Quanto maior a lacuna entre os gêneros na posse dos aparelhos de celular, pior a inserção no mercado de trabalho. É o que mostra estudo da Universidade de Oxford, ao analisar a desigualdade digital de gênero em países da América Latina e Caribe. As mulheres estão em desvantagem em 17 dos 23 países da região analisados
O número de mulheres que possuem telefones celulares é menor que o de homens nos países da América Latina e do Caribe. Entre os que possuem o aparelho, também é menor o número de mulheres conectadas às mídias sociais. A discrepância entre os gêneros aumenta ainda mais quando se faz uma correlação com local de residência: mulheres que moram em territórios rurais são, entre todos e todas, as mais desconectadas. É o que mostra o estudo Desigualdade digital de gênero na América Latina e no Caribe, realizado pela Universidade de Oxford, sob coordenação da cientista social italiana Valentina Rotondi. As mulheres estão em desvantagem em 17 dos 23 países da região analisados.
O tema estudado ganha uma relevância adicional em tempos de Covid-19. A pandemia acelerou mudanças nas formas de produção e nas redes de comercialização de todo tipo de produtos, como alimentos e outros bens fornecidos pelo campo. Para os pesquisadores, a disseminação dos telefones celulares tem sido uma forma promissora de diminuir a exclusão digital. “A rápida difusão dos telefones celulares mostrou potencial para reduzir a exclusão digital e afetar positivamente a economia e o desenvolvimento social. Os dispositivos móveis são computadores baratos, fáceis de usar e eficazes”, diz Rotondi.
Para os pesquisadores, nas áreas rurais, os telefones celulares têm um papel ainda mais importante na promoção de oportunidades iguais entre pessoas. Ao contrário de computadores de mesa ou laptops, telefones celulares não requerem um processo de aprendizagem sofisticado ou habilidades que muitas vezes faltam às mulheres rurais nos países com mais baixa renda.
O estudo apresenta também uma correlação entre a lacuna de gêneros na posse de telefones e as três medidas de empoderamento utilizadas pela Organização Mundial do Trabalho (OIT): proporção da taxa feminina de emprego vulnerável em relação à masculina; força de trabalho feminina em relação à masculina; e desemprego juvenil feminino em relação ao masculino. Eles concluíram que, de modo geral, quanto menor a diferença de gênero na posse de celulares, melhores são as perspectivas para a inserção de mulheres no mercado de trabalho e menores são as disparidades entre os gêneros em trabalhos vulneráveis e desemprego juvenil.
A proporção de pessoas que possuem telefones celulares nos países analisados aumentou cerca de 80% em 2017 e 45% desde 2006, segundo os dados da Pesquisa Mundial Gallup. E o estudo da Universidade de Oxford aponta que a lacuna entre os gêneros na posse de celulares diminuiu na última década, porém, voltou a piorar nos últimos cinco anos. Apesar de haver discrepância entre os gêneros na maior parte dos países da região, há exceções. Enquanto no Brasil e na Argentina a situação é de quase paridade, na Guatemala e no Peru a diferença cresce. Já no Chile e no Uruguai, a proporção tende a favorecer as mulheres.
Para medir a diferença entre os gêneros na conexão nas mídias sociais, os pesquisadores utilizaram dados sobre a composição de gênero dos usuários do Facebook, a rede mais utilizada na região pesquisada. O resultado mostrou que as taxas de penetração entre homens e mulheres na América Latina estão bastante equilibradas na comparação com países da África Subsaariana e da Ásia. Mas há diferenças internas na região: Brasil, Argentina, Venezuela, Colômbia, Suriname, Uruguai e Paraguai são países onde as mulheres têm maior probabilidade de serem usuárias de Facebook, enquanto no México, na Nicarágua e na Guatemala os homens são os mais ativos.
Os dados da América Latina e Caribe refletem, até certo ponto, os dados globais. De acordo com o último informe divulgado pela União Internacional de Telecomunicações (UIT), somados todos os países do mundo, as mulheres ainda perdem para os homens no sentido de se beneficiarem do poder de transformação das tecnologias digitais. Mais da metade da população feminina global (52%) ainda não usa internet, em comparação com 42% de todos os homens.
A literatura das ciências sociais sugere, segundo o estudo, que os telefones são especialmente valiosos para as mulheres, pois proporcionam um certo grau de libertação ao permitirem que reduzam seus medos e a sensação de isolamento. De acordo com Rotondi, esse efeito seria ainda maior em contextos de baixa renda, em que as mulheres tendem a enfrentar grandes obstáculos em sua vida diária, com menos oportunidades de expressar suas preocupações, pontos de vista, ideias ou planos, e de formar redes para, por exemplo, encontrar trabalho ou abrir negócios. “Telefones celulares podem melhorar a capacidade de resposta dessas mulheres e apoiar seu desejo de trabalhar fora de casa”, enfatiza.
Para o diretor-geral do IICA, Manuel Otero, a pesquisa revela também que o acesso reduzido a telefones celulares e à internet se soma a diversos problemas enfrentados especialmente pelas mulheres do campo, como as barreiras à obtenção de financiamento, ao emprego formal e à propriedade da terra. “Isso mostra um quadro de desigualdade que gera obstáculo para que a mulher rural desenvolva seu potencial tanto para a produção agropecuária como para a estabilidade de sua família”, disse Otero.
O presente trabalho se concentrou na denominada exclusão digital de primeiro nível, ou seja, mediu apenas o acesso às tecnologias de informação e comunicação (TIC), mas os pesquisadores advertiram sobre a necessidade de se avançar também em uma pesquisa de segundo nível, que se refere aos dados sobre as competências necessárias para a utilização mais plena das tecnologias.
O estudo da Universidade de Oxford não deixou de fora a correlação do tema com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). O cumprimento de alguns dos 17 ODS está fortemente relacionado ao acesso às TIC. Os países que não conseguirem reduzir a exclusão digital entre os grupos populacionais mais desfavorecidos dificilmente alcançarão os ODS relacionados à igualdade de gênero, saúde da população, bem-estar infantil, educação de qualidade, inovação industrial e cidades sustentáveis.
Acesse o estudo em português aqui.