Mal distribuída, a economia do conhecimento está longe de realizar seu potencial. A concentração em um punhado de poderosas corporações responde pelo fato de a inovação, paradoxalmente, avançar pouco no mundo contemporâneo, segundo recentes estudos
Por Ricardo Abramovay*
A luta contra as desigualdades é parte essencial de uma estratégia que tenha por objetivo retirar o Brasil da retaguarda da inovação tecnológica global. É verdade que em setores ligados à produção de etanol, de celulose e em alguns outros segmentos da agropecuária, nossa pesquisa é relevante. Mas quando se trata das mais avançadas formas de produção que definem a nossa época, a economia do conhecimento, nosso quadro é desolador. Somos consumidores e não protagonistas do que se faz de mais relevante no mundo com base na revolução digital.
Dois estudos recentes mostram que a maneira convencional de se pensar esse tema (segundo a qual é preciso financiar as empresas e as pessoas que já são as mais inovadoras) precisa ser urgentemente revista.
O primeiro deles tem por título a pergunta: quem se torna um inventor nos Estados Unidos? Os dados são impressionantes. O estudo rastreou (de forma anônima) 1,2 milhão de inventores do nascimento até a idade adulta. E o que foi encontrado? As crianças nascidas em famílias que se encontram no topo da pirâmide social (entre os 1% mais ricos da distribuição de renda) têm dez vezes mais chances de se tornarem inventoras do que as que vêm de pais que estão entre os 50% mais pobres. Crianças brancas têm três vezes mais chances que as negras e apenas 18% dos inventores são mulheres. A participação das mulheres está aumentando, mas, ao ritmo atual levaria nada menos que 118 anos para que a paridade de gênero ocorresse.
Além disso, o estudo mostra que a exposição a inovações durante a infância tem enorme influência sobre a propensão a que os indivíduos se tornem inventores. Só que aí também as diferenças sociais são determinantes: os jovens especialmente talentosas para matemática (de onde sai a maioria dos inventores) e cujas famílias estão entre os 80% de menor renda muito dificilmente conseguem realizar esse talento como inventores.
O impacto das desigualdades para o futuro da inovação tecnológica é tão grande que os autores do estudo não hesitam em falar de “Einsteins perdidos”. Sua principal conclusão é que as inovações poderiam ser bem maiores se as oportunidades não fossem tão desigualmente distribuídas.
Estas conclusões são corroboradas por um importante relatório que a fundação britânica NESTA (que apoia iniciativas de inovação para enfrentar os grandes desafios contemporâneos) acaba de publicar, sob a coordenação de Roberto Mangabeira Unger. A ideia central do trabalho é que a economia do conhecimento encontra-se confinada e está longe de realizar seu potencial.
A imensa riqueza dos gigantes digitais é produzida por menos de 70 mil funcionários e situa-se em poucos lugares do mundo.
É verdade que as inovações promovidas sistematicamente pelas maiores corporações da economia do conhecimento são impressionantes. Mas a distância entre estas poucas empresas e o restante da vida econômica não cessa de se ampliar.
A hipótese básica do relatório da Fundação NESTA é que esta concentração das capacidades inovadoras entre um punhado de poderosas corporações responde pelo fato de a inovação estar paradoxalmente avançando pouco no mundo contemporâneo. Por isso, a grande aspiração emancipatória do século XXI é a democratização da economia do conhecimento, ou seja, a formação de mecanismos e incentivos que permitam às pequenas e médias empresas, às associações territoriais e às cooperativas, participarem de forma ativa e criativa das potencialidades que a revolução digital oferece.
Em quase todo o mundo, as políticas de inovação voltam-se aos interesses das maiores e mais poderosas empresas. Há um abismo entre as comunidades acadêmicas e de políticas públicas que estudam e concebem mecanismos de incentivo à inovação e as voltadas à luta contra as desigualdades. É fundamental que este abismo seja suprimido. É completamente distópico conformar-se com um horizonte que considere inevitável esta concentração de riqueza e poder e proponha como compensação uma renda básica de cidadania.
Democratizar a economia do conhecimento exige que se ampliem radicalmente as chances de a grande maioria da população tornar-se sujeito de seus potenciais criativos. Difícil pensar em um desafio mais importante e fascinante para o desenvolvimento sustentável.
Enfrentar este desafio é um dos principais objetivos do 2º Encontro Nacional do Programa Academia ICE que se realiza nos próximos dias 8 e 9 de maio, em São Paulo.
(Leia mais sobre economia do conhecimento neste artigo.)
*Professor sênior do Procam/IEE/USP – Twitter: @abramovay – www.ricardoabramovay.com