A Página22 acaba de firmar uma parceria de conteúdo com a Climate Ventures, que mensalmente contará ao leitor histórias sobre negócios inovadores relacionados ao desafio climático. A Climate Ventures é uma plataforma de Bons Negócios Pelo Clima que existe para acelerar a economia regenerativa e de baixo carbono e reverter a mudança climática, desenvolvendo startups e conectando-as ao mercado e investidores. A seguir, a coluna de estreia!
A MODA É REGENERAR
A Farfarm é uma consultoria especializada na produção de fibras naturais para a indústria têxtil. Por meio do cultivo em agroflorestas, a empresa contribui para o crescimento da cadeia produtiva da moda com critérios de sustentabilidade – prática chamada pela empresa de “agrofloresta têxtil”. Nesta entrevista à Página22, o sócio Pedro Mallmann Saldanha conta como a empresa vem fazendo parcerias com marcas e designers a fim de auxiliá-los a desenvolver cadeias de suprimentos capazes de regenerar a natureza, por meio da produção de tecidos mais sustentáveis.
Sócio e co-fundador da Farfarm, Pedro Mallmann Saldanha é advogado especialista em Direito Ambiental Nacional e Internacional. Designer em Sustentabilidade pelo Gaia Education, tem MBA em Construções Sustentáveis.
Como nasceu a Farfarm?
Há dois anos, os meus sócios [Beto Bina e Werner Kinas] e eu decidimos construir nosso próprio negócio – algo que nos trouxesse uma grande satisfação profissional e pessoal. Tínhamos como norte desenvolver algo que valorizasse a floresta em pé e fomentasse o desenvolvimento sustentável. Enquanto pesquisávamos sobre sistemas regenerativos e permacultura, nós percebemos que o conceito de agrofloresta se encaixava perfeitamente como ferramenta para regenerar a natureza. Paralelamente a isso, nós nos conectamos com nossas experiências profissionais e assim entendemos que havia uma grande mudança na indústria da moda para acontecer. Por ser uma das indústrias que mais impactam negativamente o meio ambiente, também possui enorme potencial regenerativo. Por isso, acreditamos que poderíamos agregar valor às marcas por meio de processos mais limpos e transparentes (saiba mais sobre sustentabilidade na cadeia da moda nesta edição).
Como vocês entendem o conceito de agrofloresta?
Agrofloresta é uma maneira antiga de cultivar culturas na floresta. As comunidades indígenas cultivam cacau e café à sombra das árvores. A Farfarm aproveita esses métodos para cultivar fibras naturais também, como o algodão, a juta e a malva, por exemplo. A ideia da agrofloresta é imitar a natureza, fazendo com que as espécies colaborem entre si, criando um ecossistema próximo sem a necessidade de insumos externos, favorecendo um aumento significativo de cursos d’água, elevando a qualidade do solo e trazendo desenvolvimento socioeconômico para as comunidades locais.
O que a Farfarm produz por meio da agrofloresta têxtil?
Todos os nossos projetos agroflorestais têm fibras naturais como principal cultura, mas também nos concentramos em espécies nativas do respectivo bioma, bem como em culturas comerciais e alimentares para as comunidades com as quais trabalhamos. Mais recentemente, temos desenvolvido um trabalho de consultoria para marcas de moda, ajudando-as a tornar sua cadeia de suprimentos mais sustentável, da fazenda às lojas.
Quais são os problemas globais causados pela indústria da moda?
A indústria da moda está atrelada a problemas muito sérios no meio ambiente, como poluição de cursos d’água, contaminação de solo e esgotamento de recursos naturais. E na esfera social apresenta problemas relacionados ao bem-estar dos trabalhadores, tanto na extração de matéria-prima como na confecção de roupas.
Quais desses problemas vocês se propõem a resolver? Como?
Do ponto de vista ambiental, na medida em que plantamos fibras naturais com o intuito de produzir matéria prima sustentável para indústria têxtil, nós regeneramos áreas degradadas e estimulamos serviços ambientais. Do ponto de vista social, educamos famílias agrícolas para desenvolver a agrofloresta, aumentando a renda e a segurança alimentar, e reduzindo o contato com pesticidas.
O que poderia ser feito no Brasil em termos de legislação para ajudar no enfrentamento desses problemas?
Acreditamos que políticas públicas que incentivem o ecossistema de negócios de impacto e de baixo carbono são sempre bem-vindas. Nós também temos ciência de que os consumidores são peça-chave para que a mudança por uma moda mais sustentável aconteça. Em razão disso, é preciso que haja incentivo ao consumo consciente.
Para onde está caminhando a moda no quesito sustentabilidade? Como vocês enxergam o cenário em 2030? Quais os rumos da indústria?
Tendo ciência do fato de que se o consumo continuar na taxa atual, nós precisaremos de três vezes mais recursos naturais até 2050 em comparação a 2000, a Copenhagen Fashion Summit definiu, em 2017, o Global Fashion Agenda – 2020 Circular Fashion System Commitment. Ao todo, são mais de 142 marcas de moda internacionais comprometidas com compromisso para acelerar a transição para um sistema de moda circular e mais sustentável. Ao assinar, as empresas se comprometeram a cumprir, até o ano de 2020, um ou mais dos quatro pontos citados para o seu progresso, que são: programar estratégias de design para a moda circular; aumentar o número de peças usadas e coletadas; aumentar a revenda de peças já utilizadas; e aumentar a produção de peças confeccionadas a partir de fibras têxteis recicladas.
O que essa indústria pode fazer pelo clima?
A indústria têxtil é uma das mais poluentes do mundo. Dito isso, é notório que se essa indústria acelerar a sua transição para um sistema circular e mais sustentável, os benefícios para o meio ambiente e, por consequência, para a mitigação das mudanças climáticas serão enormes.
Como vocês enxergam a questão do veganismo na moda?
Nós apoiamos todas as práticas que colaboram com o desenvolvimento sustentável e com a preservação da natureza. Contudo, no tocante ao veganismo na moda, é preciso ter clareza de que nem sempre uma roupa ou um tênis vegano, por exemplo, são sustentáveis, ou seja, é preciso que o consumidor busque informações sobre o ciclo de vida do produto, bem como seus impactos negativos e positivos no meio ambiente.
As marcas são tão desejadas como há 20 anos ou outros atributos se tornaram mais importantes nas escolhas das pessoas?
Com certeza os consumidores estão cada vez mais buscando marcas com storytellings verdadeiros e que se correlacionam com os seus propósitos de vida.
Onde a Farfarm iniciou seus projetos-piloto? Em que estágio estão?
A Farfarm tem dois protótipos de agrofloresta têxtil em andamento, sendo um no estado do Pará (bioma Amazônia) e outro no estado de Minas Gerais (bioma Cerrado). No bioma Amazônia, já foi realizada a colheita da juta, malva e do algodão e agora estamos providenciando testes para auferir a qualidade da fibra do algodão, já no bioma Cerrado, nós teremos a colheita e o teste da fibra do algodão plantado até o primeiro trimestre de 2020. A partir desses dados iniciaremos o design de produção de agroflorestas têxteis em escala.
Em 2018, a Farfarm foi uma das startups vencedoras da ClimateLaunchPad no Brasil, que é a maior Competição Global de Ideias de Negócios Verdes. O que mudou para vocês depois disso?
Foi um grande marco na nossa trajetória, assim como ser finalista da 1ª Chamada de Bons Negócios pelo Clima da Climate Ventures, pois através do ClimateLaunchPad, nós tivemos a oportunidade de sermos incubados no Fashion for Good-Plug and Play Accelerator [um programa da ONG internacional Fashion Four Good, que busca incentivar a implementação de inovações sustentáveis na indústria da moda]. Com isso, pudemos nos conectar com dezenas de marcas internacionais da indústria da moda e estamos, aos poucos, desenvolvendo novos projetos em parceria.
Como as grandes empresas poderiam aproveitar todo o potencial que as startups têm para oferecer?
As grandes empresas precisam primeiro identificar os seus problemas e desafios e, a partir disso, buscar se conectar com o ambiente de startups. O resultado dessa conexão é excelente para todos os envolvidos. A Farfarm, por sua vez, está desenvolvendo um projeto, ainda sigiloso, com uma grande marca e também tem sido apoiada desde o início pela Febratex [a maior feira têxtil da América Latina], pela Amazônia UP – Centro de Empreendedorismo da Amazônia e pela Climate Ventures.
Poderiam citar um case que admiram?
Nós somos fãs do case da marca Patagonia pois, além de ser uma empresa Benefit Corporation, integrante do Sistema B, ela se destaca pela inovação. É uma mistura de sucesso financeiro com compromisso socioambiental, e ainda estimula o consumo consciente.