A governança tem tido um papel menor entre os critérios ESG. Em vez de ficar restrito apenas ao controle financeiro, o G tem de ser visto como um elo de proteção, com fundamental importância para toda a estrutura relacionada a questões sociais e ambientais
Entre as muitas coisas que se pode dizer a respeito de 2020, uma é que o ano tem consolidado a importância das preocupações socioambientais no ambiente corporativo e financeiro, traduzidas pela sigla em inglês ESG, ou ASG em português.
Vários casos divulgados pela mídia mostram que a falta de práticas ligadas a estes conceitos faz com que as companhias percam relevância junto ao mercado e aos investidores. Por outro lado, começam a surgir números que dimensionam o tamanho da movimentação em torno do assunto.
De acordo com o relatório Risco Governança Corporativa e Compliance da Fortune Business Insights, as atividades ligadas à governança corporativa movimentam hoje cerca de US$ 21,72 bilhões no mundo e devem aumentar para US$ 57,57 bilhões até 2026.
No Brasil, o cenário é outro. A governança cresceu, mas ainda há pouca penetração e os exemplos são sempre os mesmos. A primeira avaliação feita a partir da Métrica de Governança Corporativa, do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) mostrou que as empresas de capital fechado se encontram em estágio inicial no que diz respeito à adoção das boas práticas de governança corporativa. Em média, a pontuação é de 34,6 em uma escala que vai de zero a 100.
Ao olharmos o mercado brasileiro como um todo, o percentual das empresas que atuam com governança é baixo indicando, portanto, grandes espaços para melhorias. As expectativas são de que isto realmente ocorrerá, uma vez que o crescimento do interesse pelo assunto é proporcional às mudanças de comportamento dos stakeholders que exigem cada vez maior transparência e uma postura responsável.
No entanto, o que fica evidente dentro deste debate é que o S (Social) e o E (Environmental), parecem ter ganhado papel central nas discussões, enquanto o G (Governance) ocupa um papel secundário, muitas vezes, só figurando na sigla. Essa postura é equivocada porque, ao negligenciar a governança, as empresas não conseguem sequer garantir que suas políticas de boas práticas nas esferas sociais e ambientais foram debatidas e aprovadas.
A governança é justamente o elo que faz a conexão com as outras partes da engrenagem para assegurar que os valores de uma organização estejam estabelecidos em uma sólida gestão de risco e, portanto, preparados para evitar desvios de conduta e fazer com que tais práticas não sejam apenas uma informação divulgada ao mercado, mas que se mantenham alinhadas com toda política da empresa, sendo parte de seus princípios.
O resultado da falta de uma maior conexão da governança com as demais iniciativas do ESG foi captado em um estudo da ONG ambientalista Ceres. A entidade apontou que 62% das organizações declaram ter supervisão sobre as questões de sustentabilidade no Conselho. Apesar disso, apenas 13% delas apresentam práticas robustas a esse respeito. O estudo ainda indica que somente 18% das companhias discutem questões de sustentabilidade nos Conselhos, comitês de risco ou de auditoria. Tal postura é claramente um equívoco.
O Código Brasileiro de Governança Corporativa afirma que os temas da sustentabilidade precisam estar vinculados às questões estratégicas, aos processos decisórios, aos impactos na cadeia de valor e aos relatórios periódicos. Isso só é possível com uma estrutura sólida de governança e com a presença de conselheiros comprometidos.
A governança bem executada deve desempenhar um papel transversal junto aos projetos sociais e ambientais das corporações. Desta forma, não se pode atribuir a qualquer letra desta sigla ESG qualquer tipo de posição em imagináveis rankings de importância. As decisões de uma companhia passam, ou deveriam passar, por um planejamento estratégico bem estabelecido que somente uma estrutura sólida de governança pode oferecer. É necessário que haja governança em iniciativas sociais, assim como é imprescindível a governança em ações ambientais.
Em vez de ficar restrita apenas ao controle financeiro, a governança tem de ser vista como um abrigo que protege e, portanto, possui fundamental importância para toda a estrutura, relacionada a questões sociais, ambientais, ou qualquer outra.
Que em 2021 o ESG conquiste ainda maior espaço nas decisões das empresas por todo o mundo. Certamente os valores inseridos nesta sigla representam a contribuição do setor corporativo para o compromisso de entregar um mundo melhor às futuras gerações. Mas isso só será uma verdade prática se o G obtiver o reconhecimento de sua verdadeira importância.
*João Castro e Ronald Bozza são sócios fundadores da BR Rating, primeira agência de classificação de risco e avaliação dos sistemas de governança corporativa do Brasil.
[Foto: Nicolas Lindo/ Unsplash]