Mesmo sendo as mais afetadas pela mudança do clima, e com conhecimento que poderia enriquecer a formação de planos climáticos, as mulheres enfrentam barreiras nas discussões sobre o tema, segundo estudo realizado pelo Imaflora em Piracicaba. Outras minorias também são alijadas dos debates
Uma análise inédita no Brasil investigou as formas de abordagem da questão de gênero nos planos climáticos municipais, tendo como estudo de caso uma iniciativa em Piracicaba, cidade do estado de São Paulo. Por meio do desenvolvimento do Plano Participativo de Adaptação e Mitigação do Clima, organizado pelo projeto do Imaflora “Pira no Clima”, o estudo encontrou, como principal resultado, que os diagnósticos e o mapeamento das zonas climáticas convencionais ainda não incorporam as percepções e necessidades diferenciadas das mulheres. Além disso, problemas estruturais afetam a maneira como mulheres e outros grupos marginalizados, como pessoas transexuais e negras, acessam os espaços de discussão.
A partir de uma revisão dos métodos utilizados para estimular a participação de mulheres no conteúdo do Plano e da observação de reuniões e interações específicas desse tema, o estudo apurou que existe uma dificuldade em mapear e inserir ações de planejamento que contemplem as diferentes necessidades de acordo com gênero e sua amplitude.
Um dos motivos identificados pelo estudo é que o tempo de palavra dado às mulheres ainda é pequeno e prevalecem as visões do problema climático do ponto de vista dos homens. Apesar da presença de mulheres em espaços participativos ser de mais de 75%, há um monopólio predominantemente masculino das falas.
Foi observado, ainda, que é comum haver uma falta de homens para a discussão de temas relacionados à população vulnerável à mudança climática, como “gênero” ou “desigualdades sociais”, o que demonstra uma segregação de pautas e dificulta a queda de obstáculos que afetam ambos os gêneros, mas de forma diferenciada nos dois campos.
Isabel Garcia-Drigo, coordenadora de projetos em Clima e Cadeias Agropecuárias do Imaflora e uma das autoras do estudo, explica que o comportamento e as expectativas em relação aos diferentes papéis que homens e mulheres exercem na sociedade influenciam na forma como ambos os grupos lidam com as questões ambientais.
“Cada gênero é afetado pelas consequências das mudanças climáticas de uma maneira diferente. O grupo feminino seria o mais afetado por já ter de lidar com atribulações decorrentes de padrões preestabelecidos para mulheres. Mesmo sofrendo mais o impacto da mudança climática, as mulheres ainda são vistas como ‘incapazes’ e alcançam menos papéis de liderança em ações de mitigação”, afirma.
Como mudar esse cenário
Uma das principais lições que pode ser tirada da experiência em Piracicaba é a necessidade de ampliar processos que permitam disseminar metodologias e criar ambientes seguros que trabalhem com participação e equidade na elaboração de Planos Climáticos nos municípios brasileiros. Segundo o estudo, a escuta da perspectiva feminina e de outros grupos vulneráveis em geral ainda é defasada em relação ao protagonismo que deveriam ter na agenda climática do Brasil.
Além disso, é essencial criar um ambiente onde haja a identificação de vulnerabilidades e ameaças relacionadas a gêneros e, para isso, é preciso valorizar conhecimentos específicos que estejam preparados para captar essas particularidades.
Como exemplo, um risco socioclimático importante relacionado às mulheres é o desenvolvimento de doenças na gravidez, geralmente potencializadas em altas temperaturas, como a pré-eclâmpsia. Também existem as casas chefiadas por mulheres em áreas de ameaça climática, como enchentes, que podem indicar múltiplas jornadas de trabalho e, portanto, e impactos amplificados na família. Esses conhecimentos estão atrelados à importância de ter um mapeamento de riscos socioclimáticos por meio de uma coleta de dados in loco para entender riscos, considerando as diferenças de gênero.
Drigo faz uma análise sobre quais deveriam ser os próximos passos. “É preciso aumentar e ampliar a pesquisa sobre os processos de construção dos planos de mitigação e adaptação à mudança climática no nível local e, dessa maneira, formar um corpo de conhecimento empírico que seja útil para informar melhores políticas públicas de clima. O Pira no Clima se propõe a fazer esse processo e reflexão, mas isso precisa ser ainda mais estimulado tanto nos meios acadêmicos quanto no âmbito das organizações não governamentais que lidam com o tema”, finaliza.
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[foto: Sarah Ahearn/ Flickr]