Ausência de arranjos institucionais que garantam a participação efetiva da sociedade civil organizada e de comunidades indígenas na governança do Fundo Amazônia põe em risco futuras captações de recursos de doadores internacionais
Em 11 de abril foi publicado no Diário Oficial da União o decreto nº 9.759/2019 que extingue, a partir de 28 de junho, todos os colegiados da administração pública federal, incluindo conselhos, comitês, grupos, fóruns, entre outros. Hoje há cerca de 700 conselhos e comissões, instâncias de governança fundamentais para garantir a participação da sociedade civil organizada e o controle social na formulação e implementação de políticas públicas.
O governo federal justifica essa decisão unilateral – considerada por muitos como autoritária, ideológica e sem fundamentação – como uma medida necessária para reduzir a burocracia e dar mais agilidade à gestão pública. O decreto não explicita quais colegiados serão extintos, mas impõe que “a criação de novos colegiados por meio de portaria interministerial é permitida se tiver apenas agentes públicos da administração pública federal entre seus membros”. Uma afronta à democracia.
Decisões autoritárias que visam limitar a participação da sociedade civil organizada na formulação e gestão de políticas públicas vão no caminho oposto do que se espera da administração pública. Em um mundo cada vez mais conectado e polarizado, princípios básicos de boa governança deveriam nortear a formulação e gestão de políticas públicas, como transparência e prestação de contas, baseados em uma governança participativa em diferentes níveis e multi-setorial, e que atenda aos interesses e necessidades da população, e não de grupos privilegiados.
Em 30 de abril, o ministro Marco Aurélio Mello acatou liminar do PT em defesa dos conselhos sociais, e pede votação urgente no Supremo Tribunal Federal (STF). Esses conselhos sociais, que hoje correm o risco de serem extintos, integram a Política Nacional de Participação Social (PNPS) e do Sistema Nacional de Participação Social (SNPS), ambos criados no governo de Dilma Rousseff.
Parece que o staff de políticas públicas no governo Bolsonaro, além de “não entender muito de economia”, também não tem maior discernimento sobre gestão ambiental, oportunidades relacionadas ao financiamento de ações relativas às mudanças climáticas, e benefícios envolvidos no fomento a uma economia de baixo carbono para alguns setores, como o agronegócio brasileiro.
Decisões equivocadas como essa de extinguir instâncias fundamentais na governança ambiental e do clima no Brasil podem ter consequências muito negativas para o País, e comprometer a continuidade de programas como o Fundo Amazônia. A ausência de arranjos institucionais que garantam a participação efetiva da sociedade civil organizada e de comunidades indígenas na governança do Fundo Amazônia põe em risco futuras captações de recursos de doadores internacionais.
O Fundo Amazônia é um programa gerido pelo BNDES, que já recebeu cerca de R$ 4,4 bilhões de reais desde de 2009 dos governos da Noruega e da Alemanha, e da Petrobras. O Programa recebe doações para investimentos não reembolsáveis em ações de prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento, e de promoção da conservação e do uso sustentável da Amazônia Legal. O mecanismo de captação é baseado em resultados alcançados pelo Brasil na redução de emissões de carbono oriundas do desmatamento e degradação florestal (Redd+ na sigla em inglês).
O incentivo de pagamento por resultado em Redd+ foi chancelado oficialmente pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) em 2013 por meio do Acordo de Varsóvia, e em 2015 no Acordo de Paris, onde os países desenvolvidos se comprometem a financiar ações de mitigação em países em desenvolvimento por meio de mecanismos como o Redd+.
As principais instâncias de governança de Redd+ no Brasil são baseadas na Comissão Nacional de Redd+ (Conaredd+), responsável pela coordenação e implementação da estratégia nacional, o Comitê Gestor do Fundo Amazônia (Cofa), que determina as diretrizes do Fundo e acompanha resultados, e o Comitê Técnico do Fundo Amazônia (CTFA), cujo papel é atestar as emissões oriundas do desmatamento na Amazônia. Esses três arranjos institucionais, baseados em uma abordagem de governança participativa acordadas com doadores internacionais, são fundamentais para dar transparência ao Fundo.
Segundo nota publicada pelo Observatório do Clima, sem a existência de estruturas de governança participativa, como o Cofa e da Conaredd+, o Brasil corre o risco de não captar mais recursos via Fundo Verde do Clima, principal mecanismo financeiro da UNFCCC, que financia ações de mitigação e adaptação, e que hoje tem o importante papel de suportar o objetivo do Acordo de Paris de limitar a mudança climática abaixo de 2 graus.
Conforme estabelecido no Acordo, o Fundo Verde movimentaria um fluxo financeiro internacional de R$ 100 bilhões de dólares anuais a partir de 2020. É pouco provável também que o Governo da Noruega, que já repassou mais de R$ 3 bilhões de reais ao Fundo Amazônia, continue o acordo bilateral com o desmonte da governança do Fundo sem a participação efetiva da sociedade civil organizada.
O Brasil, que é uma potência ambiental, e até pouco tempo era uma das principais lideranças em mudanças climáticas no mundo, se apequena com decretos antidemocráticos como esse que extingue colegiados. Lamentavelmente, fica evidente que os tomadores desse tipo de decisão não sabem da importância e do papel fundamental na manutenção de políticas climáticas no País. O Brasil perde. O clima perde. Todos perdem.
*Doutora e pesquisadora associada ao programa de pós-graduação em Administração da FEA-USP; coordenadora adjunta de programas e professora na FIA. Autora e organizadora do livro Gestão Estratégica da Sustentabilidade: Experiências Brasileiras