Depois de uma longa negociação, os países signatários do Protocolo de Montreal chegaram a um acordo no último sábado (15/10) em reunião em Kigali (Ruanda) para restringir o uso de gases hidrofluorocarbonetos (HFC) em equipamentos de refrigeração e controle de temperatura nas próximas décadas. O acordo é um passo importante para ajudar na contenção do aquecimento global e das alterações climáticas decorrentes dele.
Quando liberado na atmosfera terrestre, os gases HFC têm potencial de aquecimento quase 12 mil vezes maior que o dióxido de carbono (CO2), o gás de efeito estufa (GEE) mais comum. Os HFC foram popularizados na indústria de refrigeração e ar-condicionado a partir dos anos 1990, quando o Protocolo de Montreal restringiu o uso de gases refrigeradores como o clorofluorocarbono (CFC) e hidroclorofluorocarbono (HCFC), que geram danos à camada de ozônio localizada na parte superior da estratosfera terrestre – sem a proteção dessa camada, a Terra ficaria vulnerável à radiação dos raios ultravioletas, ameaçando a vida no planeta.
A inclusão dos HFC na relação de gases proibidos internacionalmente coloca o Protocolo de Montreal dentro do esforço global contra a mudança do clima. Criado em 1987 como parte da Convenção de Viena para a Proteção da Camada de Ozônio (1985), o Protocolo é considerado o acordo internacional relacionado a meio ambiente mais bem-sucedido até hoje. As restrições impostas pelo Protocolo conseguiram reverter o problema da degradação da camada de ozônio. Por isso, existe a expectativa de que a restrição dos HFC pelo Protocolo tenha efeito positivo na contenção do aquecimento global neste século, facilitando o cumprimento da meta do Acordo de Paris de restringir o aumento da temperatura média da Terra entre 1,5 e 2 graus Celsius neste século com relação aos níveis pré-Revolução Industrial.
Sozinha, a restrição imposta pela emenda aprovada em Kigali poderá evitar o aquecimento em quase meio grau Celsius até 2100. Nos próximos 35 anos, quase 70 bilhões de toneladas de CO2 equivalentes deixarão de ser emitidos para a atmosfera graças à redução do uso dos HFC.
No entanto, o caminho para se chegar a este acordo foi longo e tumultuado. Por muito tempo, países como Índia e Arábia Saudita, que utilizam amplamente os HFC para refrigeração e controle de temperatura ambiente, mostraram-se indispostos a negociar uma emenda dentro do Protocolo para incluir esses gases na relação de restrição. Esses países temiam que restrições no âmbito do Protocolo de Montreal não considerassem as peculiaridades e dependências de cada economia – afinal, diferentemente da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, sigla em inglês), que se baseia nas chamadas “responsabilidades comuns, porém diferenciadas” (com obrigações diferentes para cada signatário), o Protocolo de Montreal é legalmente vinculante para todos os seus signatários (ou seja, cada um dos 190 países que o assinaram possui responsabilidades iguais).
Um incentivo para o acordo se deu no ano passado, quando Estados Unidos e Índia anunciaram entendimentos mútuos que superaram as reticências de Nova Déli sobre a emenda do Protocolo. O último obstáculo que persistia era a oposição dos países árabes (saiba mais).
Para superar a oposição árabe, os negociadores em Kigali conseguiram concordar com uma arquitetura diferenciada para a implementação da emenda do Protocolo. Para os países desenvolvidos, o consumo de HFC precisará ser reduzido imediata e crescentemente, a um ritmo de 10% até 2019. Para a maioria dos países em desenvolvimento, o consumo de HFC precisará ser congelado em 2024 e reduzido anualmente em 10% até 2029. Um terceiro grupo, que abarca Índia e países árabes, poderá iniciar sua própria redução a partir de 2028. Além da restrição escalonada no uso de HFC, a emenda aprovada também contempla isenções especiais para países com clima mais quente e maior necessidade de tecnologia para refrigeração e controle de temperatura.
“No ano passado, em Paris, nós nos comprometemos com um mundo livre dos piores efeitos da mudança do clima. Hoje, nós estamos reforçando essa promessa”, defendeu Erik Solheim, diretor-executivo do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). “Esta é declaração evidente de todos os líderes mundiais de que a transformação verde iniciada em Paris é irreversível”.
Segundo o anfitrião do encontro do Protocolo, o presidente ruandês Paul Kagame, a emenda é uma oportunidade para agir rapidamente sobre o problema e incentivar o desenvolvimento de novas tecnologias. “O mais rápido que a gente agir, menores serão os custos financeiros e mais suave será o peso ambiental disso para nossas crianças”.
Para John Kerry, secretário de Estado norte-americano, o texto aprovado no sábado é uma oportunidade única na luta contra a mudança do clima. “Não é sempre que a gente tem a chance de reduzir o aquecimento em meio grau Celsius tomando uma única medida de forma coletiva – cada um fazendo diferentes coisas em diferentes em tempos diferentes, mas todos fazendo o serviço juntos”.
“Ao longo do último ano, a marcha global para combater a mudança do clima tem sido inabalável. O Acordo de Paris, o entendimento da Organização da Aviação Civil Internacional [ICAO, sigla em inglês, sobre controle das emissões globais do setor] e a emenda do Protocolo de Montreal são três pilares que sustentam uma transformação global para um planeta mais seguro e próspero”, argumenta Andrew Light, especialista do World Resources Institute (WRI), que acompanhou as negociações sobre HFC. “Esta alteração do Protocolo de Montreal é a medida individual mais importante que a comunidade internacional poderia tomar para limitar o aquecimento global no curto prazo”.