A Climate Ventures, em parceria de conteúdo com a Página22, mensalmente conta ao leitor histórias sobre negócios inovadores relacionados ao desafio climático. A Climate Ventures é uma plataforma de Bons Negócios Pelo Clima que existe para acelerar a economia regenerativa e de baixo carbono e reverter a mudança climática, desenvolvendo startups e conectando-as ao mercado e investidores. A seguir, a história da Bynd, que atua em Logística e Mobilidade:
Só mesmo uma pandemia para esvaziar as ruas e eliminar o tráfego pesado das grandes cidades. Mas, quando as atividades voltarem ao normal – possivelmente em alguns meses –, as pessoas voltarão a sofrer os problemas da mobilidade, que afetam o cotidiano da maioria dos cidadãos. É preciso se preparar para isso também. Pensando em como contribuir para uma mobilidade compartilhada e mais eficiente, um grupo de amigos se juntou para criar, em 2016, uma rede de caronas corporativas, a startup Bynd. Por meio de aplicativo, empresas com mais de 250 funcionários podem compartilhar seus trajetos em uma rede segura, dividindo assentos vagos em veículos que circulam pelas cidades.
A Bynd hoje atende 17 players, como Bradesco, Tegma, Cidade Center Norte, Schneider Electric, Coca-Cola, Sanofi, Unilever Valinhos e Caixa Seguradora. Possui mais de 25 mil usuários, intermediando 235 mil caronas, o que representa uma redução de 330 toneladas de carbono na atmosfera desde 2016, sendo 80% dessa redução em 2019. “De forma resumida, a Bynd tem a missão de devolver o tempo, a saúde e a cidade para as pessoas. Usamos a tecnologia para ocupar os assentos vazios nos carros, conectando pessoas de forma simples e segura por meio da carona em redes corporativas”, afirma um dos fundadores, Leonardo Liborio, em entrevista à Página22.
Economista formado pela Universidade de São Paulo, Leonardo Liborio possui experiência profissional em finanças e negócios, com passagem por bancos de investimento e consultorias. Foi um dos idealizadores e participantes da Expedição 4×1, uma viagem de carro compartilhada entre amigos por mais de 70 mil quilômetros, do Brasil até o Alasca, que transformou sua vida e seu propósito de carreira. É cofundador e diretor de Operações do aplicativo de carona corporativa Bynd.
Os demais fundadores da Bynd são o CEO Gustavo Gracitelli e o CTO Abraão Barros. Formado em Economia pela Universidade de São Paulo, Gracitelli trabalhou com vendas, desenvolvimento de novos negócios e no mercado financeiro. Já Abraão Barros é formado em engenharia da computação pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), onde presidiu o Centro de Empreendedorismo por dois anos. O CTO aprofundou os estudos na área na Universidade RWTH em Aachen, na Alemanha e já desenvolveu mais de 10 aplicativos para as mais variadas indústrias nos últimos cinco anos.
Em agosto de 2019, a empresa foi selecionada para o programa de aceleração do Facebook e Artemisia dentro da Estação Hack. Já em setembro, a Bynd recebeu R$ 1,2 milhão em investimentos por meio da plataforma EqSeed. Destacam-se, ainda, o convite realizado pela ONU e pelo Governo de Seul para apresentar a solução na Coreia do Sul e o primeiro lugar conquistado no InoveMob, desafio organizado pela Toyota Mobility Foundation e World Resources Institute, que garantiu um prêmio de R$ 400 mil.
Em tempo de isolamento social a empresa apoia as recomendações do Ministério da Saúde para contribuir com a contenção da disseminação do vírus. “Mas, para as atividades que seguirão presencialmente, continuaremos atendendo como uma opção mais segura que o transporte público. Limitamos o número de caroneiros para um passageiro, de forma a reduzir os riscos nesses casos”, afirma Liborio. A seguir, a entrevista:
Como surgiu a ideia de criar o aplicativo?
A Bynd nasceu da combinação entre uma experiência pessoal muito intensa e a identificação de oportunidades de mercado. Depois de passarmos por uma jornada transformadora de compartilhamento na Expedição 4×1 – viajando em cinco amigos, por 13 meses, de carro de São Paulo até o Alasca – vimos a oportunidade de levar essa experiência de compartilhamento para as pessoas, para um melhor deslocamento nas cidades.
Nos incomodava muito observar o excesso de carros trafegando com apenas uma pessoa, de forma tão ineficiente. Voltamos, então, com a vontade de empreender para buscar uma solução e começamos a entender como transformar essa ideia em um negócio. Nesse período, por meio de pesquisas, entendemos que mobilidade era uma grande dor para as empresas que sofriam com os impactos na qualidade de vida e produtividade do colaborador, além das altas despesas com vagas de estacionamento, combustível e afins.
Vimos no ambiente corporativo uma oportunidade para superar questões de segurança inerentes ao compartilhamento e também de ter massa crítica de pessoas que se deslocam rotineiramente para os mesmos lugares. Tudo foi se encaixando com a nossa experiência de compartilhamento.
Como o aplicativo funciona? Há algum pré-requisito para utilizar?
A Bynd conecta pessoas de uma rede confiável como empresas e outras instituições para que possam otimizar seu deslocamento diário, utilizando a tecnologia para ocupar os assentos vazios nos carros, por meio da carona. Oferecemos um aplicativo prático e fácil de usar, permitindo que pessoas e empresas economizem com transporte, fortaleçam o networking, melhorem a qualidade de vida e pratiquem sustentabilidade. Tudo isso em um ambiente seguro com redes fechadas e validadas, pois é preciso ser funcionário de uma empresa cadastrada conosco para participar da rede.
Como o aplicativo da Bynd difere de outros aplicativos de carona?
Primeiramente, porque é focado em carona corporativa. Isto é, a empresa contrata o Bynd, que oferece nossa tecnologia como um benefício para o seu empregado. Com isso, um dos pontos que nos diferencia de outras soluções de carona é a segurança, já que trabalhamos com redes fechadas (colaboradores da mesma companhia) e usuários validados (que aceitam oferecer ou pegar carona). Isso faz com que as pessoas se sintam muito mais confortáveis em compartilhar o trajeto com as outras.
Outro ponto importante é a nossa tecnologia, que através de algoritmos conecta pessoas diariamente de forma automática de acordo com as rotinas e preferências de cada um. O aplicativo é pró-ativo e facilita as conexões entre os usuários sem que ele precise ficar solicitando caronas ou confirmando dados diariamente. É tudo automatizado e simples de usar.
Uma pesquisa feita pelo Ibope, em 2018, mostrou que os moradores da cidade São Paulo, gastam, em média, 1h57 de deslocamento para sua atividade de trabalho ou estudo. Tudo isso gera um grande estresse diário. Você acredita que as caronas, além de diminuir o número de carros nas ruas, colaboram para dar mais leveza à vida aos trabalhadores no percurso diário?
Com certeza. Inclusive há evidências empíricas de que o deslocamento compartilhado proporciona uma experiência melhor de trânsito. Em 2019 lançamos o Índice de Mobilidade Corporativa, para traçar e avaliar o panorama de mobilidade corporativa no Brasil. Dentro desse trabalho, realizamos um estudo qualitativo com pessoas que se deslocavam pela cidade, e a carona foi indicada como uma forma de amenizar o estresse do trajeto. É como se o tempo passasse mais rápido ou fosse mais produtivo. Se antes a pessoa ia de transporte público, passa a ter uma opção confortável, inclusive com gasto menor de tempo, em alguns casos.
Qual o papel das empresas na questão da mobilidade urbana?
As empresas têm uma grande oportunidade de proporcionar melhor qualidade de vida, produtividade e saúde aos funcionários ao trabalharem esse tema. É justamente essa consciência que buscamos levantar. O papel delas no contexto da mobilidade urbana é primordial. Cerca de metade dos deslocamentos que ocorrem diariamente na cidade tem motivos relacionados ao trabalho. Imagine o impacto que teríamos para a população e a cidade como um todo se as empresas começassem a adotar práticas mais eficientes e sustentáveis de mobilidade?
Incentivar o uso de modais alternativos ao carro usado de forma individual e adotar boas práticas como horários flexíveis e home office, por exemplo, pode ser transformador nesse sentido.
Temos levantado essa bandeira para trazer as empresas para um lugar de protagonismo nessa transformação. Elas são responsáveis por movimentar muitas pessoas na cidade e podem agir para o bem dos próprios funcionários, delas mesmas e da cidade como um todo.
As empresas nem sempre estão abertas para novas ideias e as tratativas internas podem ser muito burocráticas. Qual apelo fariam para as grandes empresas? Por que contar com o Bynd?
O nosso apelo é para que as empresas comecem a agir, entendendo que hoje elas já possuem as ferramentas necessárias para impactar de forma significativa a qualidade de vida das pessoas através da mobilidade. Basta promover escolhas mais conscientes e sustentáveis de deslocamento dos colaboradores, que inclusive trazem benefícios diretos a elas próprias.
Colaboradores com mais tempo, saúde e qualidade de vida trazem mais produtividade e tendem a continuar na empresa, promovendo retenção de talentos, por exemplo. Isso sem contar as possibilidades de reduzir despesas de mobilidade e praticar a sustentabilidade, reduzindo emissões relacionadas ao deslocamento de pessoas.
De acordo com um estudo Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema), os carros, em São Paulo, são responsáveis por 72% das emissões de gases poluentes. Com as mais de 100 mil caronas que o aplicativo intermediou, desde sua criação, qual a quantidade de gases de efeito de estufa que foi evitada?
Hoje já ultrapassamos 235 mil caronas, o que representa uma redução de 330 toneladas de carbono na atmosfera.
Como oferecer segurança tanto para quem oferece quanto quem pega carona?
Justamente para criar um ambiente de compartilhamento mais seguro, nós trabalhamos apenas com empresas e instituições que nos permitam validar quem participa da rede. Não é possível acessar a rede se não for um colaborador ou membro de uma organização cadastrada conosco. Portanto, as caronas são compartilhadas apenas com colegas de trabalho ou pessoas que trabalham nas empresas vizinhas.
Com essa quantidade de caronas compartilhadas, muitas histórias interessantes devem surgir. Vocês têm alguma especial para contar?
Com certeza, histórias não faltam! Temos um caso muito curioso de duas pessoas de uma mesma empresa que se cadastraram no Bynd para compartilhar caronas. O aplicativo conectou as duas e, quando foram se encontrar para a carona, perceberam que já se conheciam. Eram colegas de escola que não se viam há muitos anos e que trabalhavam na mesma empresa e moravam no mesmo prédio, quase vizinhos de porta – mas não sabiam! Retomaram a amizade a partir das caronas, foi incrível.
O trabalho da Bynd contribui para o grande problema da mobilidade urbana e redução da emissão de carbono. Internamente, quais políticas da empresa estão alinhadas com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU?
A Bynd é signatária do Pacto Global da ONU e compartilha dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Para fora, buscamos impacto principalmente nos ODS 3 (Saúde e Bem Estar), 11 (Cidades e Comunidades Sustentáveis) e 13 (Ação global contra a mudança global do clima) por meio de uma mobilidade mais eficiente. Internamente, promovemos políticas que também vão ao encontro deles e de outros ODS. Por exemplo, incentivo ao uso de modais eficientes de deslocamento – vale-transporte sem desconto em folha, subsídio ao uso de bicicletas e trabalho remoto –; redução de uso plástico de uso único no escritório; remuneração independente de gênero e política de equidade no processo seletivo, que deve ter um número igual de homens e mulheres nas últimas fases.
O que significou para a Bynd vencer a 2ª Chamada de Bons Negócios Pelo Clima da Climate Ventures na categoria Logística e Mobilidade Urbana?
Ficamos muito felizes com esse reconhecimento. Foi uma validação de que estávamos no caminho certo para transformar a mobilidade nas cidades por meio do compartilhamento, e contribuiu muito para dar ainda mais credibilidade ao nosso discurso.
Cite um case de sucesso que admira na área de mobilidade urbana.
Um case que tenho admirado muito é o do Bradesco na administração da mobilidade da sua sede na Cidade de Deus, em Osasco (SP). A empresa, que é nossa cliente, disponibilizou mais de 200 vagas exclusivas de estacionamento dentro da sede para caronas com a intenção de promover essa prática entre os colaboradores. O projeto foi um sucesso. Em pouco mais de 1 ano, foram mais de 150 mil caronas e mais de 30% dos colaboradores cadastrados. Nesse período, mais de 200 toneladas de carbono equivalente deixaram de ser lançados à atmosfera ao usar uma mobilidade mais eficiente. Em paralelo, a empresa também disponibilizou ônibus elétricos para transportar os colaboradores dentro da sede para facilitar a locomoção interna.
Estamos diante da pandemia mundial da Covid-19. Quais as medidas tomadas pela empresa para seguir as recomendações da Organização Mundial de Saúde e manter a segurança dos colaboradores e usuários?
Quanto aos nossos colaboradores: as medidas são home office para todos até que a crise passe, reuniões virtuais, cancelamento de quaisquer eventos presenciais, acesso a cursos online e atendimento médico virtual.
Em relação aos usuários, apoiamos as recomendações do Ministério da Saúde de isolamento para contribuir com a contenção da disseminação do vírus. Mas, para as atividades que seguirão presencialmente, continuaremos atendendo como uma opção mais segura que o transporte público. Limitamos o número de caroneiros para um passageiro, de forma a reduzir os riscos nesses casos.
Divulgamos recomendações para a carona: viajar com vidros abertos, o passageiro deve sentar no banco de trás do lado oposto ao motorista, não ter contato físico e, claro, sempre lavar bem as mãos e usar álcool em gel.