Eventos climáticos extremos estão causando grande impacto nos países em desenvolvimento, principalmente na África e na Ásia, lar de algumas das maiores populações de jovens do mundo. Um aquecimento global de 2°C colocaria mais da metade da população da África em risco de subnutrição. Por isso, o debate sobre a justiça climática, que analisa a crise climática sob a ótica dos Direitos Humanos, tem ganhado força
Por Fernanda Macedo
[Foto: Rafael Antonio/ Flickr Domínio Público]
De forma ainda lenta, começa a cair a ficha no Brasil de que a agenda de clima passa também pelo combate às desigualdades. Um passo importante nessa direção foi dado na última Conferência do Clima (COP 25), em Madri, no dia 7 de dezembro, em debate promovido pelo Instituto Clima e Sociedade (iCS) no Brazil Climate Action Hub.
O debate “Justiça climática: as interseccionalidades de gênero, raça e classe na agenda do clima”, moderado pela coordenadora de comunicação do iCS, Andreia Coutinho, contou com a participação de Henrique Silveira, diretor-executivo da Casa Fluminense, Karina Penha, coordenadora do GT de Clima do Engajamundo, e Monica Rodrigues, cofundadora e promotora do movimento Ecofeminista em Madagascar e Cabo Verde.
No entanto, o evento quase não aconteceu. Programado para começar às 15h, o debate só se iniciou às 16h30, pois a mesa anterior, que contava com a participação de parlamentares brasileiros, extrapolou o tempo previsto para falas e ninguém foi capaz de interromper as autoridades, em sua maioria homens brancos.
Com o atraso, que já passava de uma hora, os organizadores pediram desculpas aos convidados da mesa sobre justiça climática. Com resignação, a resposta de um dos palestrantes foi: “Não se preocupe, já sabemos que tem voz são eles”.
Debate sobre justiça climática no Brazil Climate Action Hub, na COP 25. Foto: Fernanda Macedo
Fazer as mudanças necessárias no planeta para que a temperatura não suba mais que 1.5°C, exigirá uma correção de rumo sem precedentes. Esse momento de revisão profunda é também uma chance para colocar não apenas as emissões de gases de efeito estufa no centro das políticas, mas também as pessoas.
A realidade da mudança climática não será a mesma para ricos e pobres, mulheres e homens. A ciência mostra que os eventos climáticos extremos estão causando um grande impacto nos países em desenvolvimento, principalmente na África e na Ásia, lar de algumas das maiores populações de jovens do mundo. Um aquecimento global de 2°C colocaria mais da metade da população da África em risco de subnutrição, segundo o portal da ONU. Por isso, o debate sobre a justiça climática, que analisa a crise climática sob a ótica dos Direitos Humanos, tem ganhado força.
Durante o debate no espaço brasileiro da COP 25, Rodrigues falou da situação de vulnerabilidade das mulheres e mostrou um pouco da realidade do trabalho delas na Ilha de Santiago, Cabo Verde. “O homem se considera mais importante do que a natureza. Ele tem dificuldade de ver que existe uma relação e uma interdependência e, principalmente, os impactos que a natureza tem sobretudo na mulher, uma classe muito desvalorizada, ainda sem espaço na tomada de decisão. No contexto da mudança climática, homens e mulheres são afetados de formas diferentes, pois temos que avaliar a posição do indivíduo na sociedade”.
A Casa Fluminense levou uma mapa que ilustra o que Silveira chamou de racismo estrutural. As políticas públicas de transporte, um dos principais focos dos debates internacionais sobre mudança do clima, podem revelar o quanto a exclusão se tornou o padrão. Dos quase R$ 10 bilhões investidos em mobilidade urbana na cidade do Rio de Janeiro após os eventos olímpicos, R$ 8,5 bilhões foram gastos na expansão que levou o metrô à Barra da Tijuca, bairro de classe média alta, enquanto apenas R$ 1,2 bilhão foram investidos em melhorias dos trens da Supervia, que atendem muito mais pessoas de regiões de classes mais baixas. “A gente precisa construir pontes entre a agenda da igualdade e a do desenvolvimento sustentável”, afirma Silveira.
Penha, jovem maranhense, negra, estudante de biologia compartilhou como tem percebido a questão racial em sua trajetória como ativista climática. “Dentro da causa ambiental, eu me descubro como uma mulher negra. Começo a reconhecer a falta de representatividade. Sempre me incomodou muito ver gente discutindo sobre passado, presente e futuro sem ver a gente aí”, segundo ela. Trazer esse tipo de debate para a COP é muito importante, na opinião de Penha. “São as nossas histórias, é uma narrativa real”.
Nos discursos da ativista Greta Thunberg, que tem mobilizado jovens no mundo inteiro, a justiça climática está sempre presente. “O aspecto da igualdade é absolutamente essencial para fazer o Acordo de Paris funcionar em escala global. Isso significa que os países mais ricos precisam fazer a sua parte, reduzir as emissões muito mais rapidamente e, em seguida, ajudar os países mais pobres a fazer o mesmo”, afirmou Greta em seu discurso na COP 25.
Idealizadora do painel, Coutinho trabalha no iCS, organização que tem feito um importante trabalho de apoio à diversidade, como o mapeamento de profissionais negros na agenda climática. Ela afirma que “justiça climática, no contexto da COP, seria os negociadores considerarem como princípio fundamental a interseccionalidade. Não decidir apenas os avanços no Acordo de Paris, mas também exigir uma maior representatividade de gênero e raça entre os tomadores de decisão”.
Entre os resultados da COP 25, está o compromisso dos países para construir um novo Plano de Ação de Gênero, com o objetivo de ampliar a participação de mulheres nas negociações climáticas internacionais, mas não houve menção à questão de raça.