Três medidas para sair do desastre ecológico poderão servir para triar e simplificar as muitas dezenas de sugestões feitas em documentos recém-lançados sobre a governança do desenvolvimento sustentável no Brasil
Ultimamente pulularam formulações sobre a governança do desenvolvimento sustentável no Brasil, como resultado de dupla pressão histórica: início do amadurecimento de reflexões coletivas sobre os 17 objetivos da Agenda 2030 (adotada pelos 193 países-membros da ONU em 2015) e, obviamente, aproximação das campanhas para as eleições de outubro de 2018. Disso resultou ao menos meia dúzia de importantes contribuições que serão muito úteis, com certeza, no desfavorável contexto que se anuncia para o quadriênio 2019-2022:
Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para Agenda 2030 (GT Agenda 2030) – RELATÓRIO LUZ DA AGENDA 2030 DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL – SÍNTESE II (julho 2018);
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) – ODS – METAS NACIONAIS DOS OBJETIVOS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL – PROPOSTA DE ADEQUAÇÃO (setembro 2018);
Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds) – AGENDA CEBDS PARA UM PAÍS SUSTENTÁVEL;
Coalizão Brasil Clima Florestas e Agricultura (Coalizão) – PROPOSTAS AOS CANDIDATOS ÀS ELEIÇÕES DE 2018;
Instituto Socioambiental (ISA)– ELEIÇÕES 2018: DIREITOS TERRITORIAIS E ECONOMIA DOS POVOS DA FLORESTA NO PRÓXIMO MANDATO PRESIDENCIAL;
World Wide Forum for Nature Brasil (WWF-Brasil) – ELEIÇÕES 2018: CONTRIBUIÇÃO DO WWF-BRASIL AO DEBATE PÚBLICO DE TEMAS SOCIOAMBIENTAIS.
Seria missão impossível pretender propor qualquer tipo de análise comparativa desses seis documentos. Sem a imprescindível assimilação que ainda demandará muito tempo, nem sequer uma descrição de cada um deles poderia ficar razoável.
Porém, desde já parece ser possível afirmar que todos padecem de um defeito comum a ser enunciado aos leitores da Página22 com a explícita intenção de provocar debate que certamente será frutífero: falta neles sentido de urgência, em claro contraste com o título que Israel Klabin deu à sua biografia da crise ambiental, publicada pela Elsevier/Campus em 2011: A Urgência do Presente.
Pior: agora também na contramão da atitude que vem ganhando os analistas mais voltados à dimensão global da sustentabilidade. Sobre ela, talvez não haja melhor exemplo do que as “três medidas para sair do desastre ecológico” lançadas por Claude Henry, hoje professor de desenvolvimento sustentável da escola parisiense ‘Sciences Po’ e da nova-iorquina Columbia University, que por 30 anos dirigiu o laboratório de econometria da École Polytechnique e coeditou a Review of Economic Studies e o Journal of Public Economics.
Para ele, o caminho que poderá levar à sustentabilidade depende essencialmente de um épico trevo de iniciativas: a) reformas tributárias semelhantes à que foi adotada na Suécia em 1990-1991; b) falência bem planejada e organizada das empresas que produzem energias fósseis e de boa parte das indústrias químicas; e c) renovação radical do atual padrão de produção alimentar.
Essas três propostas causarão muitas polêmicas e resistências, mesmo nas mais avançadas nações. Com muito mais razão por aqui, como evidenciam os atuais debates públicos sobre reforma tributária, Petrobras e agrotóxicos. Mesmo assim, poderão servir para triar e simplificar as muitas dezenas de sugestões feitas na meia dúzia de documentos listados acima, em destaque.
A principal virtude da reforma sueca realizada às vésperas da Rio-92 foi introduzir o que hoje se conhece por taxa-carbono no âmbito de uma coerente estrutura tributária que, além de não elevar a carga total, também estimulou a criação de empregos. O inverso, portanto, das várias recentes tentativas de tributar de forma isolada as emissões de CO2.
Como muitos dos parceiros comerciais da Suécia não seguiram seu exemplo, depois foi necessário que seus governos criassem desonerações para as indústrias mais expostas à concorrência internacional. Mesmo assim, o imposto original de 27 euros por tonelada de CO2 emitida chegou recentemente a 117 euros. Suficiente para engendrar corte de 40% dessas emissões no período 1990-2012, a metade da meta nacional para 2020. E, diga-se de passagem, com crescimento econômico de 60% e queda de dez pontos na pressão fiscal.
Se a maior parte dos países que assinaram o Acordo de Paris imitassem a Suécia, ficaria mais fácil prognosticar inevitável falência das indústrias de carvão, gás e petróleo. Mesmo sem essa pressão, todas elas já estão com ativos superavaliados e passivos subavaliados. Mas ainda sobreviverão por muito tempo se for mantida a atual hipocrisia de se assinar declarações em favor da economia de baixo carbono e simultaneamente garantir sobrevida aos negócios com energias fósseis.
Não é fácil imaginar como os Estados nacionais poderiam decidir e implementar as falências das grandes petroleiras, por exemplo, mas é preciso ao menos deixar claro que, sem isso, os discursos sobre descarbonização das economias não passam de conversas para boi dormir.
Por último, mas tão importante quanto as duas primeiras diretrizes, surge a superação do modelo de produção de alimentos que a indústria química conseguiu legitimar ao longo do século passado. Romper com ele não significa voltar a uma agropecuária tão natural quanto à que prevaleceu até a síntese da amônia, industrializada a partir da primeira guerra mundial. Significa, ao contrário, até maior intensificação dos processos produtivos, mas concomitante à sua desintoxicação, como propõe há quase dez anos a Royal Society no relatório Reaping the benefits – Science and the sustainable intensification of global agriculture (outubro de 2009).
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*José Eli da Veiga tornou-se professor sênior do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (IEE/USP) após 30 anos de docência no Departamento de Economia da FEA/USP (1983-2012). Mantém dois sites: www.zeeli.pro.br e www.sustentaculos.pro.br