Como foram suas férias? Fez algo incrível, e não vê a hora de contar a experiência para seus colegas de trabalho? Há uma boa probabilidade de que o relato da inesquecível viagem durante o almoço de segunda-feira seja menos recompensador do que você imaginava.
Há tempos é possível observar uma crescente valorização de experiências sobre produtos. Isso é reflexo não apenas de uma mudança cultural, mais pronunciada nas gerações Y (millennials) e Z (centennials), que enfatiza o “usufruir” mais que o “ter” — o que vem sendo facilitado pela economia do compartilhamento. É também a constatação de que atividades sociais, realizadas em grupo, trazem mais prazer do que atividades realizadas de maneira solitária, caso típico da aquisição de produtos. Isso vale não apenas para viagens, programas de lazer, um jantar entre amigos, como também viver e experimentar as cidades como espaços coletivos, o que podemos observar pelo crescimento, tanto no Brasil quanto lá fora, de movimentos pela mobilidade ativa (a pé, de bicicleta) e da melhoria dos espaços públicos pelas cidades.
Mas o que acontece quando uma boa experiência é vivida de maneira mais individual e uma experiência relativamente inferior é vivida em grupo?
Estudo publicado em 2014 comparou esses dois cenários: em um experimento, uma pessoa era selecionada para ver um bom filme (experiência extraordinária) sozinha enquanto o resto do seu grupo assistia a um filme medíocre (experiência ordinária), após o que todo o grupo se reunia para conversar sobre a experiência. Embora o expectador solitário tenha gostado mais de seu filme, durante a reunião do grupo a situação se inverteu: o que viveu a experiência extraordinária sentiu-se excluído tanto da experiência quanto da conversa. Na avaliação geral, incluindo a interação pós-filme, aqueles que viveram a experiência ordinária pontuaram sua experiência mais positivamente.
Somos seres intrinsecamente sociais, e mesmo pequenos períodos de isolamento social são capazes de produzir efeitos negativos sobre nossa saúde mental: presidiários e prisioneiros de guerra consideram a solitária uma forma de tortura, e os experimentos de Harry Harlow, separando macacos rhesus bebês de suas mães, geram polêmica até hoje. Enfim, temos uma necessidade visceral de pertencer a um grupo.
Já escrevi anteriormente sobre alguns dos perigos do groupthink (algo como “mentalidade de grupo”). Em “Torcedores de camisetas” (edição 75) e “Os outros” (edição 100), por exemplo, mostrei que torcedores de um time estão mais dispostos a ajudar um ferido vestindo a camisa de seu time do que a do time rival (estudo) e que membros de um grupo trapaceiam mais quando observam outros membros do mesmo grupo trapaceando (estudo). Também já se sabe que pessoas sentem prazer ao ver o sofrimento de membros de outro grupo (para o que a língua alemã possui um termo próprio, Schadenfreude) (estudo) e que, quando competem em grupo, membros de um time estão mais dispostos a machucar membros de outro time (estudo).
Nos últimos meses parece ter crescido a retórica anti-imigração no mundo. Foi notável a reação europeia aos refugiados sírios e, no Reino Unido, o sentimento anti-imigração foi parte importante da campanha pelo Brexit. Organizações terroristas souberam tirar proveito disso, oferecendo uma identidade de grupo e senso de propósito a jovens que, por diversas razões, não conseguiam sentir-se acolhidos em seus países. Milhares de jovens europeus atenderam ao chamado da organização Estado Islâmico e viraram combatentes na Síria; alguns deles retornaram, muitas vezes radicalizados, tornando-os ainda mais hostilizados pelos países hospedeiros, em um círculo vicioso.
Aarhus, a segunda maior cidade da Dinamarca, resolveu quebrar esse círculo. Em vez de hostilizá-los, os policiais daquela cidade deixaram claro aos jovens que regressavam de que seriam bem-vindos de volta, receberiam apoio para voltar à escola ou encontrar um apartamento para morar, teriam apoio psicológico ou de um mentor, e tudo o mais que os ajudassem a se reintegrar plenamente à sociedade dinamarquesa.
O plano parece ter dado certo: em 2012, 34 habitantes de Aarhus foram para a Síria. Dos 18 que regressaram (alguns morreram, outros continuam lá), todos participaram do programa (além de centenas de outros jovens habitantes identificados como “potencialmente radicais”). E, mesmo quando o êxodo em outras partes da Europa atingia seu pico em 2015, apenas um jovem de Aarhus rumou à Síria naquele ano.
A estratégia lembra o ensinamento da família Corleone em O Poderoso Chefão: “Mantenha seus amigos por perto, e seus inimigos, mais ainda”. E, parafraseando Casablanca: quem sabe esse não possa ser o começo de uma bela amizade?