Estudo analisa papel do setor privado na adaptação à mudança do clima no Brasil e faz um raio-X das opções de financiamento nacional e internacional disponíveis para projetos no País
Nos últimos cinco anos, poucas agendas avançaram dentro do debate sobre mudança do clima como a da adaptação. A constatação de que o aumento da temperatura média global nas últimas décadas já desencadeou efeitos irreversíveis sobre os padrões climáticos do planeta evidenciou a necessidade de cidadãos, governos e empresas em todo o mundo de planejarem medidas para preparar a sociedade para suportar os impactos inevitáveis da mudança do clima.
Para viabilizar a adaptação, particularmente nos países mais pobres e vulneráveis à mudança do clima, um ponto-chave é o financiamento. O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) estima que o custo total para adaptação varie entre US$ 140 bilhões a US$ 300 bilhões anuais até 2030 e US$ 280 bilhões a meio trilhão de dólares até 2050. No entanto, os montantes efetivamente despendidos em adaptação hoje está muito aquém desses números: segundo a Climate Policy Initiative, entre 2012 e 2014, os investimentos globais em adaptação chegaram a apenas US$ 25 bilhões.
Para viabilizar qualquer esforço de adaptação, particularmente em países vulneráveis à mudança do clima, um desafio crucial é capitalizar os fundos de financiamento nacionais e internacionais. No contexto brasileiro, isto é ainda mais delicado, pois apenas uma pequena parte dos recursos internacionais está disponível para projetos de adaptação no País.
Opções nacionais e internacionais de financiamento para adaptação
O estudo “Financiamento para Adaptação no Brasil: Fundos nacionais e internacionais”, publicado no final de setembro passado pelo WWF-Brasil e Instituto Ethos, faz um panorama sobre as opções de financiamento para adaptação à mudança do clima no Brasil e destaca a importância do setor privado na consolidação desta agenda na economia nacional.
De acordo com André Nahur, coordenador do programa de Mudanças Climáticas e Energia do WWF-Brasil, a iniciativa privada é um ator fundamental para a implementação dos compromissos do Acordo de Paris, mas ainda há pouco conhecimento sobre oportunidades e financiamento para adaptação.
“Os efeitos da mudança do clima, tais como secas, inundações e outros, causam bilhões de reais de perdas para o país. Mapear os diferentes fundos existentes disponíveis foi o primeiro passo. Agora, precisamos de bons projetos para adaptação, que nos permitam aumentar a resiliência à mudança do clima e, assim, garantir a efetividade do setor”, aponta Nahur.
Para tanto, o estudo fez um levantamento de fundos nacionais e internacionais voltados para adaptação. Na análise sobre financiamento internacional, o relatório apontou que, entre 2013 e 2016, a maior parte dos recursos internacionais para adaptação foi destinada para a África subsaariana (36%), seguida pelo Leste Asiático e Pacífico (16%). A América Latina recebeu apenas 12% do total, à frente somente de Europa e Ásia Central, com 6%. No total, apenas 28 dos 545 fundos climáticos identificados apoiam projetos de adaptação à mudança do clima no Brasil.
“O Brasil não é uma prioridade na alocação de recursos internacionais para adaptação, mas isso não significa que não temos riscos ou vulnerabilidades que precisam ser abordadas no país”, explica Katerina Elias-Trostmann, analista de pesquisa sênior do World Resources Institute (WRI) no Brasil, que encomendou o estudo. Para ela, uma maneira para o país acessar esses recursos pode ser através de novos arranjos institucionais, como parcerias entre empresas e ONGs, e de projetos mais amplos que tratem de outras questões além da adaptação.
No plano nacional, há somente dois fundos que investem explicitamente em adaptação, mas o estudo identificou que outros 17 fundos voltados para setores abordados pela Política Nacional de Adaptação (PNA) podem ser considerados relevantes para o financiamento da adaptação no Brasil.
“O foco do investimento em adaptação é crucial para apoiar os países na elaboração de estratégias de adaptação e resiliência aos impactos da mudança do clima. Contudo, inevitáveis diferenças entre os custos estimados para nos adaptarmos e o quanto de recurso já existe é muito grande”, comenta Flavia Resende, coordenadora de práticas empresariais e políticas públicas do Instituto Ethos. “O Pnuma indica que, para cumprir com as reais necessidades, precisamos aumentar em até 13 vezes o financiamento para adaptação. Preparar os territórios para estes fenômenos é primordial, é assumir que a mudança do clima já acontece e que temos que nos adaptar”.
Adaptação climática dentro do planejamento das empresas brasileiras
Além do levantamento sobre financiamento, o estudo também reuniu um conjunto de 35 empresas brasileiras associadas ao Instituto Ethos para mapear a adoção de iniciativas corporativas em prol da adaptação climática. Os resultados diagnosticados são preocupantes: somente 38% das organizações têm elaborado avaliações periódicas de vulnerabilidade climática em seus negócios e, apesar de 50% ter integrado os riscos oriundos da mudança do clima a sua cadeia de valor, somente 19% das empresas incluíram os custos de eventos climáticos extremos em seu planejamento financeiro.
Entre os entraves para a incorporação da adaptação dentro do planejamento corporativo, destacam-se o custo do investimento, a falta de políticas públicas e incentivos governamentais e a escassez de informações sobre métodos, ferramentas e dados sobre clima.
No que tange ao financiamento de ações para adaptação pelas empresas, dos 28 fundos internacionais identificados, cinco explicitam o foco em adaptação e 19 deles visam especificamente a iniciativa privada, oferecendo recursos em forma de doações ou empréstimos condicionais. Dos fundos nacionais, a grande maioria (95%) se destina ao setor privado e apenas dois fundos dão suporte, de maneira evidente, a projetos de adaptação.
Por um lado, o relatório aponta para a incipiência do financiamento para adaptação no Brasil, que ainda carece de fontes de recursos públicos e privados. Por outro, ele também indica que os recursos disponíveis hoje para projetos de adaptação não estão sendo aproveitados plenamente e que um caminho para ampliar as fontes de financiamento é aproveitar as possíveis sinergias entre fundos que tratam de setores do PNA. “Os fundos levantados, de certa forma, atendem a essa demanda e são chances para que o empresariado intensifique seus esforços para se adaptar à mudança do clima”, argumentam os autores.
Por fim, o estudo ressalta a importância de empresas incorporarem projeções sobre efeitos da mudança do clima em seu planejamento de operação e negócios e que adaptação pode representar novas oportunidades, como, por exemplo, a criação de produtos inovadores que respondam a esses desafios. Dessa forma, na melhor relação ganha-ganha, é possível se antecipar aos problemas, proteger o seu negócio e o meio ambiente, gerando benefícios para todos.