O Diálogo Talanoa pode ser um trampolim para uma ação climática mais forte ou apenas mais um espaço para falatório. Confira aqui as discussões mais relevantes para acompanhar.
Três anos após a adoção do Acordo de Paris, ele enfrenta um grande teste: o primeiro balanço de ações coletivas.
Apelidado de Diálogo Talanoa e baseando-se nas tradições de narrativa das ilhas do Pacífico, ele pode ser – como esperam os organizadores de Fiji – um trampolim para aumentar a ambição. Ou pode ser apenas mais um espaço para falatório.
Nas próximas duas semanas em Bonn (saiba mais), negociadores nacionais encontrarão vários acadêmicos, ativistas e lobistas em sessões paralelas para trocas ideias. Todos eles foram convidados a responder a três perguntas – sendo que a terceira é a mais difícil e importante delas. Onde estamos? Onde queremos ir? Como chegamos lá?
Mais de 400 submissões foram feitas até agora, o que dá um sabor das discussões que estão por vir. Na Conferência do Clima de Katowice, a COP 24, em dezembro, elas chegarão ao nível político.
Confira aqui 11 dos temas-chave desse debate.
I. 1,5 vs 2 graus Celsius
Dado que as tendências de emissões nos colocam no curso entre 3 e 4 graus Celsius de aquecimento, pode ser científico notar que ainda existe alguma ambiguidade em torno da meta de temperatura do Acordo de Paris.
Pequenas nações insulares defendem o limite mais difícil de 1,5 grau Celsius – essencial, dizem eles, para sua sobrevivência. Enquanto isso, a China menciona apenas a meta de 2 graus Celsius, observando que as prioridades de desenvolvimento, como acesso à energia, a segurança alimentar e a erradicação da pobreza, “não poderiam ser superadas” pelas metas climáticas.
A União Europeia caminha em uma linha entre essas metas, recitando textualmente o compromisso de Paris de manter a elevação da temperatura “bem abaixo de 2 graus Celsius” e “prosseguir os esforços” para 1,5 grau Celsius. Em um aceno aos aliados mais vulneráveis, o bloco refere-se repetidamente ao próximo relatório especial do Painel Intergovernamental das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (IPCC) sobre a meta de 1,5 grau Celsius.
II. O jogo da culpa
Embora Fiji tenha enfatizado que o processo de debate é “não confrontacional”, com ênfase em soluções, não há como fugir das discussão política sobre o compartilhamento de responsabilidades.
É particularmente evidente na submissão da Arábia Saudita, em nome do Grupo de Países Árabes, que acrescenta uma pergunta própria: por que estamos aqui? A resposta deles, é claro, são as emissões históricas das economias industrializadas, sem mencionar os países exportadores de petróleo que lucram com o uso de sua energia. Apesar de ser classificada como um país de alta renda pelo Banco Mundial, a Arábia Saudita remonta à sua classificação de 1990 como um país em desenvolvimento.
O Acordo de Paris turvou a divisão entre ricos e pobres, mas não a apagou. A China também enfatiza o princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas – citando uma pesquisa da ONG Oxfam, sediada no Reino Unido, para argumentar que os países desenvolvidos precisam oferecer mais financiamento para ação climática.
III. Dinheiro, dinheiro, dinheiro
Suporte financeiro é um tema-chave para o Grupo da África, em particular para adaptação aos impactos da mudança do clima e para reparar os danos.
Isso deve incluir um “aumento significativo” de recursos de fontes públicas e “não simplesmente transferir o financiamento para o setor privado”, os países africanos apontam – junto com mais acesso a tecnologias limpas e conhecimento especializado.
“Precisamos que os países desenvolvidos parem de simplesmente fazer promessas, mas que as cumpram”, disse o grupo em sua submissão.
IV. Ação antecipada
O Acordo de Paris é um plano de longo prazo, mas muitas das datas limites de compromissos assumidos por países desenvolvidos em negociações anteriores estão se aproximando.
As economias emergentes e as nações mais pobres estão unidas em manter a pressão sobre as nações mais ricas com relação à ação pré-2020. Isso se aplica a uma promessa coletiva de US$ 100 bilhões anuais para financiamento climático [assumida pelos governos dos países desenvolvidos durante a Conferência do Clima de Copenhague, a COP 15, em 2009], bem como as metas nacionais de redução de emissões.
O ministro do meio ambiente das Maldivas, Thoriq Ibrahim, escreve para o Climate Home News que “seria uma tragédia profunda se chegarmos a 2020 apenas para descobrir que esperamos muito tempo para fazer o que era necessário”.
V. Agressão passiva
O governo dos Estados Unidos não fez uma submissão. Talvez tenha sido esquecimento? Uma aliança de países caribenhos proveitosamente publicou a mais recente avaliação do esforço climático norte-americano em seu nome.
Isso mostra que qualquer que seja a posição da Casa Branca, os cientistas do governo norte-americano apoiam firmemente o consenso internacional de que a mudança do clima é real e causada pelas emissões de gases de efeito estufa.
Apesar da ameaça do presidente Donald Trump de se retirar do Acordo de Paris, os EUA ainda estão tecnicamente dentro do regime e são responsáveis por suas promessas.
VI. Foco nos fósseis
Uma das submissões mais direcionadas apresentadas pelos países foi a da Suíça, Costa Rica, Finlândia, Nova Zelândia e Suécia, defendendo a eliminação dos subsídios aos combustíveis fósseis. Uma vitória fácil na teoria, mas mudanças vêm sendo contidas na prática por causa de interesses especiais.
Mais contenciosas, mas reunindo forças, são políticas para limitar a produção de combustíveis fósseis. O Stockholm Environment Institute (SEI) aponta como o bloqueio à exploração de petróleo, novas minas de carvão e oleodutos de combustível podem complementar os esforços para conter a demanda.
Outrora um argumento limitado aos ativistas do “keep-it-in-the-ground”, essa abordagem está ganhando força e deve se tornar parte rotineira dos planos climáticos nacionais, sugere o SEI.
VII. “Coma o seu verde”
Como podemos alimentar uma população crescente em um planeta em aquecimento, enquanto cortamos as emissões de gases de efeito estufa do setor de alimentos? Não há solução tecnológica fácil, o que nos força a olhar para escolhas de estilo de vida.
As dietas ricas em carne dos países industrializados têm uma grande pegada de carbono. Um quilo de carne bovina gera de 16 a 30 vezes o dióxido de carbono de um quilo de tofu.
A ONG ProVeg International pede políticas que encorajam uma mudança rumo a dietas baseadas no consumo de grãos, leguminosas e vegetais. Se o mundo fosse vegano, eles afirmam que poderiam reduzir as emissões de alimentos em 70% até 2050.
VIII. Tenha fé
A Fundação Budista Tzu Chi chega a uma conclusão semelhante sobre a alimentação vegetariana, baseada na fé e não nas estatísticas dos relatórios das Nações Unidas.
“A ganância insaciável da humanidade está danificando seriamente a nossa preciosa Mãe Terra”, diz. “O bem-estar do mundo deve ser responsabilidade de todos (…). Podemos começar disciplinando a nós mesmos, controlando nossos desejos desnecessários e encorajando todos a proteger a Terra ao máximo que pudermos de danos futuros”.
Os quakers adicionam educação de meninas e planejamento familiar à mistura, uma referência oblíqua ao crescimento populacional que pressiona os esforços para garantir um clima mais seguro.
IX. Precificar o carbono
Outros adotam uma atitude mais pragmática: você pode poluir contanto que pague por isso.
A International Emissions Trading Association (IETA) destaca a provisão sobre comércio transfronteiriço de emissões no Acordo de Paris, dizendo que isso pode permitir que os países cumpram suas obrigações de maneira mais “custo-efetiva” e aumentem a ambição no longo prazo.
Hoje, porém, “poluir é muito barato”, diz a Carbon Market Watch, pedindo uma discussão mais abrangente sobre como precificar o carbono.
X. Abrace a tecnologia limpa
Várias submissões analisam como acelerar o desenvolvimento e a adoção de tecnologias de baixo carbono.
A International Renewable Energy Agency estima que US$ 1,7 trilhão em investimentos sejam necessários entre 2015 e 2030 para atender às metas de energia renovável dos países.
O Global Carbon Capture and Storage Institute defende políticas de apoio ao bombeamento subterrâneo de emissões.
XI. Cuidado com os falsos salvadores
Os modelos para manter o aumento da temperatura abaixo de 2 graus ou 1,5 grau Celsius dependem fortemente da remoção do dióxido de carbono do ar, além de reduzir as emissões.
Parte disso pode ser feito com o planto adequado de árvores, mas muitos cenários assumem o uso em larga escala de tecnologias não comprovadas.
O European Academies Science Advisory Council alerta contra o otimismo excessivo, delineando alguns dos riscos associados às opções de emissões negativas.
Twenty eight years since the first IPCC report – this a sad indictment of our collective failure to give a damn for anything other than our own short-term self interest. Are these scenarios really the pinnacle of our climate change community’s ingenuity & analysis? https://t.co/uzvuCtVpEc
— Kevin Anderson (@KevinClimate) 1 de maio de 2018
Publicado originalmente em inglês no Climate Home News.
Tradução de Bruno Toledo.