem exceder temporariamente esse nível já parece ter se fechado”, aponta o texto publicado na Nature. “O Acordo de Paris reconhece implicitamente essa percepção e procura atingir um pico global de emissões de GEE assim que possível, juntamente com a obtenção de um ‘equilíbrio’ entre as emissões e as remoções antropogênicas de GEE na segunda metade deste século. Ambas as metas estão, em princípio, consistentes com o objetivo de temperatura definido pelo Acordo, mas levantam uma dúvida mais ampla se as INDCs atuais estão realmente colocando o mundo no caminho para alcançá-las”.
A constatação do estudo não chega a ser uma surpresa. Análises anteriores de organizações como a Agência Internacional de Energia e a própria Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) já apontaram anteriormente para a insuficiência dos compromissos atuais dos países no âmbito do Acordo de Paris para o atingimento pleno de suas metas de contenção do aquecimento global.
As conclusões deste e de outros estudos pressionam a UNFCCC e os governos nacionais a discutir números mais ambiciosos para o Acordo de Paris nos próximos anos. O tratado prevê, a partir das conclusões de um novo relatório do IPCC (a ser publicado entre 2017 e 2018), uma revisão das metas nacionais de redução de emissões até 2020, antes do tratado entrar efetivamente em vigor. Além disso, o texto também sugere a realização de ciclos de revisão desses objetivos a cada cinco anos, um processo que ainda precisa ser regulado pela UNFCCC nos próximos anos. No entanto, não existe regra que force os países a assumirem compromissos mais ambiciosos de redução de emissões – friamente, a linguagem vaga do texto permite inclusive que os países reduzam a ambição desses compromissos.
“As contribuições nacionalmente determinadas constituem uma nova era para a política clima sob o Acordo de Paris, e representam tanto um convite como um chamado para mais ação. Promover maiores reduções na próxima década e transformações globais nos caminhos de desenvolvimento é crítico”, conclui o estudo.
Mais sobre o Acordo de Paris
Análise: Acordo de Paris – e agora?
EUA: Trump promete renegociar Acordo de Paris caso seja eleito
Noruega antecipa meta para “neutralidade” de suas emissões
EUA e China reforçam compromisso com Acordo de Paris