Para tirar o Acordo de Paris do papel e responder às ameaças do governo Trump nos Estados Unidos, negociadores na Conferência do Clima de Bonn (COP 23) apostam em novos canais de diálogo com setores estratégicos, como sociedade civil, empresas e cientistas
De Bonn, Alemanha – Considerando o longo caminho que as Conferências do Clima trilharam nas últimas duas décadas, podemos destacar dois tipos básicos de encontro: as transformadoras, geralmente carregadas com grande expectativa de um resultado importante no esforço multilateral contra a mudança do clima, e as intermediárias, que são reuniões com foco mais pragmático, voltadas para questões burocráticas ou para definições preliminares que fundamentarão uma futura conferência transformadora.
A Conferência do Clima de Bonn (COP 23), que começa nesta segunda (06/11), tinha tudo para ser um encontro do segundo tipo, mais técnica, sem grandes expectativas nem movimentos. No cronograma definido em 2015 para tirar o Acordo de Paris do papel, a COP 23 se debruçaria basicamente no avanço de um guia básico a ser finalizado pelos negociadores no próximo ano, com o objetivo de estruturar o início do processo de implementação dos compromissos de redução de emissões de 196 países a partir de 2020.
No entanto, entre a definição da agenda e a Conferência de Bonn, a eleição de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos mudou completamente o panorama. A COP 23 será a primeira a ser realizada após o anúncio da pretensão de Washington de abandonar o Acordo de Paris, processo que deverá levar até 2020 para acontecer efetivamente. O encontro também será a primeira oportunidade que o novo governo norte-americano terá para apresentar ao mundo suas interpretações polêmicas sobre o problema da mudança do clima.
Assim, ao mesmo tempo em que os negociadores deverão avançar em questões técnicas, voltadas à implementação do Acordo em si, eles também precisarão estar atentos às sinalizações do governo Trump em Bonn – e como isso poderá impactar a viabilidade das metas do tratado.
Talanoa: a aposta no diálogo para superar os desafios da COP 23
Os problemas práticos e potenciais na agenda da COP 23 estão no radar da presidência da Conferência, exercida a partir deste mês pelo governo da pequena nação insular de Fiji, uma das mais ameaçadas pelos efeitos da mudança do clima, particularmente a intensificação de eventos extremos e a elevação do nível do mar. Desde meados de maio, a liderança do país vem buscando consolidar uma nova proposta de diálogo que consiga superar desafios frequentes do processo de negociação em clima, como confiança e transparência.
Inspirado na Talanoa – uma tradição nativa de compartilhamento de histórias, ideias e capacidades – o governo de Fiji aposta na construção de um novo modelo de diálogo entre as diferentes delegações nacionais e entre os diferentes atores políticos, econômicos e sociais presentes na Conferência do Clima. Assim, a proposta de Fiji é criar um processo mais orgânico de interação e decisão entre as Partes, além de facilitar o diálogo entre governos e observadores não governamentais, como ONGs e a iniciativa privada.
“Este é um processo de diálogo inclusivo, participatório e transparente que constrói empatia e orienta o processo decisório rumo ao bem coletivo”, explicou J. V. Bainimarama, primeiro-ministro de Fiji e presidente da COP 23 durante encontro preliminar realizado em maio. “Não é apontar o dedo e culpar alguém, mas ouvir a cada um, aprender de cada um. Enfocando nos benefícios da ação, este processo permitirá a agenda climática global avançar”.
A proposta da Talanoa será desafiada intensamente em Bonn nas próximas semanas. Além da incerteza sobre a atuação dos Estados Unidos de Trump nas negociações, governos como os da China e Índia estão expressando descontentamento crescente com a indisposição dos países desenvolvidos em ampliar o grau de ambição de suas metas nacionais de redução de emissões antes de 2020.
Para esse grupo de países, a proposta de diálogo na COP 23 não pode mascarar uma pressão para forçar as nações em desenvolvimento a assumir mais compromisso sem contrapartida dos países industrializados – especialmente na questão do financiamento para a ação climática.
Outro ponto de divergência está em um item central da agenda de Bonn: o guia de implementação para o Acordo de Paris, documento vital para começar a tirar do papel seus instrumentos e compromissos. A China defende uma abordagem mais flexível, que considere principalmente o nível de desenvolvimento de cada país. Já para a União Europeia, as regras definidas neste guia precisam ser o mais universais possíveis.
A incógnita norte-americana em Bonn
No meio disso tudo, a COP 23 também vive a expectativa da primeira participação do governo de Donald Trump em um encontro de alto nível sobre mudança do clima. A despeito do anúncio pomposo de junho passado, quando afirmou que os Estados Unidos buscariam se retirar do Acordo de Paris, a Casa Branca não se manifestou de maneira clara sobre como o novo governo está encarando a agenda climática internacional.
A delegação norte-americana será chefiada pelo diplomata Thomas A. Shannon Jr., ex-embaixador do país no Brasil entre 2010 e 2013, sob o governo do antecessor de Trump, Barack Obama. A indicação de Shannon, um veterano do Departamento de Estado, para o posto na COP 23 pode indicar que os conflitos internos que antecederam o anúncio de junho, entre setores favoráveis à permanência dos EUA no Acordo de Paris e setores mais reticentes, persistem mesmo após a declaração de Trump.
Nos Estados Unidos, a imprensa especulou que Scott Pruitt, diretor da Agência de Proteção Ambiental (EPA, sigla em inglês) – famoso negacionista da mudança do clima como efeito da atividade humana -, chegou a pleitear a chefia da delegação do país na COP 23. Mesmo sem conseguir o principal posto, Pruitt ainda pode vir a participar do grupo norte-americano em Bonn, o que reservaria espaço para potenciais declarações bombásticas sobre o tema.
As contradições do governo Trump na agenda climática foram reforçadas na semana passada, quando um relatório científico desenvolvido por agências federais dos EUA afirmou que a causa dominante para o aumento da temperatura da Terra no último século é a ação humana. A divulgação do relatório, que contesta a visão predominante do gabinete de Trump, foi aprovada pela Casa Branca.
Em meio às incertezas, o único efeito prático da pretensão de Trump de abandonar o Acordo de Paris até o momento é a decisão do Departamento de Estado de não financiar o pavilhão dos Estados Unidos na COP 23, um espaço que era utilizado durante o governo Obama para discutir questões sobre clima sob a perspectiva do país. Porém, o pavilhão não será descontinuado: um grupo de empresas e de entes subnacionais norte-americanos assumiu a gestão do espaço, em um esforço para mostrar para o mundo que, a despeito da retórica do atual governo, os Estados Unidos continuam engajados na luta contra a mudança do clima.