A chave é demonstrar aos agricultores e à sociedade brasileira que a redução do desmatamento os beneficia e que ficarão em pior situação se as políticas ambientais e as áreas protegidas forem enfraquecidas
Por Dan Nepstad, João Shimada, Oswaldo Carvalho Jr
[Este comentário foi publicado originalmente no site Mongabay. Acesse o artigo original aqui.]
O presidente eleito Jair Bolsonaro representa uma ameaça global significativa para o maior legado de conservação de florestas tropicais do mundo e sua maior floresta tropical, a Amzônia. Se ele cumprir o que promete fazer, nossas chances de evitar mudanças climáticas extremamente perigosas serão consideravelmente menores.
Mas mesmo sob esse governo radicalmente diferente dos anteriores, os ganhos históricos do Brasil em conservação florestal podem ser garantidos e novas conquistas alcançadas. A chave é demonstrar aos agricultores e à sociedade brasileira em geral que as conquistas do Brasil na redução do desmatamento as beneficiam e que elas ficarão em pior situação se as políticas ambientais e as áreas protegidas forem enfraquecidas.
A conservação da floresta no Brasil atingiu os limites de uma estratégia que tem tido muito sucesso, mas que depende de medidas de comando e controle que são apoiadas e implementadas por um governo nacional favorável a essas ações. É uma estratégia que é forte em punições e fraca em incentivos. E quando a vontade política desaparece – como acabou de acontecer – eles são relativamente fáceis de engavetar, um ponto que os defensores de um foco ainda maior em abordagens de comando e controle erram. Felizmente, existem algumas boas oportunidades para expandir o apoio à conservação florestal, como explico abaixo.
Jair Bolsonaro ganhou 54% do voto popular em todo o País no segundo turno contra Fernando Haddad, o candidato do Partido dos Trabalhadores (PT), que controlou a presidência em 14 dos últimos 16 anos. Foi eleito por uma onda de frustração, raiva e medo que surgiram do aumento do crime e da violência, da estagnação econômica e do escândalo de corrupção que envolveu dezenas de membros da elite política. Venceu com fortes posições anti-ambientais, prometendo libertar o setor agrícola das regulamentações, abrir as Terras Indígenas à exploração econômica e descapitalizar grupos ambientais.
A geografia das escolhas dos eleitores sugere que o poderoso setor do agronegócio do Brasil é um defensor particularmente forte de Bolsonaro. Não sabemos quanto de seu apoio entre os agricultores pode ser atribuído a suas posições anti-ambientais, mas numerosas conversas com agricultores e líderes agrícolas sugerem que esses posicionamentos foram vistos como um diferencial para o setor. O presidente ganhou forte apoio nos municípios que produzem soja. Ele também teve apoio onde a agroindústria ainda não está presente em grande escala, mas onde o crime é particularmente alto, como o estado da fronteira oeste do estado do Acre.
O Brasil está agora se movendo em um território desconhecido. Os presidentes brasileiros têm sido extraordinariamente favoráveis ao meio ambiente desde que as eleições livres recomeçaram, findo o período militar em 1985. Pressupostos básicos sobre como avançar na floresta e uma agenda socioambiental mais ampla devem agora ser reexaminados.
Um movimento popular de conservação florestal é necessário para suplementar os grandes desafios de lidar com a mudança climática, proteger a biodiversidade e trazer a agenda florestal para os lares e a vida cotidiana dos cidadãos brasileiros, e assim competir com o populismo de direita, nacionalista e desagregador de Bolsonaro.
O principal desafio pela frente é construir uma coalizão ambiental mais forte e mais ampla para substituir o apoio perdido no governo nacional, contendo os excessos de Bolsonaro e construindo a base para uma liderança pró-ambiental mais profunda no futuro. O setor agrícola brasileiro é o alvo mais importante para essa ampla coalizão. Representa aproximadamente um quarto da economia brasileira e é o maior e mais poderoso bloco político do Brasil atualmente.
Como descrito anteriormente, muitos agricultores cultivam porque amam a terra, a vida selvagem e a natureza. Eles são aliados naturais da conservação da floresta. Mas cresceram frustrados ao longo dos anos pela incerteza e burocracia excessiva das regulamentações ambientais, pelas promessas não cumpridas de incentivos positivos que compensassem sua transição para sistemas de produção mais sustentáveis e por sua difamação como inimigos da floresta.
Isso não quer dizer que o setor agrícola brasileiro seja composto na maioria por agricultores e empresas que respeitam a lei e sejam amantes da natureza. Não é. Em vez disso, pontuamos que a agenda de conservação florestal perdeu o apoio de muitos desses agricultores e de empresas que cumprem as leis e têm uma mentalidade de conservação. E precisamos reconquistá-los.
A melhor maneira de construir uma coalizão florestal mais ampla no Brasil é fazer um trabalho mais efetivo, com foco especial no setor agrícola. Aqui estão algumas ideias de como fazer isso acontecer.
1.Conectar-se com os agricultores de médio e grande porte do Brasil; não difamá-los: Pequenos agricultores familiares estão há muito tempo no radar da agenda de conservação florestal no Brasil – e este engajamento e alcance precisam se expandir. Passou a haver uma polarização entre a comunidade de conservação florestal e os agricultores de grande escala, e Bolsonaro parece ter explorado essa polarização ao falar sobre suas questões centrais. O cenário está montado para aumentar o antagonismo, o que poderia fortalecer ainda mais o apoio do setor agrícola a Bolsonaro. Em vez disso, a comunidade de conservação florestal deve escutar e demonstrar solidariedade com os agricultores sobre questões em comum, como eficiência regulatória, projetos de infraestrutura e acesso a mercados. Existem vários fóruns onde esse alcance já está acontecendo e poderia ser expandido, como a estratégia adotada pelo estado de Mato Grosso, chamada Produzir, Conservar, Incluir.
2.Desenvolver incentivos positivos para a conservação das florestas em nível agrícola: Há uma necessidade urgente de construir os sistemas que fornecerão incentivos positivos aos agricultores por renunciarem ao seu direito legal de desmatar em suas terras. Isso significa implementar o Artigo 41 do Código Florestal, que fornece o arcabouço legal para incentivar a conservação de florestas na propriedade. O grande low-hanging fruit (benefício de fácil acesso) aqui é começar a traduzir as quase 7 bilhões de toneladas de redução de emissões de CO2 verificadas pelos governos estaduais do Brasil e da Amazônia – e que se expande a cada ano – em um grande fluxo de benefícios para a sociedade brasileira e para os agricultores em particular. Um progresso rápido poderia ser obtido com iniciativas de baixo carbono em transações comerciais, oferecendo commodities agrícolas neutras em carbono a um mercado que demanda crescentemente produtos com rotulagem de emissões; continuar buscando investimentos baseados em desempenho para o Fundo Amazônia, além de acordos baseados em resultados, tais como aqueles recentemente concluídos entre os estados do Acre e de Mato Grosso com a Alemanha e o Reino Unido.
3.Modificar os atuais acordos de “desmatamento zero” para reavaliar a conformidade legal (compliance): A Moratória da Soja e da Carne, na Amazônia e o acordo do Cerrado, que está em desenvolvimento, devem ser modificados para explicitamente isentar os agricultores que têm florestas em suas terras e podem legalmente desmatá-las, até que mecanismos sejam criados para compensá-los por renunciar a esse direito. Sem essa ressalva, os agricultores estão sendo penalizados por cumprirem a lei, já que suas propriedades valem menos do que aquelas que foram desmatadas além do mandato legal. Esses acordos de desmatamento zero são analisados nos próximos relatórios do Banco Mundial (Nepstad & Shimada, Moratória Brasileira da Soja; Shimada & Nepstad, The Brazilian Cattle Agreement).
4.Cabe às empresas estabelecer parcerias estratégicas com governos estaduais e setores agrícolas; as campanhas de ONGs deveriam ajudar: Estados englobando toda a região amazônica do Brasil e 1/3 das florestas tropicais do mundo prometeram em 2014 reduzir o desmatamento em 80% até 2020 se as parcerias e finanças estiverem disponíveis, por meio da Declaração de Rio Branco. Quatro anos depois, apenas 5 das 35 jurisdições em todo o mundo e 2 dos 7 estados da Amazônia no Brasil estabeleceram parcerias formais com empresas para cumprir esse compromisso (veja nosso relatório The State of Jurisdictional Sustainability). Um dos impedimentos para a parceria que as empresas citam é o risco de serem atacados pelo Greenpeace, Mighty Earth e outras campanhas de ONGs em razão dos atores que se encontram em lista negra e operam nessas jurisdições. É urgentemente necessário um ajuste às estratégias das ONGs que favoreça as parcerias de jurisdição da empresa em vez de inibi-las.
5.Adiar por seis meses novas iniciativas para expandir áreas protegidas ou emitir novas regulamentações sobre os agricultores: Tais iniciativas seriam para-raios para a base rural de Bolsonaro, potencialmente reforçando o apoio ao desmantelamento da legislação ambiental e das áreas protegidas.
6.Documentar e comunicar de forma mais eficaz os benefícios da conservação da floresta: Menos desmatamento significa menos poluição do ar e menos doenças e mortes. As plantações próximas às florestas sofrem extremos de temperatura menos severos. Mais florestas, regionalmente falando, significam mais chuvas, garantindo também a geração de energia a longo prazo nas usinas hidrelétricas da Amazônia.
Se formos bem-sucedidos em argumentar que a conservação da floresta é boa para a economia, boa para o setor agrícola e boa para a sociedade brasileira como um todo, a plataforma anti-ambiental de Bolsonaro pode ser enfraquecida, ou até mesmo abandonada.