O naturalista, já no século XVIII, entendeu a natureza como uma força global, interligada e interdependente. Mas suas lições parecem ter sido esquecidas
Alexander von Humboldt nasceu na Prússia, atual Alemanha, em 1769. Foi verdadeiramente um naturalista, mas também um geógrafo e explorador que, aos 32 anos de idade, se aventurou numa fascinante viagem pela América Latina, explorando-a e descrevendo-a pela primeira vez sob um ponto de vista científico. Nesta viagem, Humboldt iniciou também uma viagem conceitual que lhe permitiu, pela primeira vez na História, desenvolver uma nova visão da natureza.
Antes abordada e estudada de forma compartimentada (Lineu tinha popularizado seu famoso sistema de taxonomia), a natureza para Humboldt só podia ser compreendida quando olhada de forma subjetiva, aliando a componente científica com a componente artística, juntando razão e sentimentos.
Humboldt inventou as linhas isotérmicas e isobáricas que, num mapa, unem pontos de igual temperatura e pressão e que nos habituamos a ver na meteorologia. Ele introduziu conceitos de zoneamento ecológico, olhando as plantas não apenas sob o ponto de vista da sua classificação taxonômica, mas como grupos ligados à sua localização e clima. Humboldt viu a natureza como uma força global, interligada e interdependente, um conceito revolucionário ao seu tempo e que é base do nosso conceito de ecossistemas. Humboldt foi também um grande divulgador da ciência, tendo sido pioneiro na apresentação da informação científica de uma forma visual e gráfica.
Em 1802, após a escalada do vulcão Chimborazo nos Andes, não longe de Quito no atual Equador, Humboldt desenhou um magnífico desdobrável (folheto dobrável para facilitar o transporte) com as espécies de plantas escritas na parte cortada da montanha, e colunas do lado esquerdo e direito contendo informações que permitiam, em um rápido olhar, uma ampla compreensão.
No dia 14 de Setembro de 1869, quando se comemoraram 100 anos do seu nascimento, houve celebrações em várias partes da Europa, África, Austrália e Américas. Buenos Aires, Cidade do México, passando por Moscou e Alexandria, Melbourne e Adelaide, entre outras, assistiram a discursos e festividades em honra do grande mestre. Curiosamente, as maiores comemorações foram nos Estados Unidos, onde diversas cidades se juntaram às homenagens. O presidente Ulysses Grant participou de Pittsburgh e, em Nova York, até os navios no Rio Hudson estavam engalanados (enfeitados). O mundo ainda se lembrava de Humboldt.
Ao ler uma nova biografia de Alexander von Humboldt (The Invention of Nature: Alexander Von Humboldt’s New World, por Andrea Wulf, ed: Alfred A. Knopf. New York. 2016) não pude deixar de notar a importância de seu pensamento revolucionário sobre a natureza mas, acima de tudo, ficar perplexo pela forma plácida como a nossa sociedade esqueceu seus ensinamentos. Humboldt encontrava sempre conexões; nada, nem o mais simples dos organismos, era olhado de forma isolada. Segundo Humboldt, “nesta grande cadeia de causas e efeitos, nenhum fato singular pode ser considerado de forma isolada”. Estava criado o conceito de natureza, como o conhecemos hoje, uma verdadeira teia de vida.
Contudo, se a natureza era uma teia de elementos interligados, a sua vulnerabilidade era uma consequência óbvia. Se perturbamos uma pequena parte do sistema, as implicações podem ser devastadoras. Depois de ter visto a devastação ambiental provocada pelas plantações coloniais no lago Valencia, na Venezuela em 1880, Humboldt foi o primeiro homem de ciência a falar dos efeitos da atuação humana para o clima e para o planeta. Foi um dos homens mais famosos do seu tempo, travando conhecimento com Goethe, Thomas Jefferson, Simon Bolívar e, quero destacar, Charles Darwin. Este último não apenas leu toda a obra de Humboldt, como reconheceu que, sem Humboldt, não teria partido para a sua histórica viagem no navio Beagle.
Darwin foi profundamente influenciado pelo pensamento de Humboldt e este foi determinante para o seu famoso livro “A Origem das Espécies”.
Humboldt não cansou de proclamar que o Homem estava a se intrometer de forma desordenada no clima e que os resultados poderiam ser imprevisíveis para as futuras gerações. A Revolução Industrial ainda não tinha despontado, mas a ação humana já se fazia sentir de forma negativa no planeta. Vivemos hoje em uma época em que esta relação causa-efeito é evidente e a escala das causas (nossas ações) nos trazem efeitos potencialmente devastadores (extinção de espécies, desflorestamento, alterações climáticas).
Por exemplo, o ano de 2016 foi o ano mais quente deste que existem registros de medições, tendo a temperatura média do planeta sido 1,1 grau Celsius acima da média pré-industrial. Em artigo publicado recentemente na prestigiada revista Science, um grupo de cientistas lança o desafio: se reduzirmos as emissões de carbono para metade a cada década, teremos 75% de chance de limitar o aquecimento global abaixo dos 2 graus, relativamente aos níveis pré-industriais, meta preconizada pela maioria dos países do mundo no Acordo de Paris.
“A nossa civilização precisa de chegar, muito rapidamente, a um ponto de inflexão socioambiental” e, para isso, teremos de duplicar a geração de energia renovável a cada 5 a 7 anos. Curiosamente, “estamos já no ponto de partida desta trajetória já que, na última década, a participação de renováveis no setor da energia duplicou a cada 5.5 anos. Se mantivermos o ritmo, os combustíveis fósseis sairão da matriz energética antes de 2015”, afirma Johan Rockström, diretor do Stockholm Resilience Centre, da Universidade de Estocolmo.
Nesse artigo os autores, que estudam o tema há décadas, identificam passos concretos para o mundo atingir a neutralidade de carbono em 2050 e com um aviso interessante: “As empresas que tentarem escapar a este processo sairão derrotadas da próxima revolução industrial e, por consequência, perderão a oportunidade de construir um futuro próspero e rentável”.
Pergunto-me porque insistimos em esquecer Humboldt e sua visão inaugural de uma natureza interconectada e porque continuamos a ignorar as evidências da ciência. Em pleno século XXI, a conciliação entre desenvolvimento e preservação ambiental ainda não é um consenso; 247 anos após o nascimento de Humboldt, mostramos o quão não respeitamos a vida ao esquecer seus ensinamentos passados. É tempo de fazer Humboldt sobreviver na nossa memória porque, como nos disse Marguerite Yourcenar, “quando se gosta da vida, gosta-se do passado, porque ele é o presente tal como sobreviveu na memória”.
* Gestor Executivo de Meio Ambiente da EDP Brasil