Esta crise abre a oportunidade de avaliar o que realmente é importante – valores que não podem ser medidos apenas pelo PIB. Para buscar prosperidade com qualidade de vida, outros indicadores se fazem necessários
A crise do coronavírus está levando a sociedade humana a uma profunda reflexão. O Brasil e os demais países poderão sair desse momento difícil com mais respeito à vida e com prioridades que vêm sendo esquecidas nas últimas décadas. Ou voltar seus esforços novamente ao lucro fácil e ao business as usual, ou seja, aos negócios acima de tudo.
A economia será retomada de forma gradual, mas é preciso, antes de mais nada, aproveitar o aprendizado da crise com um respeito ainda maior à vida. Temos essa escolha. É o momento de mudar de patamar para uma maior consciência sobre o que realmente é importante para a humanidade.
O Brasil, particularmente, precisa de um novo modelo de desenvolvimento. As políticas públicas têm que ser devidamente justificadas e motivadas. As prioridades de bem-estar social, para a valorização da qualidade de vida, devem ser implementadas como fundamentais, a começar das questões basilares, com a universalização do saneamento, grave problema de saúde pública e que, durante a Covid-19, demonstra ser um perigoso vetor de transmissão. Um dos Estados com pior nível de saneamento, a Amazônia, vem sofrendo duramente com a transmissão da doença.
É necessário também estabelecer indicadores mais apropriados para a humanidade do que a simples medição da riqueza. Os conceitos atuais do Produto Interno Bruto (PIB) não fazem distinção se esta “riqueza” é boa ou má, se polui ou não, se devasta ecossistemas essenciais como a Floresta Amazônica ou coloca em risco a humanidade com o aquecimento global.
Ao observarmos as políticas públicas de um governo, revelam-se as prioridades. Como são identificadas e eleitas essas prioridades? Quais as suas justificativas e motivações?
O Acordo Regional sobre o Acesso à Informação, à Participação Pública e Acesso à Justiça em Assuntos Ambientais, também conhecido como Acordo de Escazú, de 2018 – um dos documentos mais contemporâneos e progressistas sobre transparência e participação social já assinados pelo Brasil – preconiza: “A decisão deve conter seus motivos e seus fundamentos. Os que decidem precisam mostrar, com clareza, as razões de sua decisão. A decisão passa a ser arbitrária se não apresentar seus motivos e se eles não puderem sustentar ou fundamentar a conclusão tomada. Essa é a marca especial da democracia: a obrigação de quem governa de explicar e mostrar os motivos de suas decisões”.
Um dos principais objetivos dos governos é sua realização econômica, visando demonstrar que em sua gestão o caixa fechou de forma bem-sucedida. Para os países, de forma quase unânime, isso é representado com a referência do PIB, que mede a geração nacional de riqueza. Em decorrência do PIB projetam-se a arrecadação de impostos e as possibilidades de investimentos em bens públicos, como educação e saúde.
Aumentar o PIB passou a ser a prioridade máxima da maioria dos países, em que pese o desencanto demonstrado pelo seu próprio criador, Simon Kuznets, segundo afirma a historiadora Diane Coyle, da Cambridge University: “O PIB acabou por ser muito diferente de sua intenção original, ou seja, sua medida de bem-estar econômico acabou virando uma medida da atividade na economia”.
Longe de utopia, o que devemos almejar é a adoção da bússola da sustentabilidade. Passa pela ética para com a vida em sua mais abrangente concepção, que é prosperar em qualidade de vida. Riqueza deve ser prosperar em qualidade de sobrevivência – sentido mais profundo da sustentabilidade.
*Carlos Bocuhy é presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam)
[Foto: AbsolutVision/ Unsplash]