Com o anúncio recente das entradas de Nicarágua e Síria no Acordo de Paris, apenas os Estados Unidos permanecem reticentes à implementação de seus instrumentos e compromissos para reduzir as emissões de gases de efeito estufa a partir de 2020
De Bonn, Alemanha – Quase um ano exato após se eleger presidente dos Estados Unidos, na disputa eleitoral mais surpreendente da história política do país, Donald Trump se encontra completamente isolado na arena internacional no que diz respeito à agenda da mudança do clima. Nesta terça (07/11), representantes do governo de Bashar al-Assad na Síria anunciaram que o país assinará o Acordo de Paris durante a Conferência do Clima de Bonn (COP 23).
Com a assinatura da Síria, nenhum país internacionalmente reconhecido do planeta estará fora da relação de signatários do tratado – pelo menos, até novembro de 2020, quando a saída dos Estados Unidos deverá ser efetivada, salvo alguma mudança de opinião do presidente (ou mesmo uma mudança de presidente) até lá.
Desde setembro passado, a Síria era a única nação do mundo que não constava na relação de signatários do Acordo de Paris. A bem da verdade, nos últimos anos, a participação síria nas Conferências do Clima estava bastante limitada por conta da sangrenta guerra civil que aflige o país desde o começo de 2012, que já causou a morte de mais de 300 mil pessoas. Isso sem falar na instabilidade política que espalhou na região, representada principalmente pela emergência do chamado Estado Islâmico, responsável direto e/ou indireto por ataques terroristas recentes na Europa e nos Estados Unidos.
No último ano, as tropas do governo al-Assad, baseado na capital Damasco, ganhou terreno em zonas importantes do país, como Aleppo, e vem conseguindo impor derrotas sucessivas às forças armadas da oposição civil e do Estado Islâmico, graças em grande parte ao apoio político e estratégico da Rússia. Com as circunstâncias domésticas mais favoráveis, al-Assad tenta retornar ao cenário internacional, agora com a assinatura do Acordo de Paris.
Outra nação que se mantinha distante da relação de signatários do Acordo era a Nicarágua. Nesse caso, os motivos eram mais políticos: para o governo do país, o texto final do tratado trazia compromissos insuficientes para enfrentar efetivamente o desafio da mudança do clima. No entanto, em setembro passado, representantes do presidente Daniel Ortega anunciaram que a Nicarágua assinaria o Acordo de Paris durante a COP 23 para se contrapor à posição reticente dos Estados Unidos.
Aposta furada?
Com as assinaturas de Síria e Nicarágua, os Estados Unidos se isolam no tabuleiro político internacional da mudança do clima. Anunciada em junho passado com pompa e circunstância, a saída de Washington do Acordo de Paris foi um baque tremendo para negociadores e especialistas. Para muitos, a não-participação do governo norte-americano no Acordo de Paris poderia gerar obstáculos a sua implementação, de modo similar ao que aconteceu quando o então presidente George W. Bush (2001-2009) rejeitou o Protocolo de Kyoto.
Na época, especulava-se que a Casa Branca apostava que a saída dos Estados Unidos abriria caminho para que outros países com posições ambíguas quanto à agenda climática, como Austrália e Reino Unido, fizessem o mesmo nos meses subsequentes. Isso forçaria os países europeus e a China a reabrir as negociações em torno de um novo acordo ao gosto do presidente norte-americano.
Entretanto, se a aposta era essa, o resultado não poderia ser mais diferente. Desde então, todos os principais atores políticos na construção do Acordo de Paris reforçaram o compromisso com sua implementação nos próximos anos, de maneira a viabilizar suas metas de redução de emissões a partir de 2020.
Nos discursos inaugurais da COP 23, uma das poucas unanimidades na fala dos negociadores era uma crítica à falta de compromisso dos Estados Unidos e ao “negacionismo climático” que muitas lideranças do governo Trump (entre elas, o próprio presidente) manifestam publicamente.
Em boa parte dos discursos, a crítica é nítida, ainda que o destinatário dela permaneça incógnito. Seja por polidez política ou por cálculo para minimizar a relevância do novo governo norte-americano, o nome de Donald Trump foi dito pouquíssimas vezes na Conferência até o momento. Na fala mais ácida, durante a recepção oficial da COP 23, a ministra alemã do Meio Ambiente, Barbara Hendricks, disse que o encontro de Bonn é um exemplo de união dos países na luta contra a mudança do clima, ignorando as críticas de “certa pessoa”.
Na Zona Bonn, que reúne os pavilhões nacionais e os eventos paralelos da COP 23, o espaço do governo francês destaca a frase “Make the Planet Great Again” (faça o planeta grande novamente), ironizando um dos principais slogans de campanha de Donald Trump no ano passado e reforçando o envolvimento do governo de Emmanuel Macron na implementação dos compromissos do Acordo de Paris (foto ao lado).
Governo Trump fora; Estados, cidades e empresas, dentro
Se a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris ainda está longe de ser efetiva, a presença do país na COP 23 está bastante reduzida quando comparada com as Conferências realizadas durante o governo de Barack Obama (2009-2017).
Neste ano, o Departamento de Estado retirou o financiamento do pavilhão norte-americano na Zona Bonn, deixando o país sem espaço público oficial na COP 23. Nas conferências anteriores, ele era o principal ponto de discussão sobre mudança do clima no contexto dos Estados Unidos, com a participação de especialistas, líderes políticos e negociadores. Órgãos especializados do governo norte-americano, como a Agência Espacial (Nasa) e a Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA), também aproveitavam o espaço para divulgar informações científicas sobre clima.
A ausência do pavilhão dos Estados Unidos na COP 23 será parcialmente suprida por iniciativa de governos subnacionais, empresas e organizações sociais norte-americanas, que rejeitam o ceticismo e a falta de compromisso do governo Trump com relação à agenda climática internacional.
O movimento “We Are Still In”, capitaneado pelo ex-prefeito de Nova York e empresário Michael Bloomberg, manterá um pavilhão especial do país em Bonn, fora do espaço oficial, mas nas cercanias da Zona Bula, área onde as sessões de negociação são realizadas. Nesse espaço, lideranças políticas, sociais e empresariais reforçarão o compromisso dos Estados Unidos com a implementação do Acordo de Paris, à despeito da falta de liderança do governo Trump.