O Brasil tem um longo caminho até conscientizar o consumidor para o uso de fontes renováveis. Mas as bases para a adoção dessa prática já estão colocadas
Por Fernando Giachini Lopes*
Nenhum consumidor de energia, seja residencial ou comercial, tem como saber de onde vem a eletricidade que recebe. Isto porque não é possível separar a eletricidade produzida em usinas de geração de fontes renováveis ou fósseis. Os elétrons que trafegam pelas redes de transmissão, postes e fios da rede elétrica e chegam ao ponto de consumo são indistinguíveis e impossíveis de serem rastreados.
Uma forma de adquirir a quantidade de energia limpa equivalente ao consumo é por meio de Certificados de Energia Renovável (REC). Cada certificado equivale a 1 megawatt/hora (MWh) de eletricidade produzida a partir de fontes renováveis e cada MWh injetado no sistema elétrico é registrado e quantificado. Por meio de um sistema de book and claim, consumidores tomam posse exclusiva desses RECs e o sistema debita a quantidade originada. Há, portanto, um sistema de contabilização que controla o equilíbrio entre entrada e saída de certificados num determinado período.
Os RECs são usados para rastrear a energia renovável do ponto de geração até o consumidor final. Ao comprar RECs, empresas e consumidores estão investindo na geração da mesma quantidade consumida em energia limpa, ou seja, elas se apropriam somente da parte limpa que é colocada no sistema.
Nos Estados Unidos há mecanismos que exigem que as geradoras de energia produzam determinada cota de fontes renováveis e o instrumento utilizado para rastrear a alocar tais cotas de energia renovável é o REC. Já no mercado europeu, exigências regulatórias semelhantes são atendidas por meio de um sistema local de registro e rastreamento de energia renovável, chamado Garantias de Origem (GO). No Reino Unido e na Austrália, os RECs são usados desde 2002 e a iniciativa International REC Standard atende demais partes do globo.
Os certificados também são usados nos mercados voluntários, nos quais consumidores de energia corporativos adquirem energia limpa para atender às metas de sustentabilidade ou relatar seus impactos socioambientais usando plataformas padronizadas de relato.
E no Brasil?
Hoje, qualquer pessoa física ou jurídica no País pode adquirir RECs. Para tanto, basta acessar o site do Programa Brasileiro de Certificação de Energia Renovável, escolher o tipo de energia e entrar em contato direto com o gerador de energia para adquirir os RECs. Os preços são negociados diretamente entre comprador e vendedor. Cada REC é um produto único. Nesse sentido, o comprador pode escolher o REC quanto ao tipo de energia (solar, por exemplo), quanto ao gerador (empresa), quanto à idade da usina (existem compradores que privilegiam usinas mais recentes), e quanto ao período de emissão dos RECs (uma boa prática é solicitar certificados de energia gerada no período mais próximo possível do consumo).
O sistema de RECs no Brasil iniciou suas operações em 2013, com o Programa Brasileiro de Certificação de Energia Renovável, promovido pelas Associações de Energia Hídrica e Eólica (Abragel e Abeeolica, respectivamente), com o apoio e participação da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), com gerenciamento do Instituto Totum.
O programa, de caráter 100% voluntário e autorregulado, visa aumentar o valor percebido pelo consumidor na aquisição de fontes renováveis de baixo impacto socioambiental.
Em 2016, foi incorporado ao Programa o sistema de rastreamento global do Irec Standard, fundação holandesa que define métodos de emissão e rastreamento de RECs em âmbito internacional.
Até o momento da publicação deste artigo, o mercado de RECs no País já tinha movimentado cerca de 120 mil MWh de transações, volume bastante modesto para o tamanho da economia brasileira. Para se ter ideia, o mercado europeu movimentou cerca de 400 milhões de MWh em 2016.
Não existem exigências legais para geração e consumo de energia renovável, assim, a demanda é voluntária. A energia renovável (incluindo hidrelétricas) participa da matriz elétrica brasileira com um percentual em torno de 80%, garantindo baixa emissão de CO2 para cada MWh gerado (em torno de 100 kg CO2 por MWh gerado). Entretanto, nos últimos 10 anos, a emissão de CO2 da matriz elétrica brasileira mais que dobrou em função da incorporação crescente de usinas térmicas movidas a combustíveis fósseis.
A principal demanda atual do mercado são os “prédios verdes” que possuem a Certificação Leed, norma que exige prova de consumo de energia renovável. No futuro, a demanda virá a partir de empresas nacionais e multinacionais com operações no Brasil que relatam indicadores socioambientais em plataformas padronizadas ou que se comprometem com metas de sustentabilidade (ver quadro abaixo).
Plataforma | Explicação | Tendência |
Protocolo GHG | O Programa GHG Protocol tem como objetivo estimular a cultura corporativa para a elaboração e publicação de inventários de emissões de gases do efeito estufa (GEE), proporcionando aos participantes acesso a instrumentos e padrões de qualidade internacional. | Empresas podem reportar emissões zero para Escopo 2 (consumo de energia) caso comprovem a aquisição de REC compatíveis com seu consumo.
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CDP | A CDP é uma organização internacional, sem fins lucrativos, que fornece o maior e mais completo sistema global de divulgação ambiental, incluindo dados corporativos sobre mudança climática, água e florestas. | |
RE 100 | RE100 é uma iniciativa global de grandes empresas influenciadoras, compromissadas com o consumo de 100% de energia renovável. | Empresas brasileiras associadas à RE 100 e filiais de multinacionais com instalações no Brasil podem adquirir RECs para atender a metas globais e compromissos assumidos. |
ISE e DWSI | O Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE), assim como o Índice de Sustentabilidade Dow Jones, é uma ferramenta para análise comparativa da performance em sustentabilidade das empresas listadas na B3 e Bolsa de Nova York. | Ambos os índices possuem pontuação para estratégias ligadas à geração e ao consumo de energia renovável. |
Além do estímulo corporativo, programas de mini e micro geração de energia (com base na Resolução Aneel 482/2012) devem cada vez mais atrair a atenção dos consumidores. Tal resolução permite, por exemplo, a implantação de condomínios solares, nos quais moradores podem adquirir cotas de usinas solares e debitar a produção de energia proporcional às suas cotas nas contas de energia.
O Brasil tem um longo caminho até conscientizar o consumidor para o uso de energia renovável, mas as bases necessárias para a adoção dessa prática já estão colocadas.
*Fernando Giachini Lopes é sócio e executivo do Instituto Totum.