Agricultores do maior estado produtor dos Estados Unidos se dizem não só apavorados como sozinhos. Políticos deram as costas para os efeitos da mudança do clima, que ainda promete derrubar a produção de milho pela metade
O professor de Ciência da Atmosfera e de Meteorologia Agrícola da Universidade de Iowa, Gene Takle, fez o alerta: “Daqui a 20 anos os efeitos da mudança climática serão fortemente sentidos aqui no estado. As correntes atmosféricas vindas do Golfo do México aumentarão radicalmente a umidade do ar na região e isso não será nada bom para a produção agrícola [o estado de Iowa é o maior produtor de milho e de soja dos Estados Unidos]”.
A notícia é que essa advertência de Takle foi feita 20 anos atrás e hoje boa parte das lavouras da região está coberta de água e a quebra de safra já é certa. “Os agricultores de Iowa estão apavorados com a situação”, registrou o premiado jornalista Art Cullen, no jornal britânico The Guardian no último dia 19.
Não só apavorados como sozinhos, pois, segundo a reportagem, este é o tema menos debatido entre os políticos, apesar de as novas previsões da ciência de clima darem conta de que, ao longo dos próximos 50 anos, a produção de milho cairá pela metade no Iowa. O clima atípico, com noites mais quentes e úmidas e longos períodos de seca é o tema do momento nas rodas de conversas nas cooperativas agrícolas, assim como entre os analistas de mercado. Mas o assunto não é nem sequer mencionado na agenda política dos Estados Unidos.
Para dar uma ordem de grandeza, o Iowa produz o equivalente a cerca de 80% de todo o milho colhido no Brasil. No período 2016/2017, a safra do grão do estado americano ficou em torno de 70 milhões de toneladas do grão. Em 2017/2018, a expectativa de colheita brasileira é de 85 milhões de toneladas, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
Os problemas provocados pela mudança climática não terminam na quebra da safra. Os efeitos colaterais são enormes e gravíssimos. Na região nordeste de Iowa, que no passado já foi um pântano e onde hoje prevalecem as lavouras de milho, há um sistema de drenagem que escoa a água acumulada solo para os afluentes do Rio Mississipi. As águas do Mississipi carreiam os resíduos químicos usados para fertilizar as lavouras até o Golfo do México. “Os campos do Iowa e do vizinho Illinois estão criando no Golfo do México uma zona morta do tamanho de New Jersey” [mais ou menos do tamanho de Sergipe].
Ou seja, para os alguns estados localizados ao norte possam colher suas safras de milho e soja, os pescadores e as indústrias de pescados têm de navegar para muito longe da costa para encontrar vida marinha. Mesmo que o fluxo de produtos químicos agrícolas fosse interrompido hoje, a enorme “zona morta” no Golfo do México levaria pelo menos três décadas para se recuperar (clique aqui para saber mais).
Nessa equação, ninguém está satisfeito. Os pescadores reclamam da falta de oxigênio nas águas costeiras do Golfo e os agricultores “choram” pelas toneladas de solo fértil que escorrem para os rios todos os anos. “Estamos lavando nosso ouro negro [solo] no rio de quatro a seis vezes mais rápido do que podemos regenerá-lo”, comenta o agrônomo Rick Cruse, de Iowa. “Com menos solo, os grãos têm menor teor de proteína e o milho um maior teor de amido”, observa. Em outras palavras, perdem valor no mercado.
Mesmo sem o apoio de políticas públicas, um grupo de agricultores decidiu agir por conta própria. Alguns fazem rotação de culturas com centeio para proteger o solo, outros começam a “flertar” com uma agricultura sustentável e mais resiliente à mudança do clima. À reportagem do The Guardian, o especialista em solo, Jerry Hatfield, do Laboratório Nacional de Agricultura e Meio Ambiente em Ames, disse ser possível tornar a agricultura da região sustentável. Para isso, seria necessário uma transformação no modo de pensar dos fazendeiros, o que fica mais difícil quando não se tem respaldo político que ajude a promover o diálogo e a conscientização. E, pelo silêncio em relação à crise agrícola na região, o governo demonstra não ter preparo para lidar com o problema.
Clique aqui para acessar a reportagem original. Colaborou na tradução: Jacqueline Low-Beer