Na cidade gaúcha de Viamão, a Quinta da Estância permite aos estudantes vivenciarem na prática o conhecimento teórico das salas de aula
Quando jovem, a pedagoga gaúcha Sonia Goelzer cultivou dois grandes sonhos. Um, pessoal: casar e criar seus guris em uma fazenda. Outro, profissional: tornar o conhecimento teórico que oferecia aos alunos em sala de aula em algo “concreto, prático, real e significativo”. No início dos anos 1980, realizou o primeiro ao mudar-se com o marido e os filhos para uma fazendola de 1,5 hectare em Viamão, a 28 quilômetros de Porto Alegre, que chamou de Quinta da Estância. O segundo sonho virou realidade em 1992, quando abriu a porteira da fazenda, agora com uma centena a mais de hectares incorporados, para receber as escolas da região interessadas em seu projeto pedagógico transdisciplinar de concretização do conhecimento.
Ela não imaginava que alguns anos mais tarde o seu singelo projeto profissional se tornaria referência mundial em turismo rural pedagógico e ecológico e acumularia uma respeitável coleção de prêmios e certificados . Muito menos supunha que seus filhos levariam os princípios da sustentabilidade na gestão do negócio da família até as últimas consequências. Não fosse o projeto pedagógico por si só um sucesso em inovação, a Quinta da Estância seguramente alcançaria fama por ser também um “laboratório” em sustentabilidade integrada ao core business como raramente visto – grupos empresariais interessados neste tema também estão entre o público recepcionado em Viamão pela família Goelzer.
A filosofia aplicada na Quinta da Estância segue a linha do “pise na grama”. A mensagem subliminar que recepciona os alunos – pertencentes da pré-escola à universidade – logo na entrada diz na entrelinha: “Chegue mais perto da natureza, não tenha medo”. As atividades desenvolvidas na Quinta da Estância com os estudantes dependem dessa conexão. Como é transdisciplinar, os projetos podem abordar qualquer disciplina da grade curricular, mas em geral os temas mais tratados estão relacionados às atividades no campo.
Um projeto recente firmado com o Colégio Anchieta, de Porto Alegre, trabalhou a industrialização dos alimentos. “A escola queria que os alunos do segundo ano [do Ensino Fundamental] conhecessem a trajetória dos alimentos, desde a preparação da terra até chegar à mesa”, conta Sonia Goelzer. “Criamos um projeto, colocando implementos antigos e modernos utilizados no plantio e na colheita.”
Em uma minifazenda as crianças receberam noções sobre criação. As instalações foram montadas de modo que elas pudessem alimentar e tocar os bichos. “É importante que sintam a textura e a temperatura dos animais”, explica a professora. Mais tarde, enquanto os monitores explicavam a etapa do processamento dos alimentos, os pequenos ajudavam a preparar uma fornada de pães.
A fazenda conta com mais de 90 monitores graduados, e alguns pós-graduados, nas áreas de Biologia, Agronomia, Veterinária e Educação Física. Parte deles aprendeu a se comunicar em libras (a língua brasileira de sinais), pois todo o projeto de acessibilidade na fazenda é integrador. Não se realizam eventos especiais só para alunos surdos, ou para alunos autistas, ou para portadores de deficiência física: “Estamos preparados e adaptados para receber a todos simultaneamente, sem segregação”, afirma o filho do meio, Rafael Goelzer, diretor de relacionamento com mercado. Entre as programações oferecidas aos visitantes está a caminhada por uma trilha ecológica. No trajeto, além de muitos animais [1], eles “veem” a importância da mata ciliar para os córregos e da vegetação para a preservação das nascentes. Depois de provarem da água gelada e cristalina que brota na Quinta da Estância, aprendem que alguns quilômetros à frente aquele líquido tão puro se mistura às águas contaminadas do castigado Rio Gravataí.
[1] Mais de 7 mil animais silvestres vítimas de tráfico no Rio Grande do Sul já foram recuperados na Quinta da Estância e devolvidos ao habitat natural
Após essa experiência, é bom saber que o empreendimento mantém unidades biológicas de tratamento de todo o efluente gerado na propriedade. Os resíduos secos são, por sua vez, doados a associações de catadores do município de Viamão e os orgânicos têm como destino as composteiras e os minhocários.
Carbono negativo
Segundo Goezel, os fornecedores localizados em um raio de 50 quilômetros da fazenda têm preferência em relação aos mais distantes, mesmo quando cobram um pouco mais caro. Em 2007 a Quinta da Estância contratou uma empresa especializada, a Ecofinance Negócios, para fazer seu inventário de emissão de gases de efeito estufa (GEE) e optou por neutralizar suas emissões com o plantio de árvores nativas e frutíferas dentro da própria instalação. A empresa crê que assim ganha duas vezes, no global e no local. “Se pararmos de plantar hoje, diz Goelzer, as emissões da Quinta da Estância já estarão neutralizadas até 2046.”
Com 24 anos de atividades e resultados positivos, não seria hora de expandir a experiência a outras plagas a fim de que mais pessoas usufruam desse modelo de negócio? A opção da franquia como forma de ganhar escala não está nos planos da família. O maior impeditivo estaria no acompanhamento pedagógico das atividades educativas, que são a espinha dorsal do empreendimento. “Temos quatro profissionais contratados só para fazer esse acompanhamento. É um trabalho muito sério e de alto comprometimento com as escolas clientes”, pondera Sonia Goelzer.
Deixar de franquear o negócio não significa manter a Quinta da Estância “ilhada” em Viamão. Além das cerca de 20 palestras anuais que os Goelzer já fazem para divulgar o seu modelo de governança de uma gestão com sustentabilidade para pequenas e médias empresas, uma solução que está sendo considerada é separar em nichos toda a gama de atividades pedagógicas que se desenvolvem ali e apresentá-las como modelos inspiradores a novos empreendimentos. “A preparação desses módulos está entre os nossos planos para 2017”, revela.
Fazenda Quinta da Estância
www.quintadaestancia.com.br
Microempresa
Setor: Educação e turismo
Faturamento em 2015: R$ 1,9 milhão
Funcionários: 30
Fundação: 1992
Principais clientes: Instituições de ensino (escolas e universidades do Brasil, Uruguai e Argentina) e empresas (eventos de treinamento vivencial e confraternizações).
O que faz: Projeto turístico-pedagógico na fazenda Quinta da Estância, em Viamão, próxima a Porto Alegre. Une o conhecimento teórico da sala de aula e as dinâmicas práticas em um ambiente de natureza preservada.
Inovação para a sustentabilidade: Está presente na proposta do empreendimento em si, cuja abordagem ainda é pouco utilizada na área de educação. Contribui para a formação de alunos com uma visão integral da sustentabilidade. Foi o primeiro empreendimento turístico do Brasil a se tornar signatário do Pacto Global da ONU.
Potencial: Já recebeu mais de 1 milhão de visitantes e criou uma rede de professores interessados em atividades vivenciais (250 mil cadastrados). Os empreendedores estudam o melhor formato para levar o negócio a outras localidades, pois reconhecem que existe uma demanda para esse tipo de formação.
Destaques da gestão: O casal Goelzer e os três filhos administram a fazenda. Realizam reuniões com as equipes e com as escolas. Valorizam a governança e as práticas ambientais, como geração de energia eólica e solar (a meta é ser 100% autossuficiente). Mantém um viveiro onde tratam dos animais resgatados do tráfico no Rio Grande do Sul. Não aceitam verbas governamentais em nenhuma de suas ações.