Por Carlos Gabriel Koury* e Paulo Alexandre Simonetti**
A sociobioeconomia, conceito que gera produtos de alto valor agregado usando matéria prima amazônica, majoritariamente obtida através de atuação extrativista, emerge como um pilar fundamental para o desenvolvimento da região. Longe de ser apenas uma questão de modismo, a inclusão produtiva das comunidades locais nesse modelo também contribui para geração de renda e o crescimento econômico do Brasil, fomentando a qualidade de vida de populações que historicamente se encontraram em situação de vulnerabilidade social. A floresta em pé, com sua vasta biodiversidade, representa um ativo inestimável, capaz de impulsionar uma nova economia que valoriza os saberes tradicionais e a riqueza natural da região.
Apesar do imenso potencial, a realidade amazônica impõe desafios significativos para o aumento da capacidade produtiva das comunidades e a melhoria da qualidade dos produtos. A logística complexa, a falta de infraestrutura e o acesso limitado a mercados são barreiras históricas na Amazônia que precisam ser superadas. Nesse contexto, a inovação tecnológica surge como um caminho essencial para transpor esses gargalos, oferecendo soluções que otimizam processos e abrem novas portas para a comercialização dos produtos da floresta. A aplicação de tecnologias adaptadas à realidade local pode transformar a produção artesanal em uma atividade de escala, com padrões de qualidade que atendam às exigências dos mercados mais sofisticados.
Nesse cenário, o Programa Prioritário de Bioeconomia (PPBio) se destaca como uma alavanca propulsora para o desenvolvimento tecnológico associado a biodiversidade amazônica. Estabelecido no âmbito da Lei de Informática da Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa), o PPBio é uma política pública que capta recurso de investimento obrigatório de P&D do Polo Industrial de Manaus (PIM) e redireciona a novos negócios e tecnologias a partir da biodiversidade amazônica, fomentando inovações de institutos de pesquisa e startups voltadas às cadeias produtivas locais.
Coordenador do PPBio, o Idesam é uma organização da sociedade civil com 20 anos experiência no diálogo e fomento junto a associações e cooperativas locais, simultaneamente à articulação da política pública que conflui para o desenvolvimento tecnológico alinhado às demandas das cadeias produtivas locais.
Dois exemplos práticos demonstram como a inovação tecnológica fomentadas pelo PPBio podem ser a chave para superar os desafios da bioeconomia amazônica. O primeiro é o da Dooka, uma startup que desenvolveu embalagens biodegradáveis a partir da fécula de mandioca, um recurso abundante na região. Foi implementada uma biofábrica comunitária na Associação dos Produtores Agroextrativistas da Colônia do Sardinha (ASPACS) em Lábrea, município no Sul do estado do Amazonas. A partir de agora a comunidade poderá produzir embalagens com matéria-prima biodegradável, substituinte de isopor, atendendo a demandas das indústrias do PIM.
O modelo não só oferece uma alternativa sustentável aos plásticos de uso único, mas também gera renda e capacita as comunidades para operar tecnologias modernas de termoformagem. A iniciativa da Dooka é um exemplo claro de como a demanda de investidores pode ser conectada à produção comunitária, agregando valor a cadeias produtivas tradicionais e levando tecnologia avançada para o interior da Amazônia.
Case igualmente relevante foi desenvolvido no Instituto Nacional de Desenvolvimento Tecnológico (INDT), localizado em Manaus, que em parceria com o Idesam e o negócio de impacto Inatú Amazônia modernizou uma miniusina de óleos vegetais na Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Rio Uatumã. O projeto denominado Green Harvest, com aportes financeiros do PPBio e da Embrapii, automatizou o envase de óleos vegetais e essenciais, além de permitir a análise de qualidade nas próprias comunidades – procedimentos antes realizados em ambientes urbanos com prestadores de serviço. Essa modernização é fundamental para superar dificuldades comuns de qualidade e processamento, permitindo que os produtos da floresta alcancem novos mercados e valorizem ainda mais a produção local. Ambos os casos ilustram a importância de organizações que atuam como pontes, canalizando investimentos e fornecendo suporte tecnológico e treinamento para as comunidades.
Para que a bioeconomia amazônica alcance seu pleno potencial, é fundamental a atuação de agentes dinamizadores capazes de compreender as necessidades e oportunidades das cadeias produtivas locais. E, também, fortalecer a conexão entre as comunidades, centros de pesquisa e o capital. Eles facilitam a transferência de conhecimento, a adaptação de tecnologias e a atração de investimentos necessários ao escalonamento das iniciativas.
O PPBio atua nessa frente desde 2019, com resultados significativos. Em 2024, atingiu o marco de R$ 150 milhões captados e aumento de 185% no número de projetos em relação ao ano anterior, resultando na geração de mais de 600 empregos diretos. São iniciativas apoiadas em mais de 50 municípios espalhados pelos estados de Roraima, Rondônia, Acre, Amazonas e Amapá. Entre os mais de 40 negócios apoiados, quase 20% já exportam para os EUA, Europa e Asia.
A bioeconomia amazônica é mais do que um conceito; é um caminho tangível para um futuro em que a prosperidade econômica e a conservação ambiental caminham lado a lado. A inovação tecnológica, impulsionada por agentes dinamizadores e políticas públicas eficazes como o PPBio, tem representado uma das chaves para desbloquear o vasto potencial da Amazônia, transformando seus recursos naturais em valor e oportunidades para todos.
*Diretor de Inovação em Bioeconomia do Idesam
**Gerente de Inovação Aberta e ESG do Idesam

