As atitudes adotadas pelo governo em relação ao meio ambiente, desde o início do ano passado, colocam o Brasil na periferia das nações do mundo, inaceitável para um país que já liderou as discussões sobre o destino do planeta
Por Carlos Bocuhy*
[Foto: World Economic Forum/Sikarin Fon Thanachaiary]
Apesar de inserido no grupo das nações mais ricas do mundo, o G-20, o negacionismo brasileiro sobre a mudança climática tem raízes em um modelo econômico anacrônico, em absoluta falta de sintonia com a contemporaneidade. As atitudes adotadas pelo governo em relação ao meio ambiente, desde o início do ano passado, colocam o Brasil na periferia das nações do mundo, inaceitável para um país que já liderou as discussões sobre o destino do planeta em razão de ter em seu território a Amazônia.
“O que torna um homem mais conservador: não conhecer nada, mas apenas o presente, ou não conhecer nada, mas apenas o passado”, dizia o economista britânico John Keynes, que se notabilizou por combater as ideias liberais. Talvez estas limitações sejam uma boa descrição para a ausência criativa do governo brasileiro, que se encontra distante dos desafios atuais para a sustentabilidade econômica mundial, conforme desenhados pelo setor econômico mais informado que marcou presença em Davos, durante o Fórum Econômico Mundial de 2019. Os riscos ambientais previstos para a próxima década ocupam quatro dos principais quesitos abordados no fórum, contra um que aponta a preocupante escalada bélica global. Na reunião do fórum deste ano, que começa hoje, o Brasil terá como representante apenas o ministro da Economia, Paulo Guedes, embora um dos temas principais seja exatamente a proteção do meio ambiente.
Para além de Davos, quando comparamos o que ocorre no Brasil ao progressista Green New Deal preconizado pela escritora Naomi Klein, constatamos que a inépcia governamental deixou o País na poeira de nações menos desenvolvidas. A criticidade construtiva com que Klein aborda o establishment, defendendo um novo pacto global lastreado na sustentabilidade, está anos-luz à frente das posturas do governo brasileiro, incapaz de manter protagonismo básico no cenário internacional – ou de defender internamente os interesses da sociedade brasileira, das futuras gerações e seus preceitos constitucionais.
A anunciada ausência do presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, em Davos, neste ano, demonstra não só o isolamento do País frente à comunidade econômica internacional, mas também seu apequenamento. Bolsonaro não tem nada de positivo a dizer ou demonstrar, já que suas ações no primeiro ano da gestão atingiram um grau de destrutividade ambiental coroada por declarações do tipo “fiz mesmo”, que fariam do caso do Fiat Elba de Fernando Collor de Mello um grão de areia perto de um rochedo.
A sensação é que o atual governo brasileiro representa a encarnação da República das Bananas. Réu confesso, será condenado pela História não apenas como inepto, mas por ter permitido a devastação da Amazônia e ferido de morte dispositivos constitucionais e instrumentos de gestão construídos ao longo de décadas.
Jamais poderá alegar ter exercido apenas sua capacidade discricionária, já que o conflito de interesses instalado no governo é de tal monta que, com o tempo, implodirá sua própria base e estrutura. Se o mote foi combater a corrupção, a emenda insustentável resultou tão ruim como o soneto.
A imagem do Brasil a partir do exterior, com a percepção baseada em desafios e parâmetros assentados pelo Fórum Econômico Mundial, demonstra todo o apequenamento a que fomos submetidos pela atual gestão. Mesmo que não haja concordância nossa de que o modelo representado em Davos seja aceitável, pois, como externam Klein e o economista francês Thomas Piketty, há pensamentos contemporâneos sobre economia muito mais progressistas. Fomos catapultados para a periferia das nações mais civilizadas ao negar quesitos civilizatórios básicos, o que inclui proteção ambiental, processos educacionais e desenvolvimento científico.
Naomi Klein é feliz ao profetizar: “Em vez de negar completamente a mudança climática, a direita agora as usará como justificativa para endurecer as fronteiras”. Se isso é verdade no muro de Trump no México e de Israel na Cisjordânia, também o é na declaração de que a “Amazônia é nossa”, visando de forma absurda à destruição de elementos protetivos e áreas protegidas para a exploração econômica, com a justificativa desarrazoada de soberania.
O governo se comporta de forma irresponsável e populista, sem demonstrar que conhece o que representam as externalidades econômicas ou a sustentabilidade ambiental. Ou seja, por fora do contexto, da Constituição e da lei. Não foi por menos que voltou da COP 25 em Madri de mãos vazias, quando tentava alavancar recursos para a proteção da Amazônia, com enfoque em “regularização fundiária”.
No capítulo que escrevi para o livro Responsabilidade Socioambiental do Agente Financiador, afirmo que “a agenda mais relevante e estratégica para a sobrevivência da humanidade ainda não galgou internacionalmente o patamar de institucionalização legal desejável, sendo este nosso maior desafio civilizatório: as mudanças climáticas”.
Anos depois, estamos assistimos perplexos a desconstrução no Brasil da agenda climática e dos avanços praticados pelos países mais desenvolvidos. Na representação do Proam ao Ministério Público Federal, demonstrando a inépcia do Ministério do Meio Ambiente frente à destruição da Amazônia, iniciamos com a frase das Catilinárias, do Cônsul Romano Cícero: Até quando, Catilina, abusarás de nossa paciência? Não vês que tua conspiração foi dominada pelos que a conhecem?
O Brasil está escrevendo, frente a uma comunidade internacional bem informada, este capítulo lamentável, em pleno século XXI. Estamos perdendo capital político internacional com a devastação da Amazônia para atendimento de interesses menores assemelhados aos da colonização predatória do século XVI – onde o governo se esconde no negacionismo climático, mesmo com a ciência reconhecendo a Amazônia como o grande indutor de chuvas e do regime hídrico continente adentro. Ao negacionismo climático soma-se o negacionismo da biodiversidade e das etnias.
Neste momento difícil, a postura dos atores responsáveis pela regularidade dos atos governamentais, como o Ministério Público e a Controladoria Geral da União, também ficará registrada na História. Certamente, como nós da sociedade civil devem estar se perguntando, ao constatarem que os extremos da Constituição Federal foram ultrapassados: “Até quando, Catilina, abusarás da nossa paciência? Por quanto tempo a tua loucura há de zombar de nós? A que extremos se há de precipitar a tua desenfreada audácia?”
*Presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam)