De Marrakech – Como construir um futuro com menos emissões de carbono e continuar apostando nas fontes energéticas que mais sujam a atmosfera terrestre e afetam o clima global? Aparentemente, para muitos países, esta pergunta faz sentido. Isso porque, a despeito dos compromissos recentes de boa parte da comunidade internacional para reduzir suas emissões de gases de efeito estufa nas próximas décadas, esses mesmos países destinaram bilhões de dólares na última década para projetos de usina energética, mineração e infraestrutura para o carvão – um dos combustíveis fósseis mais sujos do mundo.
De acordo com relatório publicado pelo Conselho de Defesa dos Recursos Naturais (NRDC, sigla em inglês) e pela Oil Change International (OCI), os países do G20 – grupo que reúne os países desenvolvidos e as nações emergentes – investiram sozinhos US$ 76 bilhões em projetos de carvão entre 2006 e 2015, localizados principalmente em países como o Vietnã, a Austrália e a Indonésia. Assim, ao mesmo tempo em que anunciam investimentos em projetos de energia limpa em casa, as nações mais ricas do G20 continuam despejando dinheiro em projetos de energia suja fora de casa (leia mais sobre renováveis nesta edição de Página22, que mostra como essas fontes ainda enfrentam o poder monumental dos combustíveis fósseis).
“Os países não podem fazer jogo duplo com o clima. Eles não podem se vangloriar de reduzir a poluição em casa, enquanto continuam a financiar enormemente o carvão no exterior”, aponta Han Chen, do NRDC. “Essas nações precisam parar de desperdiçar bilhões de dólares em energia suja e colocar mais recursos financeiros nas energias limpas e renováveis e na eficiência energética. Isso criará empregos e protegerá o planeta de uma catástrofe planetária”.
O relatório, apresentado formalmente durante a Conferência do Clima de Marrakech (COP 22), lembra que o Painel Intergovernamental das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (IPCC, sigla em inglês) alerta que a queima de combustíveis fósseis está contribuindo para o aumento das temperaturas globais.
Considerando o objetivo do Acordo de Paris de limitar o aquecimento global em menos de 2 graus Celsius neste século com relação aos níveis pré-industriais, os países precisam acelerar o quanto antes possível a transição para uma economia menos dependente de emissões de carbono, com menor consumo de combustíveis fósseis. Sem a redução substancial dos investimentos públicos em energia suja, qualquer esforço por uma transição para uma economia de baixo carbono fica comprometido.
Segundo o relatório, apenas quatro países do G20 respondem por 80% dos investimentos do grupo em projetos de carvão nos últimos nove anos – China (US$ 25 bilhões), Japão (US$ 21 bi), Alemanha (US$ 9 bi), e Coreia do Sul (US$ 7 bi). Os maiores beneficiários desses investimentos no período foram a Indonésia (US$ 11 bi), Vietnã (US$ 10 bi) e África do Sul (US$ 7 bi).
O relatório também observou os investimentos futuros do G20 em projetos de carvão. O Japão desponta como o principal investidor de projetos futuros, com pelo menos US$ 10 bilhões previstos para aplicação na próxima década. Para Kimiko Hirata, diretor internacional da ONG Kiko Network, o Japão não pode se orgulhar de competir com a China espalhando energia suja pelo mundo. “Como signatário do Acordo de Paris, o Japão deve parar de financiar o carvão imediatamente e parar de causas problemas de saúde e catástrofes climáticas. O papel internacional do país deve ser apoiar a implementação de energia limpa, e não o carvão, nos países em desenvolvimento”, aponta Hirata.
Um dado curioso diagnosticado pelo relatório é a proporção relativamente pequena de investimentos em projetos de carvão nos países mais pobres. Menos de 2% do financiamento internacional do carvão pelo G20 foi destinado para países desse tipo nos últimos nove anos. Em vez disso, o grosso dos recursos foi destinado para países de renda média e alta, o que contraria uma alegação frequente da indústria carvoeira de que o investimento em carvão serve para incentivar o desenvolvimento econômico de comunidades e nações mais pobres.