A declaração de Jorge Seif, secretário de Aquicultura e Pesca do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, sobre o “peixe inteligente” gerou perplexidade e revolta entre profissionais de saúde pública, químicos, biólogos e pessoas de bom senso. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
A transparência dos fatos, na administração pública, não pode acolher a falta de eficácia, a ignorância ou a má-fé. Na esfera governamental, a mentira é uma transgressão à realidade institucional
Por Carlos Bocuhy*
O princípio da informação é basilar nas sociedades democráticas, mas no Brasil estamos assistindo a episódios incompatíveis com os atos formais do poder público. Não se trata de nada mais, nada menos, do que corrupção – que se revela nas distorções dos fatos, obviamente com motivações de palanque e antirrepublicanas, passíveis de questionamento ao ferir princípios que regem a administração pública.
Mentiras produzidas pelo poder público podem ser letais. Tratar omissões e má-fé de representantes do poder público apenas como fake news é, aos olhos da administração pública, tomar pneumonia por resfriado. Não é possível admitir “boataria oficial” na web como se esta não fosse uma subversão dos princípios da administração pública.
O governo federal deve se abster de mentir para a população. Há precedentes históricos aos montes de mentiras governamentais no exterior, por exemplo, nos Estados Unidos e na extinta União Soviética, durante situações de reações tardias, como nos acidentes nucleares de Three Miles Island e Chernobyl. Mas nunca chegaram, dois meses depois, ao absurdo de negar as consequências e medidas necessárias diante de um desastre ambiental, em casos que envolvem riscos à saúde pública.
Passamos por várias situações no atual governo Bolsonaro onde a mentira foi proferida como forma de tergiversar e distrair a atenção do público menos informado. Por exemplo, que as organizações não governamentais (ONGs) estariam incendiando a Amazônia, que o Greenpeace estaria jogando óleo nas praias brasileiras, e agora, para espanto geral, de que os peixes são inteligentes e conseguem fugir da poluição. A declaração do secretário de Pesca, Jorge Seif, ao lado do presidente Bolsonaro, gerou perplexidade e revolta entre profissionais de saúde pública, químicos, biólogos e pessoas de bom senso.
Essas práticas não são meros equívocos, são atos que denotam profunda má-fé e trazem consequências. No caso da contaminação do pescado no Nordeste, configura-se o clássico caso de permitir uma falsa segurança: quando o poder público passa uma falsa sensação de segurança para a população, esta deixa de reagir, de se defender. A falsa segurança é pior que nenhuma segurança, pois na falta desta a sociedade buscará se proteger.
A ação tomada pelo governo retira a possibilidade de iniciativa, de defesa. Em grande maioria, as pessoas acreditam no que o governo diz e no que a imprensa publica.
Como proposição geral, em situações que envolvem riscos à incolumidade da saúde pública, o governo jamais poderia sonegar as informações corretas aos seus cidadãos. O governo deve servir aos interesses legítimos da sociedade brasileira, garantindo seu direito à saúde e ao meio ambiente equilibrado.
O governo Bolsonaro necessita refletir sobre seu comportamento e mergulhar em um curso basilar sobre administração pública. Não pode continuar a fazer política rasteira de palanque. Tem que saber o que é compliance, responder pela regularidade de seus atos, assim como a Controladoria Geral da União e Ministério Público Federal devem estar atentos a estes fatos.
Este governo tem que superar sua incapacidade de enfrentar o desafio da proteção ambiental. O abandono da agenda ambiental, inclusive climática, aumentará os riscos e custará uma fábula aos cofres públicos no futuro, por falta de avanços em processos de adaptação.
O governo precisa começar pelo básico, abandonando a lógica absurda de que espécies inteligentes escapam à degradação ambiental. Pode até ser verdade, se tiverem um bom governo. A vida é frágil. Felizmente as mentiras também.
*Presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam)