A reunião de 22 de abril não descobriu o Brasil – já se sabia do estilo autoritário, desrespeitoso, preconceituoso, violento, chulo e tantas vezes anticonstitucional da gestão de Jair Bolsonaro. O que a reunião ministerial de 22 de abril de 2020 fez foi escancarar o Brasil dos tempos atuais e o expor a quem preferia fazer “cara de paisagem”. Contribuiu para descortinar o perfil de integrantes de sua equipe a quem ainda tivesse alguma dúvida.
Uma das passagens mais estarrecedoras partiu do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que viu na tragédia da pandemia – na ocasião contabilizando cerca de 20 mil mortes –, uma oportunidade para o MMA atuar, mais do que nunca, como um braço das alas ruralistas e empresariais retrógradas do País.
Na reunião, sugeriu que aproveitasse a “distração” da mídia, segundo ele voltada apenas à cobertura da pandemia, para enfraquecer o regramento ambiental brasileiro, dando sequência ao desmonte que vem sendo praticado por sua pasta desde que assumiu. Salles fala em “ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas [ambientais] (…) de baciada”.
Sem perceber, o ministro acabou fazendo um elogio ao jornalismo, ao reconhecer o poder de fiscalização da imprensa e sua capacidade de coibir os desmandos. Também sem querer, mostrou à grande mídia quão importante é se dedicar à cobertura de assuntos ambientais, estratégicos para o País. Não deveria ser mais necessário repetir que constituem nada menos que a base de sustentação da economia, da sociedade, da vida.
No mínimo desastrosas, as declarações repercutiram pessimamente em todo o mundo. O governo terá de ser explicar em uma sessão da Organização das Nações Unidas em setembro. Ao agir da contramão das economias mais desenvolvidas, que pretendem atrelar a retomada pós-covid a investimentos verdes, o Brasil queima dinheiro ao jogar fora a oportunidade de ser um protagonista de peso, com seu potencial ambiental único no planeta.
A reunião de 22 de abril explica, de forma sintética e didática, por que o Brasil está se tornando um pária internacional, alijado dos debates internacionais onde já brilhou, especialmente na área ambiental, climática e diplomática.
A elite econômica brasileira, das alas mais progressistas às conservadoras, deveria posicionar-se também para evitar que o cenário se deteriore ainda mais. É preciso combater o radicalismo retrógrado que destrói nosso imenso capital natural, gera pobreza e exclusão, desmoraliza nossa reputação e fecha as portas comerciais. Com base no European New Deal, países europeus já manifestaram a intenção de banir fornecedores problemáticos, evitando o que chamam de desmatamento importado. Com a próxima estação seca na Amazônia, as queimadas deverão explodir e ganhar novamente o foco mundial, uma vez que as políticas de controle de desmatamento foram desidratadas pelo próprio governo.
Ministro Ricardo Salles, nenhuma boiada passará. Todo mundo está de olho.
Esta nota de repúdio da Página22 faz parte de uma campanha que reúne diversas mídias ambientais independentes e a Rede Brasileira de Jornalismo Ambiental (RBJA).
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[Foto: Lula Marques/ Fotos Públicas]