Relegar a governança corporativa ao último plano pode afetar a qualidade do crédito e destruir valor para investidores em ações e títulos. Se tivéssemos títulos vinculados a metas de governança, os objetivos sociais e ambientais certamente seriam alcançados com mais rapidez e efetividade
Com o mercado de capitais aquecido (já são mais de 3 milhões de pessoas físicas na B3), somada à atual abundância de recursos no mundo todo – com sucessivos recordes nas bolsas internacionais e no Brasil – e mais a pressão por investimentos em empresas com ações socioambientais, os títulos ligados à sustentabilidade estão vendendo como água. Exemplos recentes foram as emissões dos sustainability-linked bonds de Suzano e Klabin, que tiveram demandas chegando a nove vezes a oferta.
É ótimo constatar que compromissos com critérios de sustentabilidade trazem bons retornos financeiros para as empresas. No entanto, a onda dos green bonds tem negligenciado a governança corporativa, que é um dos pilares do ESG – e fundamental para o desenvolvimento dos negócios.
Neste artigo, pretendemos demonstrar como títulos com metas de governança podem gerar maior valor para emissores e investidores; e apontar alguns compromissos possíveis nesta área.
Modelos de títulos sustentáveis
Existem hoje duas formas de levantar recursos com base em títulos de sustentabilidade: os green bonds, social bonds ou sustainability bonds financiam ativos que tenham compromissos ambientais ou sociais; enquanto os títulos ligados ao desempenho de sustentabilidade (sustainability-linked bonds) contam com metas ambientais, sociais ou de governança, mas o dinheiro não precisa ser destinado a projetos nessas áreas.
O fato de estes recursos não serem carimbados tem gerado questionamentos no mercado. Há quem acredite que as empresas podem utilizar metas sustentáveis sem um compromisso efetivo com a sociedade ou com o planeta. Seria apenas um novo meio de capitalização mais barata ou uma versão de greenwashing?
De fato, os títulos verdes ou de sustentabilidade se concentram, por enquanto, apenas em ações e metas ambientais e raramente nas sociais. Infelizmente, ainda não vemos papéis atrelados a metas de governança – o que é lamentável, pois, no tripé ESG, este último pilar é o que garante transparência, equidade e amadurecimento na gestão da empresa.
Estou seguro em afirmar que, se tivéssemos títulos vinculados a metas de governança, os objetivos sociais e ambientais certamente seriam alcançados com mais rapidez e efetividade.
Acreditar que não há necessidade de evolução na governança das empresas brasileiras é, no mínimo, muita pretensão dos emissores, além de demonstrar baixa preocupação com o escrutínio dos investidores.
Não há dúvidas de que relegar a governança corporativa ao último plano pode afetar a qualidade do crédito e destruir valor para investidores em ações e títulos. Sabemos que os fundamentos do ESG desmoronam se não houver atenção à governança.
Portanto, se o mercado de títulos sustentáveis continuar baseado apenas em metas ambientais é questão de tempo para entrarmos em uma era de green defaults – com o não-cumprimento de compromissos assumidos com os investidores.
Alinhamento de interesses
Naturalmente, os interesses dos detentores de títulos são os mesmos de qualquer acionista: o crescimento das empresas em bases mais sustentáveis. No entanto, boa parte dos investidores ainda não cumpre seu papel de donos do negócio, e muitos gestores de investimento deixam de exercer seu dever fiduciário – de zelo com as ações de seus clientes (stewardship).
Somente com este olhar dos investidores para a governança, o circuito da sustentabilidade se fecha. Por isso repetimos sempre a recomendação de que acionistas de todos os portes – e também detentores de títulos – devem acompanhar de perto as empresas investidas, em especial a atuação dos conselhos de administração, garantindo que estes tenham mais qualidade e independência nos direcionamentos aos negócios.
Compromissos práticos
Antes de listar metas de governança para os títulos de sua empresa, lembre-se: governança corporativa não é sinônimo de excesso de controle ou burocracia, mas sim de transparência, equidade e de amadurecimento do negócio – como já dissemos.
Com mais foco em governança, as empresas podem emitir títulos com metas realistas e que garantam bons resultados. Por exemplo:
- Aumento de diversidade nos conselhos;
- Aumento do número de conselheiros independentes;
- Remuneração dos executivos C-Level (de alto nível) atrelada a metas ESG;
- Avaliações periódicas do desempenho dos conselheiros;
- Criação de comitê ESG estatutário, com membros externos e independentes;
- Relatórios ESG seguindo padrões internacionais (como SASB e TCFD), possibilitando que os stakeholders possam acompanhar, medir e comparar a evolução da empresa.
Como vemos, investir em governança corporativa vai muito além de implantar instrumentos de controle. Trata-se de uma cultura de gestão mais evoluída, que gera melhores resultados no longo prazo. E isso pode facilitar ainda mais o acesso ao capital, contribuindo de fato para os negócios mais sustentáveis.
*Geraldo Affonso Ferreira é conselheiro independente, certificado pelo IBGC e foi executivo C-Level do setor de Papel e Celulose por 30 anos
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