Depois de sete anos de conversas, negociadores no âmbito do Protocolo de Montreal estão confiantes de que conseguirão chegar, ainda neste ano, a um acordo sobre inclusão dos gases refrigerantes hidrofluorocarbonos (HFC) na relação de gases restringidos pelo acordo internacional por causa do seu impacto no aquecimento global.
Em encontro preliminar realizado na semana passada em Viena (Áustria), os diplomatas conseguiram avançar em pontos importantes que podem viabilizar a construção de uma emenda ao Protocolo até outubro deste ano, quando acontece a 28ª Reunião das Partes (MOP 28) do Protocolo de Montreal, em Kigali (Ruanda).
Criado em 1987 pelas Nações Unidas como parte da Convenção de Viena para a Proteção da Camada de Ozônio, o Protocolo de Montreal impôs a eliminação global da produção e uso de gases como o clorofluorcarbono(CFC) e hidroclorofluorocarbono (HCFC), que eram frequentemente utilizados pela indústria até os anos 1980 para refrigeração e ar-condicionado. Na época, estudos científicos apontavam que o uso massivo desses gases estava degradando a camada de ozônio localizada na parte superior da estratosfera terrestre – sem a proteção dessa camada, a Terra poderia ficar vulnerável à radiação dos raios ultravioletas, ameaçando a vida no planeta.
A restrição a esses gases incentivou a indústria a adotar tecnologias menos agressivas à camada de ozônio. Uma das alternativas mais populares a partir dos anos 1990 foi o HFC, principalmente nos países em desenvolvimento. No entanto, a despeito de ser menos agressivo à camada de ozônio, o gás HFC têm potencial de aquecimento muito maior do que outros gases de efeito estufa (GEE) – por exemplo, o potencial do HFC quase 12 mil vezes maior que o dióxido de carbono (CO2), o principal GEE -, o que impacta diretamente nos esforços globais para reduzir as emissões de GEE e mitigar a mudança do clima.
Nos últimos anos, ambientalistas e especialistas esforçaram-se para que o Protocolo de Montreal considerasse o HFC na relação de gases submetidos à restrição internacional. No entanto, existe um obstáculo jurídico relevante: o mandato do Protocolo estabelece que seu foco está nas substâncias que empobrecem o ozônio, o que não é o caso dos gases HFC. No ano passado, durante a MOP 27, realizada em Dubai (saiba mais), os negociadores concordaram com um compromisso inicial para avançar rumo ao abandono completo do HFC nas próximas décadas, mas sem cronogramas ou agenda de trabalho definidos. Exatamente por isso, e inspirados pelo esforço global na construção e implementação do Acordo de Paris, os negociadores buscaram aproveitar esse encontro preliminar em Viena para construir entendimentos básicos que permitam a conclusão de um acordo ainda neste ano.
Em Viena, os negociadores focaram sua atenção na chamada linha de base (nível de HFC no qual as medidas de controle são baseadas) e o cronograma para limitar as emissões de HFC, junto com as diretrizes básicas para apoio financeiro aos países em desenvolvimento ainda dependentes do HFC.
No cronograma, a proposta na mesa de negociação fala em estabelecer uma linha de base em 2011-2013, com redução de 10% das emissões de HFC até 2019. Já para os países em desenvolvimento, os negociadores ainda trabalham com diferentes propostas de linha de base, com destaque para aquela que aponta linha de base em 2017-2019 com congelamento no nível de emissões em 2021. Ainda que conte com apoio relativamente grande (Estados Unidos, União Europeia, Japão, Canadá, Austrália, Nova Zelândia, bloco africano e alguns países latino-americanos), esta última proposta não conta com simpatia de atores importantes na discussão política, como China e Índia, além dos países árabes, que defendem propostas menos ambiciosas.
“Várias das datas propostas para linha de base e para congelamento que estão sobre a mesa são contraproducentes”, alerta Avipsa Mahapatra, gerente da campanha de clima da Environmental Investigation Agency (EIA), organização não-governamental dos Estados Unidos. “Por exemplo, a Índia propôs que esperássemos até 2031 para um congelamento; se for assim, ao invés de reduzir o uso do HFC, poderemos ver um aumento massivo no uso deles”.
Sobre financiamento, os negociadores em Viena chegaram a um consenso sobre o uso do Fundo Multilateral do Protocolo como administrador do apoio financeiro aos países em desenvolvimento, inclusive com promessa de verbas adicionais por parte dos Estados Unidos para viabilizar a implementação dessa emenda.
Os entendimentos construídos na semana passada deixam negociadores e observadores esperançosos de que seja possível aprovar uma emenda ao Protocolo na reunião oficial de Kigali, em outubro. “É muito bom ver os países mostrando flexibilidade maior para resolver algumas questões difíceis nessa negociação”, diz Ben Ireri, da divisão africana da ONG Christian Aid. No entanto, o caminho para se chegar a esse acordo não é fácil, como a questão da linha de base para países em desenvolvimento deixou evidente em Viena.
“Embora os países estejam prontos para assinar um acordo para redução gradual HFCs deste ano, as propostas sobre a mesa não são suficientemente ambiciosas. Os países precisam chegar a acordo sobre um cronograma de redução gradual ambicioso que permitirá uma rápida redução no uso de HFC em países desenvolvidos e permitir que os países em desenvolvimento avancem para alternativas mais seguras, eficientes em termos energéticos. Esta é a única maneira que o Protocolo de Montreal pode contribuir significativamente para a redução do aquecimento global “, aponta Chanda Bhushan, do Centre for Science and Environment, da Índia.