Uma das atividades econômicas adotadas pelos índios da Terra Indígena Yanomami para se contrapor ao garimpo é a produção de chocolates finos, a partir de cacau endêmico da região. Acaba de ser lançado, em São Paulo, o primeiro lote de barras Yanomami, produzido em parceria por coletores de cacau, pelo chocolatier Cesar de Mendes e pelo Instituto Socioambiental
Por Mônica C. Ribeiro
O garimpo é hoje a maior ameaça à Terra Indígena Yanomami (TIY). Não é de hoje que o território sofre com o assédio ilegal de garimpeiros, mas é fato que a situação voltou a se extremar no governo Bolsonaro. Maior Terra Indígena brasileira, com 9,6 milhões de hectares, a TIY abriga povos Yanomami e Ye’kwana, com populações de 25 mil pessoas e 700 pessoas, respectivamente, distribuídas em 321 aldeias.
Segundo informações do Instituto Socioambiental (ISA), os Yanomami são considerados o maior povo indígena do planeta a manter seu modo de vida tradicional, o que se deve ao fato de serem “povo de recente contato”. São pelo menos cinco subgrupos que falam línguas diferentes de uma mesma família: Yanomam, Yanomami, Sanöma, Ninam e Yanoamë. A invasão garimpeira acaba atraindo jovens indígenas, o que é um dos aspectos mais dramáticos desse cenário.
A maior ameaça a essa diversidade é o garimpo. Hoje o território registra a maior invasão garimpeira desde a corrida do ouro nas décadas de 1980 e 1990 – quando o território foi tomado por 45 mil garimpeiros, levando à morte 20% da população Yanomami. Estima-se que agora esse número seja superior a 20 mil.
Uma das atividades econômicas que começa a ser adotada pelos índios da TIY para se contrapor ao garimpo é a produção de chocolates finos a partir de cacau endêmico da região.
Em 14 de dezembro desse ano foi lançado, em São Paulo, o primeiro lote de barras de chocolate Yanomami, produzido em parceria por coletores de cacau da TIY, pelo chocolatier Cesar de Mendes e pelo Instituto Socioambiental (ISA). Esse outro “ouro” da floresta, o cacau, desponta como alternativa econômica para valorizar a sociobiodiversidade amazônica.
A primeira safra de cacau colhida na TIY deu origem a um lote de chocolate produzido por Mendes. Cada barra, além do sabor único do cacau nativo da região (69% cacau + 2% manteiga de cacau + 29% de rapadura orgânica), traz em si a preservação da floresta, o território e o conhecimento tradicional Yanomami e Ye’kwana.
Acostumado a transmutar cacau nativo da Amazônia em chocolate, em trabalho que envolve contato com comunidades tradicionais na localização e colheita dos frutos nativos, Mendes relata que esse lote aromou de maneira mais intensa durante o processo: “As entidades da floresta desceram aqui na fábrica e trouxeram um perfume que não tínhamos experimentado antes. É fora da curva”, brinca. “Esse é um chocolate com presença na boca. Tem persistência prolongada e agradável, com doce equilibrado.”
Economia da floresta
A ideia de explorar o cacau e constituir uma cadeia produtiva com essa matéria prima vem de 2012. Quem conta a história é Moreno Saraiva, antropólogo do ISA que atua no território Yanomami. Maurício Ye’kwana, liderança indígena, preocupado com o aumento do número de garimpeiros, sugeriu o cultivo como possibilidade de geração de renda e contraponto econômico para as comunidades. Na época, o ISA ainda não tinha acúmulo em trabalhos com produtos da floresta para avançar nesse sentido. Mas cinco anos depois, já em 2017, essa situação mudou dentro do Instituto, e o cacau voltou à pauta.
Em julho de 2018, na comunidade de Waikás, uma oficina foi promovida pela Associação Wanasseduume Ye’kwana, com apoio do ISA e parceria do Instituto ATÁ. Na ocasião, César de Mendes compartilhou, com diferentes comunidades, as técnicas de colheita e processamento do cacau para produzir matéria prima para chocolates finos. Ao término da oficina, o grupo produziu a primeira barre de chocolate da história da Terra Indígena Yanomami.
“Nós temos muitos conhecimentos da floresta. Fazemos cestaria, artesanato e vimos que esse nosso conhecimento pode gerar renda para as comunidades”, explica Júlio Ye’kwana, liderança local. “A gente estuda na cidade que o chocolate é feito do cacau. E vimos que uma plantação de cacau seria uma alternativa ao garimpo. Nós temos riqueza na natureza e não no subsolo. Temos riqueza aqui em cima e não precisa destruir. Em vez de destruir a gente planta mais, sem deixar ferida na nossa terra. A natureza não vai ficar irritada”, diz Ye’kwana.
Saraiva, que acompanhou o processo pelo ISA, diz que o objetivo dessa primeira oficina realizada em 2018 era também conhecer as variedades de cacau nativo, perceber o potencial da região e avaliar se a cadeia produtiva teria impacto econômico positivo. Logo se revelou a necessidade de ampliar a quantidade de cacau na região para conseguir o impacto econômico desejado.
Em 2019 aconteceu novo encontro e colheita de cacau – que deu origem a esse primeiro lote de chocolate Yanomami. Cacau de duas regiões da TIY – Waikás e Tototobi – entram na composição. A previsão é que um total de 1.142 pessoas, de cinco comunidades, sejam beneficiadas pelo projeto do Chocolate Yanomami. Para ampliar a produção de cacau, foram plantados 3 mil pés esse ano, e a expectativa é terminar o ano de 2021 com 7 mil pés.
Saraiva faz as contas: se cada pé produzir cerca de 600 gramas, serão geradas cerca de 4 toneladas de fruto para ser beneficiado e transformado em chocolate, o que já define um impacto financeiro importante para a região.
Júlio Ye’kwana diz que as comunidades estão animadas para trabalhar com o cacau e acreditam que, como o chocolate, iniciativas para gerar renda de forma sustentável são estratégicas para oferecer alternativas ao garimpo, sobretudo para os indígenas mais jovens.
O chocolate Yanomami pode ser adquirido pelo site do Chocolates De Mendes. E saiba mais sobre iniciativas socioambientais na plataforma Amazônia – Radar das ONGs.