A visão retrógrada sobre o EaD expõe problemas de ordem estrutural, que hoje são sentidos especialmente devido à quarentena. A educação infantil e fundamental são as mais críticas pois evitaram, por anos, a implantação de atividades lúdicas com ferramentas tecnológicas. Mesmo nas instituições de ensino superior, o uso de ferramentas foi limitado, sem explorar recursos digitais mais ricos e diferenciados
A quarentena imposta para evitar a propagação do Covid-19 mudou todos os segmentos de negócios, que agora precisam se reinventar e se reposicionar tornando essencial o uso dos recursos digitais. No comércio, redes varejistas passaram a trabalhar com portais e apps para assegurar descontos e fretes gratuitos nas entregas. Os restaurantes reforçaram o sistema de delivery, ampliando o número de canais de pedidos, via web, WhatsApp e até com mais números de linhas telefônicas.
Não muito diferente, o setor educacional também teve de se posicionar. Mas, ao fazer isso, descortinou uma série de atrasos naquilo que, para um olhar distraído, parecia ser um grande sinal de modernidade. O tradicionalismo retrógrado aplicado no segmento da educação, que afasta o EaD, agora se vê obrigado a recorrer a esta modalidade para reduzir a perda de conteúdo dos alunos em tempos de confinamento. O movimento, porém, esbarra em alguns problemas de ordem estrutural.
Algo que deveria ser natural, por conta das já existentes soluções disponíveis para o EaD, está se mostrando um verdadeiro desafio diante da falta de uma real visão sobre como fazer o uso de tecnologia e de metodologias diferentes no ensino. A miopia ronda desde os órgãos reguladores que, por força de manutenção de um modelo centrado no professor, limitam a porcentagens muito pequenas o ensino à distância tanto nos currículos da educação básica quanto da educação superior, até os mantenedores e gestores das unidades de negócios do segmento, as escolas.
O grande problema é que a proposta reguladora existente que abomina o EaD dentro dos Conselhos Estaduais de Educação, nas Diretorias de Ensino e até em órgãos vinculados ao MEC, faz com que as escolas não tenham estímulo a se modernizar e buscar metodologias de ensino e aprendizagem que utilizem recursos tecnológicos enfronhados em diversos outros segmentos. Como consequência, neste momento da História do homem, o ensino, em todos os níveis, ainda está na pré-história.
Assim, os grupos de educação básica têm preferido ofertar período de férias enquanto decidem como vão ofertar conteúdos para os alunos em suas casas. A educação infantil e fundamental são as mais críticas, na visão das instituições, pois evitaram, por anos, a implantação de atividades lúdicas com recursos tecnológicos. Na verdade, era mais econômico contratar estagiários de pedagogia para cuidar das crianças sem a preocupação real de pré-alfabetizá-las, inclusive tecnologicamente.
A falta de uso de recursos tecnológicos não está na dificuldade em se adaptar às ferramentas computacionais, e sim nas dificuldades dos mantenedores de se atualizarem à realidade e dos docentes contratados de buscarem diferentes estratégias lúdicas e motivadoras.
No caso dos sistemas de ensino, que ofertam seus conteúdos para as escolas se diferenciarem das concorrentes, associando suas marcas às das grifes destes sistemas de ensino, percebe-se que não se prepararam para contribuir no desenho de trilhas formativas destas escolas e só oferecem os mesmos conteúdos das apostilas em plataformas digitais (chamados de ambientes virtuais de aprendizagem). Dessa forma, as escolas não conseguem se diferenciar, pois todas são obrigadas a aplicar o mesmo conteúdo e com a mesma ferramenta.
Quando se trata da educação superior, onde o EaD é mais trivial, pois a oferta de qualquer curso presencial pode ter 40% de sua carga horária na modalidade online, percebe-se que as instituições também não fizeram a lição de casa. Na realidade, a grande maioria das Instituições de Ensino Superior (IES) replica na carga horária EaD a sua forma de ensino presencial.
Nesse sentido, o aluno precisa fazer uma atividade ou uma lista de exercícios sem uso de qualquer recurso tecnológico mais rico e diferenciado. Não à toa, os milhares de docentes do ensino superior constroem aulas com powerpoints, com vídeos caseiros produzidos sem qualquer metodologia, ou até recorrem a salas virtuais gratuitas para lecionar por 2 a 3 horas, falando para os seus alunos como se todos estivessem na mesma sala de aula física.
O preconceito contra a modalidade de Educação a Distância, mesmo após a total necessidade de aplicá-la neste período de isolamento social, ainda existe. Considerar que a oferta EaD é ilegal é totalmente equivocada, além das portarias do MEC 343 de 18 de março de 2020 e a 345 de 19 de março de 2020 que regulam e abrem opções neste momento de crise de operação, a própria Lei de Diretrizes e Bases traz que todos os cursos em qualquer nível podem ter até 20% a distância e continuarão sendo considerados presenciais.
Se o MEC precisou publicar duas portarias em menos de 48 horas para regular a liberdade de oferta na modalidade EaD pelas IES neste período de decisões rápidas e eficientes, imagine como está enferrujado o setor educacional.
Deixar de identificar a total adesão da modalidade EaD para os cursos de educação básica nas etapas infantil, fundamental e subsequentes é desconhecer os aspectos de aprendizado e cognição das gerações alfa, X e Y que nascem hábeis na utilização de recursos tecnológicos.
A modalidade EaD não despreza os importantes papéis de mediação, orientação, e definição de trajetória do professor, mas tira dele o papel de ser o único provedor de conhecimento e de informação. A modalidade EaD exige maior autonomia, motivação, comprometimento e busca do aluno. Assim, além de aprender, ele passa a assumir posições e desenvolver atitudes fundamentais na formação de um cidadão e profissional autônomo, demandado no mercado e na sociedade moderna.
Desprezar a aplicação da modalidade EaD na oferta da Educação Básica é desconhecer tecnologias atuais, mídias e repositórios de conteúdos com atividades lúdicas e de integração e esquecer programas educativos como Vila Sésamo, Glub Glub, Sítio do Pica Pau Amarelo, que contribuíram para a formação de gerações e que hoje se integram com outros mais dinâmicos.
* César Silva é diretor presidente da Fundação de Apoio à Tecnologia (FAT) e docente da Faculdade de Tecnologia de São Paulo (Fatec-SP) há mais de 30 anos. Foi vice-diretor superintendente do Centro Paula Souza. É formado em Administração de Empresas, com especialização em Gestão de Projetos, Processos Organizacionais e Sistemas de Informação.