A Braerg centra a estratégia na pesquisa de soluções para venda de patentes de valor socioambiental
De início, o jovem cientista Douglas Spalato, aos 22 anos, tinha somente a intenção de obter financiamento para comprar equipamentos e ampliar a escala de sua pesquisa para novos processos de transformação de biomassa em etanol, com produtividade superior à obtida no mercado. Mas o objetivo ganhou outra dimensão após a ideia ter sido apresentada ao administrador de empresas Anderson Dutra, que carregava na bagagem ampla experiência na captação de investimentos para inovações e se constituiu um parceiro. “Após consultas a especialistas do setor sobre o potencial da proposta, sugeri que não exatamente aquela iniciativa pontual com etanol, mas o projeto maior e mais ambicioso de um centro de pesquisas gerador de patentes em biotecnologia que fosse submetido à análise de investidores”, conta Dutra.
Pouco tempo depois, no primeiro semestre de 2012, surgiu o convite para o projeto ser defendido no Chile, em evento que reuniu potenciais negócios para acesso a recursos da iniciativa World-Transforming Technologies (WTT), mantida pela Fundação Avina para investimento em inovações de impacto social. De lá Spalato saiu com um cheque de US$ 1 milhão para colocar a ideia em prática, com a estruturação da empresa Braerg, sigla para Brazilian Expertise Research Group. “A primeira preocupação foi deixar o objetivo claro no contrato social: transformar conhecimento, processos e serviços em valores sustentáveis para a sociedade”, afirma Dutra, um dos sócios fundadores e diretor de relações institucionais.
Com sede em Sorocaba (SP), a empresa se diferencia como centro de pesquisa privado, estruturado para desenvolver inovações tecnológicas de relevância social e ambiental e levá-las ao mercado. Nos primeiros três anos, o negócio exigiu detalhado alinhamento de estratégias e contas para lidar com riscos e transpor barreiras. O plano é, posteriormente, decolar, de olho no mercado externo.
A lista dos itens para planejamento da Braerg inclui análise de custos e do sistema de propriedade intelectual e também estudos de valuation [1], de modo a identificar as oportunidades para maior valorização dos novos negócios com biotecnologias, desenvolvidas unicamente conforme pesquisas próprias da empresa – e não com know-how adquirido de terceiros. Como suporte à tomada de decisão, a empresa criou o Termo de Análise de Oportunidades (TAO), em que são mapeados riscos e potenciais das pesquisas em cada fase de desenvolvimento.
[1] Termo em inglês para “avaliação de empresas”, processo pelo qual se estima quanto valem seus ativos
Hoje o portfólio abrange tecnologias que vão de novos antibióticos mais potentes até processos biológicos para obtenção de ácido cítrico como conservante natural de alimentos e bebidas. Na prateleira, há também inovações para diagnóstico de contaminação por metais pesados [2] a baixo custo, além de cosméticos e fitoterápicos, como um potente cicatrizante de queimaduras elaborado com extratos vegetais.
[2] De acordo com o Blacksmith Institute, cerca de 125 milhões de pessoas foram expostas à contaminação por metais pesados em 49 países, em 2012
O etanol de terceira geração [3], ponto de partida do negócio, tem patente registrada em 37 países pela Braerg. Os cientistas da empresa chegaram a formulações capazes de multiplicar o rendimento de etanol por tonelada de bagaço e palha de cana-de-açúcar. Isso significa maior produção por hectare, com redução de impactos negativos no campo. O método permite uso de madeira, milho, palha de bananeira e até lixo orgânico: a cada tonelada de biomassa são gerados, em média, 198 litros de etanol para o mercado de biocombustível, plástico e outros produtos de origem renovável.
[3] Etanol obtido de resíduos da cana (bagaça e palha), mediante a ação de microrganismos, podendo aproveitar a estrutura de usinas já existentes, sem gerar novos passivos ambientais
De acordo com Dutra, em razão do alto rendimento do processo biológico, a tecnologia da Braerg tem potencial de mercado – validado por estudos da Universidade de São Paulo e da consultoria Xingu Capital –, que a coloca em vantagem perante a concorrência. Hoje usinas brasileiras produzem em escala comercial o etanol de primeira geração, com o uso da fermentação do caldo da cana, e o de segunda, por meio de enzimas que catalisam processos químicos tendo o bagaço como fonte. No entanto, no caso das indústrias que trabalham baseadas nesse último método, apesar dos altos investimentos, a produção tem se mostrado cara e enfrentado barreiras de rendimento, conforme análise do diretor.
“Após a formatação do modelo de negócios e os preparativos ao longo de três anos, agora vamos ao mercado para vender, transformar o conhecimento em receita”, revela Dutra. A estratégia será a venda de patente e licenciamento de tecnologias, mediante recebimento de royalties, ou constituição de spin-off [4] em parceria com empresa já atuante no mercado específico do produto a ser lançado.
[4] Empresa criada por um grupo de pesquisa com o objetivo de explorar um novo produto ou serviço de alta tecnologia
Para o diretor, o ambiente para negócios em inovação no País é positivo, especialmente quando as soluções promovem substituição de importados e processos mais limpos e baratos. Em sua avaliação, entraves no sistema de propriedade intelectual e falta de pontes entre academia e mundo empresarial não atrapalham os planos da Braerg, que investiu R$ 10 milhões na estrutura própria de laboratórios, onde hoje trabalham dez funcionários administrativos e pesquisadores.
A empresa foi selecionada pela Agência Brasileira de Promoções de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil) para processo de consultoria voltada para o mercado internacional – um serviço oferecido pela Apex para empresas iniciarem ou ampliarem operações no exterior. “Tudo indica que estamos no caminho certo”, aponta Dutra, reconhecendo os riscos de caminhar em terreno novo, fora do contexto tradicional dos negócios. É preciso boa dose de ousadia e ambição.
BRAERG
www.braerg.com.br
Microempresa
Setor: Pesquisa, desenvolvimento e inovação
Faturamento em 2015: Não houve
Funcionários: 10
Fundação: 2012
Principais clientes: Instituições de apoio e fomento ao desenvolvimento e pesquisa de novas tecnologias e clientes interessados em comercializar as patentes. Até o momento, nenhuma patente foi comercializada, mas o mercado potencial é o de indústrias que buscam inovações tecnológicas para lançamento de produtos, bem como escalonamento e melhoria de bioprocessos.
O que faz: Desenvolve e transfere para o mercado inovações de importância socioambiental, explorando soluções de biotecnologia, farmacologia e físico-química em benefício da população da base da pirâmide. Um dos setores atendidos é o de energia renovável, mediante o desenvolvimento de etanol de terceira geração.
Inovação para a sustentabilidade: Empresas que se dedicam a desenvolver pesquisa com fins comerciais ainda são raras no País. Além disso, a Braerg tem o compromisso em seu planejamento estratégico de direcionar suas pesquisas para soluções sociais e ambientais de alto impacto para populações da base da pirâmide. Por exemplo, no setor farmacêutico, a empresa oferece alternativas mais baratas e eficientes.
Potencial: O diferencial está no domínio da linguagem de negócios e inovação. Há três tecnologias prontas para comercialização: o etanol de terceira geração, o ácido acético glacial e um fitoterápico contra queimaduras. Os laboratórios são equipados com tecnologias de ponta, com certificados europeus de qualidade, equipe multidisciplinar e uma rede de parceiros e mentores. A empresa negocia com governos estrangeiros a abertura de filial e planeja a estruturação de seu primeiro IPO – Initial Public Offering (venda de ações para o público) na Europa, em 2018.
Destaques da gestão: Para obter apoio financeiro da WTT, foi necessário estabelecera visão e a missão da empresa, reforçando o compromisso socioambiental. A empresa elaborou procedimento detalhado para as diferentes etapas do desenvolvimento de pesquisas, Todos os processos de pesquisa são certificados pelas normas ISO 9001.