Relatório da Oxfam aponta que os esforços recentes para aumentar o volume de recursos financeiros para ação contra mudança do clima são insuficientes para atender às necessidades, especialmente de nações mais pobres e vulneráveis
Um dos poucos resultados positivos da Conferência do Clima de Copenhague (COP 15), em 2009, foi o compromisso assumido por governos de nações desenvolvidas de fornecer recursos financeiros para os países pobres e vulneráveis à mudança do clima ao longo dos anos seguintes. A promessa era que o apoio financeiro para ação climática no mundo em desenvolvimento chegaria a um montante anual de US$ 100 bilhões até 2020.
Faltando menos de dois anos para a data-limite do compromisso financeiro de Copenhague, o volume de recursos destinados para ação climática ainda está bastante aquém dos US$ 100 bilhões anuais prometidos pelos países ricos.
De acordo com um levantamento realizado pela ONG Oxfam, os recursos financeiros públicos movimentados pelos países ricos para ação climática nos países pobres e vulneráveis estavam estimados em US$ 48 bilhões por ano entre 2015 e 2016, menos da metade do montante projetado para 2020. Mesmo esse número sozinho não significa muita coisa: segundo a organização, o valor destinado para assistência específica relativa a mudança do clima foi de apenas US$ 16 a 21 bilhões anuais no mesmo período.
Lançado nesta semana, durante o encontro intersessional de negociações sobre o Acordo de Paris (saiba mais), realizado em Bonn (Alemanha), o Climate Finance Shadow Report 2018 faz um levantamento e uma avaliação do progresso do financiamento climático a partir da assinatura do Acordo de Paris, no final de 2015, com foco particular nas fontes públicas de recursos financeiros para ações de mitigação e adaptação à mudança do clima nos países em desenvolvimento e sob alto grau de vulnerabilidade a essas alterações climáticas.
O financiamento para mitigação e adaptação é um ponto delicado na agenda de negociação global sobre mudança do clima. Para os países em desenvolvimento, particularmente os mais pobres e os mais vulneráveis, qualquer ação climática depende da disponibilidade de recursos financeiros providos pelas nações mais ricas. No entanto, o desencontro entre essa expectativa e a resposta tímida e reticente dos governos das nações desenvolvidas é um vetor de tensões persistentes ao longo dos anos de negociação.
O compromisso de Copenhague foi um avanço importante nesse debate, ao estabelecer uma meta clara de volume de recursos e um cronograma para viabilizar esse financiamento, estruturado através do chamado Fundo Climático Verde (GCF, sigla em inglês), criado em 2010 pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC). Desde então, pouca coisa evoluiu: os valores destinados para o GCF são muito baixos se considerada a meta definida para 2020, o que alimenta desconfianças sobre a sua viabilidade.
Conta furada
Um dos principais problemas apontados pelo levantamento da Oxfam é a forma como os países doadores fazem a contabilidade dos recursos financeiros destinados para ação climática. De acordo com a organização, muitos valores são sobre-reportados pelos governos – ou seja, são contabilizados mais de uma vez, o que leva a distorções no montante real de recursos aplicados.
O relatório aponta para dois caminhos que levam a essas distorções contábeis. Primeiro, a superestimação do valor associado a mudança do clima em projetos de desenvolvimento no qual a questão climática é apenas um aspecto dentro de um programa mais amplo. E, segundo, a inclusão de empréstimos e outros tipos de financiamento não subsidiado, o que acaba ocultando o nível real de assistência que os países em desenvolvimento recebem dos países desenvolvidos para financiar ação climática.
Para resolver esse problema, a Oxfam recomenda aos governos doadores que contabilizem apenas os valores equivalentes a subvenções nos empréstimos relacionados a clima, ou seja, incluindo na conta de financiamento climático apenas a transferência líquida de recursos para os países em desenvolvimento, descontados os pagamentos, juros e outros – um caminho que vem sendo seguido na contabilização de ajuda ao desenvolvimento no âmbito da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Esse problema de contabilidade sinaliza outro desafio para o financiamento climático – o volume baixo de recursos movimentados como subvenções, ou seja, a transferência financeira direta sem contrapartidas para os países em desenvolvimento. De acordo com a Oxfam, esse tipo de operação representou apenas US$ 11 a 13 bilhões anuais entre 2015 e 2016, compondo entre 23% e 27% do total de financiamento. Esse valor é um pouco maior que os US$ 10 bilhões apontados pela edição anterior do levantamento da organização para 2013 e 2014.
Outro ponto problemático do financiamento climático nos últimos anos é o volume pequeno de recursos destinados para ações de adaptação à mudança do clima, uma agenda que tradicionalmente sofre com a reticência dos doadores. De acordo com o levantamento, os fundos associados a adaptação compuseram menos 20% do total de financiamento público para ação climática entre 2015 e 2016
Como tirar a promessa do papel?
A questão do financiamento para ação climática deve ganhar cada vez mais intensidade na agenda de negociação neste ano, considerando a proximidade do ano chave de 2020 – quando a meta financeira de Copenhague deverá ser atingida e quando os compromissos nacionais de redução de emissões do Acordo de Paris começarão a vigorar.
“Os governos precisam acordar novos padrões contábeis para o financiamento climático sob o Acordo de Paris na Conferência do Clima deste ano, na Polônia”, assinala Tracy Carty, especialista em política de mudança do clima da Oxfam, fazendo alusão à COP 24, que acontecerá em dezembro deste ano na cidade polonesa de Katowice, e que terá a questão do financiamento como um tema central em sua agenda. “Esta é uma oportunidade para definirmos padrões mais robustos e justos de financiamento que não podemos desperdiçar”.
Resolver esse enorme nó é crucial não apenas para o sucesso do Acordo de Paris, mas também para apoiar os países e as comunidades espalhadas pelo mundo que já estão sofrendo com os efeitos da mudança do clima. “Mesmo com as pessoas nas ilhas pobres do Caribe sofrendo com grandes tempestades tropicais e com secas brutais na África, o fluxo de recursos para os mais pobres e vulneráveis à mudança do clima no mundo continua lamentavelmente inadequado”, aponta Carty.