De Marrakech – A ideia do governo brasileiro para esta Conferência do Clima de Marrakech (COP 22) era destacar a atuação conjunta de dois ministérios historicamente antagônicos no que diz respeito a agendas ambientais no país: o do Meio Ambiente, liderado pelo deputado federal licenciado José Sarney Filho, e o da Agricultura, chefiado pelo senador licenciado Blairo Maggi.
Para que o Brasil possa cumprir os compromissos assumidos no âmbito do Acordo de Paris, é crucial que esses ministérios atuem de maneira concertada. Em Marrakech, os dois ministros tentaram mostrar sintonia com a questão climática, participando juntos de diversos eventos ao longo desta semana, inclusive de uma coletiva de imprensa sobre a Plataforma do Biofuturo, um projeto encabeçado pelo Brasil para incentivar o desenvolvimento de biocombustíveis avançados em diversos países.
Ontem (17/11), Sarney Filho e Maggi participaram juntos de mais um evento na COP 22, organizado pela Coalizão Brasil Clima, Floresta e Agricultura. No debate, destaque para os elogios de representantes do Banco Mundial e da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, sigla em inglês) aos avanços realizados pelo país na última década em matéria de combate ao desmatamento ilegal na Amazônia.
A sintonia, no entanto, parece não acontecer da maneira esperada no que diz respeito às manifestações públicas do ministro da Agricultura na COP 22. Diplomatas e funcionários do governo brasileiro presentes em Marrakech têm se esforçado para apagar os “incêndios” retóricos causados por algumas falas de Blairo Maggi durante os últimos dias.
Nesta Conferência, Maggi já afirmou que os assassinatos de ambientalistas no Brasil é um “problema de relacionamento”, que é a “consciência” dos produtores rurais que mantém as florestas brasileiras preservadas, e questionou sobre quem pagaria pela proteção ambiental nas propriedades rurais do país (uma conta que chegaria a US$ 40 bilhões, de acordo com ele próprio). Ontem, o ministro foi além: durante o evento da Coalizão, Maggi afirmou que a contribuição nacionalmente determinada (NDC, sigla em inglês) do Brasil, que representa os compromissos do país no Acordo de Paris, trata-se de “intenção” – e não de uma obrigação internacional brasileira -, condicionando-a à disponibilidade de recursos externos para pagar a conta da transição para uma agricultura de baixo carbono.
“Nós não temos condições financeiras, monetárias, de levar adiante a intenção que o Brasil colocou. Eu gosto dessa palavra: intenção. A intenção que o Brasil assumiu perante o mundo não pode ser obrigação do produtor brasileiro, tem de ser a intenção do produtor brasileiro também. Tenho certeza de que não vamos nos furtar a ajudar a fazer, mas precisamos de financiamentos, de oportunidades, para que os produtores possam fazer”, disse Maggi.
A afirmação do ministro da Agricultura causou desconforto na delegação brasileira e entre as organizações da sociedade civil brasileira que participam da Conferência de Marrakech. Diferentemente do que Blairo Maggi coloca, a NDC brasileira transformou-se em legislação nacional a partir do momento em que o Acordo de Paris foi ratificado pelo presidente da República Michel Temer, em setembro passado (saiba mais). Ou seja, a partir do momento da ratificação, essa meta deixou de ser intenção e virou obrigação legal.
O compromisso apresentado pelo Brasil para o Acordo de Paris, firmado ainda durante a gestão da ex-presidente Dilma Rousseff, define uma meta total de redução de emissões de 37% até 2025 e 43% até 2030 com relação a 2005, que poderá ser cumprida a partir de diferentes medidas e ações nos próximos anos – dentre elas, estão duas medidas apontadas pelo ministro como prejudiciais para o setor produtivo brasileiro: a recuperação de 15 milhões de hectares de pastagens degradadas e de 12 milhões de hectares de florestas.
Durante o evento da Coalizão, o Observatório do Clima entregou uma carta pública questionando as afirmações de Blairo Maggi no que diz respeito às responsabilidades do setor agropecuário brasileiro no cumprimento das metas nacionais no Acordo de Paris e à questão da violência contra ativistas ambientais no campo. “O setor rural brasileiro tem uma imensa responsabilidade sobre a contribuição brasileira para as emissões globais de gases de efeito estufa e, portanto, para o aquecimento global. Avanços na luta contra o desmatamento foram feitos na última década, o que deve ser reconhecido. Mas estamos muito longe de uma agropecuária sustentável”, afirma a carta.
Sobre a questão do financiamento da proteção ambiental na agricultura brasileira, o OC afirma que o montante apontado pelo ministro como necessário para viabilizar isso já existe: o governo brasileiro poderia obter os US$ 40 bilhões somente com a cobrança de inadimplentes do Plano Safra (R$ 202 bilhões em 2016), que historicamente gira em torno dos 5%. “Somente o custo de equalização dos juros do Plano Safra, em julho de 2015, atingiu R$ 13,4 bilhões. Ou seja, mesmo admitindo que a estimativa do ministro Blairo Maggi esteja certa, haveria dinheiro para bancar a NDC. Bastaria, para isso, que oa agricultores pagassem suas dívidas”, diz a carta.
Para o OC, a relativização da violência no campo pode ser comparada “ao negacionismo climático expresso, por vezes, pelo presidente eleito dos EUA, como quando disse que o aquecimento global é invenção dos chineses para tornar a indústria americana menos competitiva”. De acordo com a Global Witness, ONG internacional que monitora a situação de ativistas ambientais pelo mundo desde 1993, das 150 mortes registradas de ambientalistas em 2015 em todo o mundo, 50 aconteceram no Brasil, o que torna o país o mais violento do mundo para os ambientalistas.
Ao receber a carta, o ministro da Agricultura contestou o “tom agressivo” do texto e afirmou que as portas do ministério estão abertas para o diálogo com a sociedade civil. Mas, ao mesmo tempo, Maggi reforçou de maneira irônica sua observação sobre a violência no campo. “Olha que boa notícia, 150 mortes, morreram 50 ambientalistas a menos; ontem não falavam em 200?”, disse o ministro.
No final do evento, representantes da ONG Engajamundo – que no ano passado, durante a Conferência de Paris, premiaram a então ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira com o “Troféu Cara de Pau” por anunciar um compromisso que o Brasil já tinha anunciado anteriormente – entregaram ao ministro da Agricultura um colar de “pérolas maggicas”, uma alusão bem humorada às “pérolas” ditas por Maggi durante a Conferência de Marrakech.