De que forma o relato de sustentabilidade pode apoiar organizações a gerir riscos e oportunidades diante de eventos disruptivos como a pandemia do novo coronavírus
O mundo não voltará a ser o mesmo após a pandemia do novo coronavírus (Covid-19). Em artigo publicado pelo Financial Times, o historiador Yuval Harari, defende que essa seja talvez a maior crise da nossa geração. Segundo ele, as decisões tomadas pelas pessoas e pelos governos no enfrentamento da pandemia provavelmente moldarão o mundo nos próximos anos. Moldarão não apenas nossos sistemas de saúde, mas também nossa economia, política e cultura.
Enquanto torcemos para o desenvolvimento de uma vacina para imunização contra o Covid-19, podemos tomar decisões individuais e coletivas para acelerar uma nova economia que sirva às pessoas e contribua para a regeneração dos sistemas que sustentam a vida.
No artigo, Harari recomenda que, “ao escolher entre alternativas, devemos nos perguntar não apenas como superar a ameaça imediata, mas também que tipo de mundo habitaremos quando a tempestade passar.”
A fim de lançar luz em relação a essas questões, compartilhamos a seguir algumas reflexões na perspectiva do relato de sustentabilidade.
Tomada de decisão com base em dados científicos:
Há pelo menos cinco anos, o relatório anual de riscos do Fórum Econômico Mundial alerta sobre eventos disruptivos como pandemias e a crise climática. O exercício da materialidade proporcionado pelo relato de sustentabilidade seguindo as normas da GRI permite identificar e avaliar essas macrotendências, incluindo-as no planejamento estratégico e subsidiando a tomada de decisão com base em dados, considerando os cenários traçados pelos cientistas.
Transparência para ações coletivas e coordenadas:
Diante de novas ameaças como o Covid-19, os governos e organizações devem agir com transparência a partir de mensagens-claras e responsáveis, o que requer embasamento científico. Nossa capacidade de resposta a essa ameaça pouco conhecida, depende muito do respaldo da comunidade científica, da disseminação de informações precisas por meio da imprensa, para construção de ações coletivas e coordenadas em âmbito global.
Transformação dos modelos de negócios:
O relato de sustentabilidade pode ser um instrumento para mudar comportamento corporativo e construir resiliência para os negócios, economia e sociedade. Diante da pandemia do Covid-19, vemos empresas de todo o mundo redirecionando suas linhas de produção, processos e serviços para prover itens de primeira necessidade como máscaras, álcool gel e até mesmo construir hospitais para enfrentar a pandemia. Assim, a crise atual tem ajudado a resgatar a função social dos negócios. Esse movimento sinaliza que empresas podem e devem transformar seus modelos de negócios para desenvolver soluções voltadas a atender as necessidades das pessoas, considerando os limites planetários. Isso implica operar respeitando a capacidade de carga do Planeta, tanto em termos de demanda por recursos, quanto na geração de resíduos. Para isso, basta seguir a lógica circular e regenerativa da natureza.
Mensuração financeira de impactos ASG:
Um dos principais aprendizados da atualidade consiste em compreender as causas estruturais da crise atual. Conforme esta carta aberta aos líderes mundiais, publicada pelo Clube de Roma, cerca de 70% das doenças infecciosas emergentes como Ebola, gripe aviária, Sars e agora coronavírus (Covid-19) são originárias de animais (principalmente selvagens). Seu surgimento resulta de atividades humanas que levam à perda de diversidade, como desmatamento, expansão de terras agrícolas e aumento da caça e comércio de animais silvestres. Por isso, precisamos direcionar esforços para mensuração financeira dos impactos e dependências dos negócios em relação a aspectos ambientais, sociais e de governança. Afinal, somente pode ser gerido aquilo que é medido. Assim, esses aspectos ASG podem integrar efetivamente a tomada de decisão, proporcionando uma gestão de riscos e oportunidades mais eficaz e com maior resiliência para os negócios.
Construção de alternativas para uma nova economia:
Este é o momento de os líderes terem coragem e sabedoria para aproveitar a oportunidade de tornar seus planos de recuperação econômica verdadeiramente transformadores, investindo nas pessoas, na natureza e no desenvolvimento de baixo carbono. Isso requer investir de forma contínua e consistente em áreas-chave como energia renovável em vez de combustíveis fósseis; Soluções baseadas na Natureza; investir em sistemas alimentares sustentáveis e agricultura regenerativa; direcionar seus esforços de inovação e planejamento estratégico para desenvolver soluções voltadas a atender as necessidades das pessoas seguindo a lógica circular e regenerativa da natureza.
Gláucia Térreo é diretora-executiva da Global Reporting Initiative (GRI)*
Juliana Lopes é fundadora da PulsarCom**
[Foto: Obi Onyeador/ Unsplash]