Nova rodada de negociações internacionais em torno do Acordo de Paris inaugura o “Diálogo Talanoa”, proposta de discussão política que visa aumentar o grau de ambição dos compromissos nacionais de redução de emissões; agenda de trabalho será intensa até a Conferência de Katowice (COP 24), em dezembro
Faltando pouco mais de dois anos para entrar totalmente em vigor, o Acordo de Paris ainda não possui um “mapa do caminho” para concretizar os diversos objetivos assumidos pelos países para enfrentar a mudança do clima ao longo deste século. As incertezas quanto à sua implementação se somam a uma questão crucial para o sucesso do Acordo: os compromissos nacionais de redução de emissões de carbono inscritos atualmente no texto estão longe de garantir a viabilidade de sua principal meta – conter o aumento da temperatura média global entre 1,5 e 2 graus Celsius com relação aos níveis pré-Revolução Industrial até 2100.
Negociadores de todo o mundo deverão enfrentar essas questões a partir da próxima segunda-feira (30/4), quando a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, sigla em inglês) iniciará mais uma rodada de conversas preparatórias em Bonn, Alemanha. Este encontro visa preparar o terreno político para a construção de entendimentos efetivos sobre esses problemas durante a Conferência do Clima de Katowice (COP 24), que acontecerá na Polônia em dezembro.
Diálogo Talanoa e o desafio da ambição
O encontro intersessional de Bonn inaugurará o Diálogo Talanoa, uma proposta de negociação desenhada pelo governo de Fiji (que liderará a reunião de Bonn por ter presidido a última Conferência do Clima, a COP 23, realizada em novembro passado na mesma cidade) para viabilizar a elevação do grau de ambição dos compromissos nacionais de redução de emissões antes do Acordo de Paris entrar em vigor, em 2020.
Inspirado em costumes tradicionais de compartilhamento de histórias, ideias e capacidades entre as pessoas, o Talanoa propõe um diálogo participativo, com a presença de representantes dos diversos governos, cidadãos, empresas, de maneira transparente.
O Diálogo Talanoa é organizado em torno de três questões: 1) onde estamos; 2) onde queremos ir; e 3) como chegamos até lá. Governos e sociedade civil foram convidados a submeter inputs sobre o processo, que foram compilados pelo secretariado da UNFCCC em documentos que serão trabalhados durante a sessão de Bonn. A esperança de muitos observadores é que o desenho diferente desse Diálogo logre o sucesso que iniciativas similares no passado não tiveram.
“Diálogos anteriores dessa natureza, como o diálogo facilitativo sobre ação pré-2020, viram as Partes ignorarem em grande parte as contribuições dos especialistas da sociedade civil e falharem em revisar seus compromissos”, aponta a Climate Action Network (CAN), rede internacional de ONGs que acompanha as negociações sobre clima. “No entanto, existe uma determinação entre países em desenvolvimento e a sociedade civil global de usar o Diálogo Talanoa para termos uma conversa significativa em torno do que se constitui esforços justos e adequados, e para traduzir isso em um aumento concreto de ambição”.
A questão da ambição dos compromissos é central para que o Acordo de Paris possa ter algum efeito prático para conter mudanças mais radicais no clima global. A janela de oportunidade para manter o aquecimento em 1,5 grau Celsius, um ponto caro para pequenos países insulares – que são ameaçados não apenas pela elevação do nível do mar, mas também pela intensificação de tempestades tropicais e a salinização de fontes naturais de água doce potável -, diminui a cada ano e pode se tornar inviável antes mesmo do Acordo de Paris entrar em vigor.
“Será preciso um esforço sem precedentes de governos, atores não governamentais e cidadãos para manter a elevação da temperatura global abaixo de 1,5 grau Celsius, aponta Manuel Pulgar-Vidal, líder do programa de clima e energia do WWF International e ex-negociador-chefe do Peru durante a Conferência do Clima de Lima (COP 20), em 2014. “É por isso que 2018 precisa ser o ano para intensificarmos nossa ação climática. Não podemos mais nos dar ao luxo de continuar fazendo as coisas no ritmo e escala que estamos fazendo. Agora precisamos de táticas incomuns de negócio para aumentar drasticamente nossos esforços para reduzir as emissões”.
O Diálogo Talanoa transcorrerá ao longo dos próximos meses e será concluído na COP 24 com um relatório final da Presidência da Conferência, quando espera-se que os representantes presentes no segmento de alto nível deverão sinalizar o reforço de seus compromissos nacionais até 2020.
“Livro de Regras” para o Acordo de Paris
Outro ponto importante na agenda dos negociadores em Bonn a partir de segunda é a estruturação de um conjunto comum de diretrizes de implementação para o Acordo de Paris – o chamado “livro de regras”. No ano passado, na COP 23, os países conseguiram chegar a um entendimento sobre uma estrutura básica para esse documento, a ser desenhada com mais detalhamento ao longo de 2018 para ser confirmada durante a Conferência de Katowice, em dezembro.
Um dos propósitos do encontro intersessional em Bonn é esboçar uma proposta mais substancial para esse “livro de regras”, versando sobre questões como comparabilidade, transparência e prestação de contas, além de monitoramento, relato e verificação das metas nacionais de redução de emissões dentro do Acordo.
As discussões sobre esse ponto acontecerão no âmbito do grupo de trabalho sobre o Acordo de Paris (APA). Para os co-presidentes desse grupo, as discussões estão “no caminho” para viabilizar o cumprimento do mandato para a definição dessas diretrizes, mas a complexidade dos tópicos exige que o ritmo das negociações seja acelerado a partir do encontro de Bonn. A ideia dos negociadores-chefes é que as conversas das próximas semanas sedimentem uma base textual para ser trabalhada ao longo das próximas rodadas de negociação, para ser finalizada na COP 24.
Polônia, uma liderança inconveniente
O encontro de Bonn marcará também a estreia do governo da Polônia na condução dos trabalhos de negociação, em parceria com a liderança de Fiji. Anfitrião de mais uma Conferência do Clima, o país do Leste Europeu tem gerado preocupação internacional nos últimos meses por conta de ações políticas e legais que vem sendo tomadas por seu governo contra a sociedade civil em diversos temas, especialmente meio ambiente.
No final de janeiro, o presidente polonês Andrzej Duda sancionou uma lei que determina uma série de medidas para “garantir a segurança e a ordem pública” durante a COP 24. Dentre as ações, a legislação inclui a proibição de reuniões públicas em Katowice durante a realização da Conferência. A lei também determina que apenas manifestações previamente registradas e autorizadas pela administração local poderão ser realizadas na cidade. Para tanto, as autoridades terão o poder de coletar, obter, processar e usar informação, incluindo dados pessoais sobre as pessoas registradas como participantes na COP 24, ainda que sem seu conhecimento e consentimento efetivo.
Para organizações da sociedade civil, a lei viola direitos humanos e liberdades fundamentais garantidas por compromissos regionais e internacionais e se insere em um cenário de confronto acentuado entre autoridades governamentais e organizações ambientalistas nos últimos anos na Polônia.
A incógnita da COP 25
Uma incerteza persiste quanto à sede da 25ª Conferência das Partes (COP 25) da UNFCCC, que acontecerá no final de 2019. Em tese, seguindo a tradicional rotatividade continental, o encontro do próximo ano deveria acontecer na região da América Latina e no Caribe, que recebeu sua última COP em 2014, na cidade de Lima, Peru (COP 20).
Durante a COP 23, em novembro passado, o governo brasileiro apresentou sua candidatura para hospedar a Conferência do Clima pela primeira vez na história. No entanto, problemas internos no grupo representativo dos países da região (GRULAC) inviabilizaram uma decisão ainda durante a Conferência passada. A expectativa era de que as conversas regionais avançassem nos primeiros meses de 2018 para que houvesse alguma sinalização quanto ao país-sede da COP 25 já durante o encontro intersessional de Bonn.
O principal obstáculo para a candidatura brasileira é a Venezuela, país com o qual o Brasil vem tendo diversos problemas diplomáticos desde 2016, na esteira da mudança do governo de Dilma Rousseff para o de Michel Temer. Nos últimos dois anos, o isolamento diplomático de Caracas aumentou consideravelmente, resultando em sua suspensão no Mercosul.
Como a decisão do GRULAC precisa ser consensual, o governo venezuelano vem bloqueando as tratativas sobre a candidatura brasileira dentro do grupo. Na última semana, Caracas confirmou formalmente que não irá apoiar a opção do Brasil para a COP 25, o que (em tese) viabiliza uma decisão favorável ao País.
Considerando a fragmentação política vivida dentro do GRULAC, o antagonismo venezuelano com diversos países da região e a falta de candidaturas alternativas à brasileira, um caminho possível para resolver esse problema será a UNFCCC “pular” a América Latina e o Caribe no calendário de conferências, encaminhando a realização da COP 25 para um país da Europa Ocidental. No entanto, isso provavelmente será definido apenas durante a Conferência de Katowice, no final de 2018.