Em esforço para manter o desafio climático na agenda política internacional, o secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, convidou chefes de Estado de todo o mundo para participar de um encontro em 21 de setembro em Nova York, pouco antes da reunião anual da Assembleia Geral, para impulsionar a ratificação do Acordo de Paris por parte dos países.
“O próximo passo em nossa jornada coletiva para um futuro de baixo carbono e resiliente ao clima é assegurar a rápida entrada em vigor do Acordo de Paris”, afirmou Ban Ki-moon em comunicado distribuído pelas Nações Unidas para a imprensa no dia 19. “Fazer isso criará incentivos para a implementação antecipada das contribuições nacionalmente determinadas e construirá apoio dentro dos mercados e das sociedades para uma maior ambição no clima”.
A ideia do secretário-geral é reunir as lideranças políticas e reforçar o compromisso político assumido por elas em 22 de abril passado, quando representantes de 175 países foram até a sede da ONU para assinar o Acordo de Paris. De acordo com o texto final aprovado na Conferência do Clima de Paris (COP 21), em dezembro passado, o novo acordo entrará em vigor 30 dias depois da sua ratificação pelo 55º país-signatário, desde que esse grupo de países represente ao menos 55% das emissões globais de gases de efeito estufa (GEE). Até o momento, apenas 19 países concluíram o processo de ratificação.
Os governos de China e Estados Unidos, os dois principais emissores de GEE, já se comprometeram a ratificar o Acordo de Paris até o final de 2016. O Brasil também prometeu avançar na ratificação do acordo ainda neste ano. Na semana passada, a Câmara dos Deputados deu o primeiro passo nesse processo, aprovando a ratificação do texto. Agora, o governo brasileiro espera a apreciação do texto pelo Senado Federal; somente depois da aprovação pelos senadores, a Presidência da República poderá sancionar a ratificação e encaminhar comunicação formal ao Secretariado Geral da ONU.
A recém-empossada secretária-executiva da Convenção-Quadro da ONU sobre Mudança do Clima (UNFCCC, sigla em inglês), Patricia Espinosa, reforçou o pedido de Ban Ki-moon para acelerar o trabalho de implementação do Acordo de Paris. “O Acordo de Paris foi um marco na busca comum por um mundo seguro e sustentável, mas muitos outros marcos precisam ser obtidos ao longo dos próximos meses, anos e décadas, a fim de implementar e realizar todo o potencial desse acordo”, afirmou Espinosa. “[O evento de setembro] irá fornecer um foco e uma oportunidade para que mais nações avancem, de forma que a rápida entrada em vigor do acordo possa ocorrer o mais cedo possível”.
A movimentação do secretário-geral leva em consideração o cenário geopolítico conturbado dos últimos meses. Na Europa, ainda agitada pelo terrorismo, existe bastante incerteza sobre os compromissos firmados pela União Europeia no novo regime climático com o início do processo de saída do Reino Unido do bloco, aprovado em um polêmico referendo realizado no mês passado. No próprio governo britânico, a mudança na liderança do Partido Conservador, de David Cameron para Theresa May, também deixa em suspense os compromissos assumidos pelo país no Acordo de Paris. A dissolução do Departamento de Energia e Mudança do Clima, criado pelo governo trabalhista de Gordon Brown (2007-2010) e mantido por Cameron, e sua absorção pelo Departamento de Negócios, Energia e Estratégia Industrial não foram notícias bem recebidas por especialistas e por grupos ambientalistas no Reino Unido.
Nos Estados Unidos, as incertezas da corrida presidencial também despertam desconfianças antigas com o comportamento da Casa Branca num hipotético governo Donald Trump, candidato pelo Partido Republicano. Historicamente reticentes à agenda climática, os republicanos continuam críticos quanto às conclusões do Painel Intergovernamental das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (IPCC, sigla em inglês) sobre as responsabilidades humanas pelo aumento da temperatura média do planeta no último século.
Em sua plataforma para as eleições deste ano, o partido rejeita essa conclusão científica e o que eles chamam de “agendas” do Protocolo de Quioto e do Acordo de Paris, que “representam apenas compromissos pessoais de seus signatários”. Os republicanos também exigem a suspensão do financiamento norte-americano para as atividades da UNFCCC, sob a justificativa de que o órgão contraria a legislação nacional ao considerar a Palestina como um estado-membro. A plataforma republicana também coloca o carvão como um combustível “limpo” estratégico para o futuro dos Estados Unidos (saiba mais). “O Partido Democrata [do atual presidente, Barack Obama] não entende que o carvão é um recurso energético doméstico abundante, limpo, acessível e confiável”, cita o texto republicano.
Em maio passado, o próprio Donald Trump afirmou que, caso vença a disputa com a democrata Hillary Clinton, deseja renegociar o Acordo de Paris (saiba mais). Segundo o republicano, o texto atual prejudica propositadamente os interesses norte-americanos e favorece países como a China.
Curiosamente, o ataque mais direto ao Acordo de Paris veio de um dos países mais improváveis: as Filipinas. O novo presidente filipino, Rodrigo Duterte, afirmou que não honrará os compromissos assumidos pelo país durante a COP 21. “Vocês estão tentando nos sufocar”, disse Duterte em discurso na segunda passada (18/7), comentando sobre uma conversa que teve com um embaixador filipino não identificado. “Isto é estúpido. Eu não vou honrar isso. Não é a minha assinatura”.
Em ocasiões anteriores, o presidente filipino já tinha criticado as negociações internacionais e os compromissos assumidos no âmbito da UNFCCC, acusando as Nações Unidas de serem “hipócritas” ao fixar metas de redução de emissões para os países em desenvolvimento e não apenas para os países mais ricos. A postura crítica de Duterte deve reverberar negativamente na atuação do país nas negociações internacionais sobre clima: as Filipinas foram um ator importante nos últimos anos na discussão sobre adaptação, perdas e danos e sobre a meta de aquecimento em 1,5 grau Celsius, incorporada posteriormente no texto final do Acordo de Paris.
Além da instabilidade política internacional, Ban Ki-moon também tem um interesse pessoal na entrada em vigor do Acordo de Paris ainda neste ano: o mandato do diplomata sul-coreano à frente das Nações Unidas termina no final de dezembro. Depois de testemunhar o fracasso diplomático das negociações em clima durante a Conferência do Clima de Copenhague (COP 15), em 2009, terminar seu período como secretário-geral com um acordo climático em implementação seria uma forma de fechar sua gestão com “chave de ouro”.