Summertime… and the livin’ is easy. Uma bandinha militar esboçava as notas iniciais da canção clássica de George Gershwin em pleno Rose Garden, jardim próximo ao poderoso Salão Oval da Casa Branca, enquanto esperava pela chegada do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
“É verão, e viver a vida é fácil”, os primeiros versos, contrastavam de maneira gritante com a peculiaridade do momento. Nas fileiras em frente ao pódio presidencial, alguns engravatados aguardavam debaixo do sol forte da primavera de Washington por aquilo que praticamente o mundo inteiro já sabia: os Estados Unidos estavam prestes a sair do Acordo de Paris, o principal (ainda que imperfeito) instrumento multilateral em prol da redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE) e de combate à mudança do clima.
“De maneira a cumprir com meu solene dever de proteger a América e seus cidadãos, os Estados Unidos irão deixar o Acordo de Paris”, disse Trump num tom incomum para o estilo dele – sinal de que o discurso foi cuidadosamente escrito e treinado pelo presidente junto com seus assessores.
“O Acordo de Paris é simplesmente o último exemplo de Washington entrando em um acordo que é desvantajoso aos Estados Unidos em benefício de outros países, deixando os trabalhadores americanos – que eu amo – e os contribuintes para absorver o custo em termos de empregos perdidos, menores salários, fábricas fechadas, e produção econômica bastante diminuída”, argumentou o presidente norte-americano.
America First, mas quem na América?
Em seu discurso de pouco mais de 15 minutos, Donald Trump acusou o Acordo de Paris de submeter Washington a condições restritivas pesadas demais para a economia norte-americana, ao mesmo tempo em que países emergentes com peso semelhante aos Estados Unidos em termos de emissões de GEE, como China e Índia, beneficiam-se de condições mais flexíveis.
“O cumprimento dos termos do Acordo de Paris e as onerosas restrições energéticas poderiam custar aos Estados Unidos mais de 2,7 milhões de empregos até 2025”, apontou Trump referindo-se a dados de um estudo da National Economic Research Associates (NERA) sobre os impactos da regulação sobre emissões de GEE no setor industrial dos Estados Unidos. Segundo Trump, novamente com base neste estudo, a implementação da contribuição nacionalmente determinada (NDC, sigla em inglês) dos EUA no Acordo de Paris poderia custar US$ 3 trilhões e 6,5 milhões de empregos (principalmente no setor fóssil) até 2040.
“Alguém que se preocupa profundamente com o meio ambiente – como eu – não pode apoiar de boa consciência um acordo que pune os Estados Unidos – o que é verdade – o líder mundial em proteção ambiental, ao mesmo tempo em que impõe obrigações insignificantes a outros grandes poluidores globais”.
A questão é que o estudo citado por Trump desconsidera os benefícios potenciais das emissões evitadas de GEE, como os ganhos econômicos decorrentes da tecnologia de energia renovável e a redução dos custos de saúde humana associados à poluição por combustíveis fósseis. Mesmo as estimativas de custo para implementação do Acordo de Paris apontadas pelo estudo são consideradas radicais demais.
A maior parte dos estudos independentes estima que o custo de ação contra a mudança do clima é muito menor do que o custo da inação. No começo deste ano, pesquisadores da University of California Berkeley indicaram que a mudança do clima sem qualquer medida de mitigação poderia reduzir o produto interno bruto (PIB) global em mais de 20% até 2100. Em 2015, um relatório da Cambridge University concluiu que o custo dos danos causados pela mudança do clima às comunidades humanas em um cenário de aquecimento moderado pode chegar a US$ 400 trilhões.
Ao enfocar basicamente os custos de implementação do Acordo de Paris para o setor privado, Donald Trump ignorou os benefícios mais amplos da ação contra a mudança do clima, que incluem ganhos indiretos econômicos e não econômicos, como a redução do risco associado a eventos climáticos extremos mais frequentes, como tempestades (como os furacões Katrina e Sandy, que atingiram respectivamente o Golfo do México e a Costa Leste dos EUA na última década) e estiagens (como a seca prolongada que colocou o estado da Califórnia, a maior economia dos Estados Unidos, em situação dramática nos últimos três anos), e a adaptação da infraestrutura produtiva e social para os impactos já irreversíveis da mudança do clima.
A ambiguidade de Trump: acordo mais ambicioso, compromissos mais tímidos
Outro argumento levantado por Trump contra o Acordo de Paris é a sua inefetividade prática. “Mesmo que o Acordo de Paris seja implementado integralmente, com cumprimento total de todos os países, estima-se que ele produziria uma redução de apenas 0,2 grau Celsius na temperatura global até 2100. Um montante mínimo, mínimo”, disse Trump. “Na verdade, 14 dias de emissões de carbono da China sozinha poderia compensar totalmente as reduções esperadas por parte dos Estados Unidos no ano de 2030, após gastarmos bilhões e bilhões de dólares, empregos perdidos, fábricas fechadas, e sofrermos com os altos custos de energia para nossos negócios e lares”.
Nesse ponto, o presidente dos Estados Unidos está correto (saiba mais). Os compromissos atualmente sob a égide do Acordo de Paris são insuficientes para tirar do papel a meta de conter o aumento da temperatura média do planeta Terra neste século em 1,5 grau Celsius com relação aos níveis pré-industriais. Isto vem sendo ressaltado por diversos estudos desde a assinatura do acordo, em dezembro de 2015, que reforçam a necessidade de elevar o grau de ambição dos países dentro do regime internacional para mudança do clima.
No entanto, ao mesmo tempo em que Trump aponta para uma hipocrisia dos compromissos de Paris, sua fala indica que o principal interesse dos Estados Unidos é reduzir a ambição de suas contribuições para o Acordo. Boa parte do drama dos últimos meses decorre exatamente da percepção de que, sob o texto atual, seria inviável para os Estados Unidos reduzirem seus compromissos, já que os ciclos de revisão previstos pelo Acordo estão orientados para aumentar a ambição das metas nacionais. A redução poderia gerar questões legais dentro do país, permitindo a grupos domésticos a possibilidade de processar judicialmente a Casa Branca.
Considerando essa situação, a saída do Acordo de Paris foi considerada a solução possível para extinguir os objetivos apresentados pelo governo de Barack Obama (2009-2017) há dois anos. Porém, Donald Trump ressaltou que está disposto a voltar à mesa de negociação.
“[O governo vai] iniciar negociações para re-entrar no Acordo de Paris ou uma transação inteiramente nova em termos que são justos para os Estados Unidos, seus negócios, seus trabalhadores, seu povo, seus contribuintes”, anunciou Trump. “Se conseguirmos, ótimo. Se não conseguirmos, tudo bem”.
America Alone
Ao sair do Acordo de Paris, Donald Trump faz uma aposta ambiciosa: para ele, a retirada de Washington do regime internacional de clima pode abrir caminho para que outros países com posição ambígua quanto à agenda climática, como Austrália e Reino Unido, façam o mesmo nos próximos meses. Assim, da mesma forma que o Protocolo de Quioto, o Acordo de Paris morreria no berço, o que forçaria os países europeus e a China a reabrir as negociações em torno de um novo instrumento ao gosto do presidente norte-americano.
As primeira reações indicam que o presidente norte-americano pode ter feito uma aposta arriscada demais. Em comunicado conjunto, os governos da Alemanha, França e Itália reforçaram seus compromissos dentro do Acordo de Paris e rejeitaram a possibilidade de renegociá-lo. “Eu digo firmemente nesta noite: nós não renegociaremos um acordo menos ambicioso”, afirmou o presidente francês Emmanuel Macron. “Não existe plano B porque não existe planeta B”.
“Hoje é um dia triste para a comunidade global, já que um parceiro-chave vira suas costas à luta contra a mudança do clima”, afirmou Miguel Arias Cañete, comissário da União Europeia (UE) para ação climática e energia. “O Acordo de Paris perdurará. O mundo pode continuar a contar com a Europa na liderança global na luta contra a mudança do clima. A Europa liderará através de políticas climáticas ambiciosas e do apoio continuado aos pobres e vulneráveis”.
O governo britânico expressou seu descontentamento com a decisão de Trump. Em telefonema para o presidente norte-americano, a primeira-ministra Theresa May defendeu os compromissos do Acordo de Paris e reafirmou o engajamento do Reino Unido ao tratado. O premiê canadense Justin Trudeau também manifestou seu desapontamento com a saída dos Estados Unidos do Acordo e reafirmou sua disposição em implementar o tratado e viabilizar seus objetivos, trabalhando inclusive com os estados e as cidades norte-americanas que se mantêm engajados na agenda internacional de clima.
Para o presidente de Fiji, Frank Bainimarama, que liderará a próxima Conferência do Clima em novembro de 2016 na cidade alemã de Bonn (COP 23), a decisão de Trump é especialmente desapontadora para os cidadãos das nações vulneráveis ao redor do mundo. “Ainda que a saída dos Estados Unidos seja infeliz, [a mudança do clima] é uma luta que está longe de acabar”, afirmou Bainimarama.
No Brasil, os Ministérios do Meio Ambiente e de Relações Exteriores publicaram uma nota conjunta criticando a saída norte-americana do Acordo de Paris. “Preocupa-nos o impacto negativo de tal decisão no diálogo e cooperação multilaterais para o enfrentamento de desafios globais”, assinalou o comunicado brasileiro.