Desde a segunda passada (08/5), negociadores de mais de 190 países estão reunidos em Bonn (Alemanha) para uma nova rodada de conversas sobre a implementação do Acordo de Paris. A priori, a pauta da negociação nos próximos dias deveria ser o primeiro esboço das regras para operacionalizar os compromissos de redução de emissões assumidos pelos governos no Acordo a partir de 2020. No entanto, a incerteza persistente quanto ao futuro dos Estados Unidos dentro das negociações sobre mudança do clima ofusca o debate objetivo.
A dúvida central é que, três meses depois de ser empossado, o presidente norte-americano Donald Trump ainda não se manifestou sobre o Acordo de Paris e diferentes fontes dentro de sua administração dão sinais dissonantes quanto às pretensões da Casa Branca dentro do novo regime internacional em clima.
Durante a campanha presidencial de 2016, Donald Trump chegou a prometer que, se fosse eleito, pressionaria os demais países a “renegociar” o Acordo, visto por ele como “injusto” para os Estados Unidos, ou “cancelaria” a negociação (saiba mais). Passada a eleição e confirmada a sua vitória, Trump deu poucas e superficiais declarações sobre o tema. Em conversa com editores do jornal The New York Times em novembro passado, logo após sua surpreendente vitória, o novo presidente reconheceu que existe “alguma conectividade” entre as atividades humanas e a mudança do clima, mas destacou que a preocupação dele era com o impacto que medidas de mitigação poderiam ter sobre a competitividade das empresas norte-americanas.
Dentro do novo governo, as manifestações dos auxiliares do presidente Trump são ambíguas. Em março passado, o secretário de energia Rick Perry defendeu que os Estados Unidos deveriam permanecer no Acordo de Paris, mas buscando renegociar seus termos. O secretário de Estado Rex Tillerson, principal autoridade diplomática do país, também se manifestou favoravelmente a uma continuidade do país no Acordo de Paris, nem que fosse para apenas garantir um assento nas negociações sobre clima. Esta posição é apoiada por familiares importantes do presidente, como sua filha Ivanka e seu genro Jared Kushner.
No entanto, fontes da imprensa norte-americana apontam a oposição estridente de figuras importantes da Casa Branca, como o estrategista-chefe de Trump, Steve Bannon, e o diretor da agência ambiental norte-americana (EPA, sigla em inglês), Scott Pruitt, à continuidade dos Estados Unidos no regime internacional de clima. Durante sua audiência de confirmação para o cargo, realizada em janeiro passado pelo Senado norte-americano, Pruitt afirmou que o Acordo de Paris era prejudicial à economia do país, com potencial de causar a perda de milhares de postos de trabalho.
A diferença de opiniões sobre a questão climática dentro da Casa Branca reflete um conflito entre interesses diversos na nova administração. Para os opositores à continuidade do país no Acordo de Paris, a denúncia do tratado deve ser feita como indicativo de repúdio a tudo aquilo deixado pelo ex-presidente Barack Obama em matéria de regulação ambiental. Para os defensores da continuidade, permanecer no Acordo evita que os Estados Unidos sofram pressão política desnecessária dentro e fora do país, além de manter um espaço para que o governo Trump consiga ter alguma influência sobre o processo de decisão do regime internacional em clima.
Os indícios mais recentes desse debate apontam para uma vitória da facção opositora do Acordo de Paris dentro da Casa Branca. Uma análise legal feita por advogados do governo apontou que a redução dos compromissos dos Estados Unidos dentro do Acordo, um ponto crucial para a permanência do país nas conversas, poderia abrir margem para que o governo sofra processos judiciais. A análise indica também que o texto do Acordo inviabiliza qualquer possibilidade de um país reduzir a ambição de seus compromissos sem que isso signifique algum tipo de violação – ainda que o Acordo não tenha caráter vinculante nem acarrete penalidades àqueles que o descumpram.
A divisão interna do governo Trump resultou em uma indefinição quanto ao papel dos Estados Unidos nas negociações que acontecem nesta semana em Bonn. A delegação norte-americana nesta rodada de negociação é bastante reduzida – apenas sete diplomatas. Para efeito de comparação, a China mandou 40 negociadores para a Alemanha. Ironicamente, a pequena delegação dos Estados Unidos em Bonn é liderada por Trigg Talley, diplomata sênior que teve participação importante no processo de construção do Acordo de Paris.
Em declaração ao portal Climate Home, um porta-voz do Departamento de Estado afirmou que a presença de negociadores norte-americanos em Bonn não deve ser considerada um indicativo de uma decisão final da Casa Branca de Trump sobre a continuidade do país no Acordo de Paris. “Nosso foco é garantir que as decisões tomadas neste encontro não sejam prejudiciais à política futura [dos Estados Unidos], não prejudiquem a competitividade das empresas norte-americanas ou afetem nosso objetivo maior de promover o crescimento econômico dos Estados Unidos”, afirmou o representante do Departamento de Estado.
Não há sinal de que essa incerteza se dissipe no curto prazo. Muitos países esperavam que o governo Trump batesse o martelo em definitivo sobre a situação dos Estados Unidos no Acordo de Paris antes da cúpula do G7, o grupo das sete maiores economias do planeta, que acontece na Itália no final de maio. Porém, o presidente e sua equipe vêm adiando conversas sobre a questão há algumas semanas. A reunião deveria ter acontecido hoje (09/5), mas foi adiada por conflito de agenda entre os participantes, sem a definição de uma nova data.
Enquanto isso, o governo chinês vem reforçando sua posição dentro das negociações sobre clima, aproveitando o vácuo deixado pelos Estados Unidos. Líderes europeus, como a chanceler alemã Angela Merkel e o recém-eleito presidente francês Emmanuel Macron, também estão reafirmando os compromissos do bloco continental e de seus países com os compromissos do Acordo de Paris, e deverão pressionar Donald Trump caso ele vá para a cúpula do G7 sem uma decisão tomada sobre o tema.