De Marrakech – Para um encontro que não prometia grandes decisões políticas, voltado basicamente para questões operacionais e técnicas da implementação do Acordo de Paris, a Conferência do Clima de Marrakech (COP 22) ganhou contornos mais dramáticos desde quarta-feira passada (09/11), quando as projeções sobre a votação eleitoral nos Estados Unidos já confirmavam a surpreendente vitória do candidato republicano à Presidência do país, o empresário Donald J. Trump.
A surpresa Trump colocou a delegação norte-americana no Marrocos na situação constrangedora de responder se o país, agora sob o comando de um cético da mudança do clima, iria repetir o comportamento da era George W. Bush (2001-2009) e abandonar as negociações multilaterais sobre clima.
O enviado especial norte-americano para o clima, Jonathan Pershing, procurou reforçar que o sucesso da implementação do Acordo de Paris não depende do futuro governo norte-americano. Em coletiva de imprensa realizada ontem (14/11), Pershing destacou que “com o acordo em vigor, não é mais uma questão de se vamos acelerar a sua implementação, mas sim uma questão de quando e como vamos fazer isso”.
A imprensa norte-americana vem especulando nos últimos dias sobre as possibilidades de o presidente eleito retirar os Estados Unidos do debate multilateral sobre clima a partir de janeiro de 2017, quando ele assume a Casa Branca. Do ponto de vista jurídico, como o Acordo de Paris já está em vigor, Washington somente conseguirá denunciar o texto (ou seja, abandonar o Acordo) em quatro anos, o que amarraria o país aos compromissos internacionais até 2020 – período que compreenderia praticamente todo o mandato de Trump na Presidência dos Estados Unidos.
Uma alternativa levantada por auxiliares do futuro presidente que reduziria esse período para apenas um ano de espera seria a retirada do país da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, sigla em inglês), do qual o Acordo de Paris faz parte. Essa opção seria a mais radical de todas: com a saída, os Estados Unidos sequer teriam espaço no debate multilateral sobre clima, o que pode ser contraproducente mesmo para um governo que não quer avanços nessa agenda política.
Não alheios aos movimentos do novo governo, os representantes da administração de Barack Obama presentes em Marrakech estão se movimentando nas rodas de negociação e nos eventos paralelos para colaborar o máximo possível com as conversas na COP 22.
O secretário de energia dos Estados Unidos, Ernest Moniz, um veterano de negociações internacionais em clima, mal pousou em Marrakech nesta segunda-feira e iniciou uma verdadeira maratona de participação em painéis e debates no complexo da COP 22 em Bab Ighli. Seu colega de gabinete, o secretário de Estado John Kerry, também deve ter uma agenda bastante agitada em Marrakech a partir desta terça-feira. Para Kerry, liderança política importante no processo de negociação do Acordo de Paris, a COP 22 será seu último compromisso político à frente do Departamento de Estado – por isso, o secretário de Estado deve ser figura importante na conclusão dos trabalhos em Marrakech nesta semana.
Antecipando a chegada de Kerry, o governo Obama anunciou novos investimentos em projetos de energia renovável e inovação de baixo carbono. O dinheiro a ser aplicado nesses investimentos não se trata de “recurso novo”, mas sim de recursos já destinados para esse tipo de investimento e que ainda não tinham sido oficializados – por isso, é pouco provável que a administração Trump venha a cancelá-los. No que diz respeito a recursos novos, um ponto frequentemente levantado pelas nações mais pobres para aumentar o financiamento de ações de mitigação e adaptação, os Estados Unidos não deverão ser grandes provedores sob o governo do empresário republicano.
Com a perspectiva de perder o protagonismo dos Estados Unidos no enfrentamento da mudança do clima nos próximos quatro anos, os negociadores na COP 22 estão correndo contra o tempo para avançar no processo de implementação do Acordo de Paris ainda neste ano, antes da posse de Trump nos Estados Unidos.
No final de semana passado, um esboço de declaração formal começou a circular informalmente entre as delegações em Marrakech. Em linhas gerais, o texto pede aos países que acelerem o processo de implementação do Acordo de Paris e aumentem a ambição de suas medidas de mitigação e de financiamento à ação climática nos países pobres. Esta declaração política não estava prevista na agenda de negociação de Marrakech, o que evidencia o impacto da vitória de Trump na COP 22.
A intensidade do ritmo de trabalho em Marrakech deve aumentar mais a partir de hoje (15/11), com o início do segmento de alto nível da COP 22, momento em que chefes de governo e ministros começam a concluir os entendimentos finais da Conferência.
Além da declaração política, os participantes desse segmento precisarão entrar em acordo sobre pontos como ações pré-2020 (medidas para mitigação antes do começo da implementação do Acordo de Paris, no final desta década) e o processo de revisão das contribuições nacionalmente determinadas (NDC, sigla em inglês) que fundamentam os compromissos dos países signatários do Acordo, previsto para acontecer em 2018. O encerramento da COP 22 está previsto para esta sexta-feira (18/11).