Parcerias público-privadas que combinem comando e controle, incentivos fiscais e campanhas de fomento ao mercado livre de desmatamento são cruciais para dar escala a iniciativas nessa direção
É inegável que o tema sustentabilidade nas cadeias produtivas está em pauta há muito tempo. Muito se fez, mas fato é que as melhoras são ainda lentas e as ações, tímidas – tanto em magnitude quanto em velocidade em relação ao tamanho do desafio para um mundo sustentável. É preciso acelerar o passo, pois a urgência aumenta.
Antes de colocar em discussão o desmatamento zero – assunto que ainda causa polêmica entre ambientalistas e produtores rurais – é preciso deixar claro que a expressão não é, em si, um conceito absoluto. Trata-se de uma causa, que em algumas circunstâncias, deve transcender leis e equações. Em outras, talvez ainda possa se relativizar diante das expectativas e demandas de desenvolvimento econômico e social, ou do saldo positivo que hectares restaurados podem emprestar à equação final.
O que não podemos mais é ignorar o fato de que a floresta se tornou uma moeda muito cara, e a sociedade em geral pode e deve encontrar mecanismos ágeis de protegê-la. Seja por lei, seja por compromissos voluntários coletivos ou mesmo individuais. Não há mais tempo para idealismos e desculpas. As consequências do desmatamento são factuais e, uma vez irreversíveis, leis e acordos coletivos não terão mais efeito.
No caso específico da soja no Brasil, por exemplo, que cresce muito graças à expansão territorial, não há mais necessidade de desmatamento.
Isso porque existe terra disponível, degradada ou subutilizada, suficiente para garantir o aumento da produção de grãos até 2050. A grande questão, claro, é que nem sempre existe a estrutura logística, como rodovias ou processadores próximos do local de produção.
É por isso que ações integradas e compartilhadas entre governo, iniciativa privada e sociedade civil são fundamentais para ajudar a reduzir os custos, encontrar meios mais eficazes e sustentáveis de compensá-los e, quando necessário, repartir o investimento na minimização do risco comum. Afinal, a sustentabilidade e o equilíbrio climático não dependem só da ação do produtor rural ou do consumidor final. E não é justo que os gastos – ou mesmo as dificuldades – sobrem apenas para uma das pontas. O Brasil é um grande país produtor agrícola e essa agenda também é legítima.
Segundo um levantamento da Tropical Forest Alliance (TFA) 2020, metade dos 34 programas jurisdicionais de crescimento verde, mapeados em estudos recentes, está na América Latina. A região é um celeiro de boas práticas, arranjos inovadores e conhecimento de ponta relacionados ao tema do desmatamento zero. Precisamos ampliar a escala e a integração entre esses elementos. Parcerias público-privadas que combinem comando e controle, incentivos fiscais e campanhas de fomento ao mercado livre de desmatamento são cruciais para dar escala a iniciativas em níveis capazes de gerar impactos substantivos. Precisamos de exemplos concretos – quem se candidata?
Ao que tudo indica, atualmente, todos estão dispostos a enxergar não apenas o risco, mas o potencial da produção de commodities livres de desmatamento. Afinal, existe inclusive uma questão de segurança alimentar, já que o clima e a água são fundamentais para agricultura, a ponto de poderem inviabilizar produções. A floresta em pé garante equilíbrio climático e segurança hídrica. Ou seja, é preciso encarar a conservação como uma forma de produzir: de produzir as condições de reprodução da vida.
Diante de tudo isso, o endereçar o conflito fundiário é o ponto de partida para a maior parte dos demais desafios apontados na agenda do desmatamento zero. Um planejamento territorial integrado, que defina zonas prioritárias de expansão da produção e assinale necessidades de investimentos em infraestrutura numa lógica mais otimizada é fundamental.
Com isso são necessárias, também, políticas de compensação e valorização de ações de preservação de áreas de Reserva Legal e preservação permanente (APP), bem como, e em especial, daquelas que transcendem os limites legais. Igualmente relevante é a criação de mecanismos financeiros que combinem diversos instrumentos, atores e fontes, financiando ações que vão desde assistência técnica até desenvolvimento e inovação tecnológicas.
O caminho ainda é longo. Mas já não é possível voltar ou ficar onde estamos. Avante.
Leia mais sobre desmatamento e produção agropecuária nesta edição de P22ON.
*Advogada, especialista em Educação Ambiental pela Esalq/USP e doutora em Ciência Ambiental pelo Procam/USP. Atua na área ambiental desde 1997, em especial no Terceiro Setor, e atua principalmente nos campos de Consumo Responsável e Sistemas de Garantia Socioambiental. É diretora regional da Tropical Forest Alliance (TFA) 2020 América Latina.