Como os europeus têm trabalhado com economia circular, arte e meio ambiente para atingir a meta de emissão zero
Os países nórdicos como um todo estão investindo massivamente em energias renováveis, bioeconomia, rastreabilidade de metais para baterias de carros elétricos e pesquisas que investigam as transições para sustentabilidade. Essa pressão vem da União Europeia (UE), mas também é uma forma de os nórdicos apostarem em competitividade dado o potencial desses países em reduzir a poluição, descarte e desperdício de materiais e embalagens.
A Finlândia vem tomando a frente nas pesquisas e investimentos em economia circular na Europa. O país acaba de lançar uma proposta para um programa estratégico e nacional nessa área. A proposta foi elaborada pelo Ministério do Meio Ambiente junto com o Ministério das Relações Econômicas e contou com a colaboração de organizações não-governamentais (ONGs).
De acordo com especialistas da ONG Demos Helsinki, a integração da economia e política ambiental é uma tarefa desafiadora no país, pois a Finlândia estabeleceu a meta mais ambiciosa do mundo em termos de limitar o uso de matéria-prima. A meta é atingir a neutralidade em carbono em 2035. Para isso, o consumo doméstico de matéria-prima naquele país não pode ir além do nível de consumo atingido em 2015. Além disso, o setor empresarial, os municípios e a sociedade civil têm o intuito de tornar a economia circular uma realidade. Para isso, conta com as metas e ações propostas e pretende pressionar os agentes públicos para que implementem essa agenda.
O novo acordo verde europeu foi lançado em dezembro de 2019 e tem como uma das principais ambições zerar o balanço de emissão de gases de efeito de estufa até 2050. Para isso, um plano de ação foi desenvolvido pela UE em torno da intensificação do uso eficiente de recursos por meio de uma economia circular e limpa, da restauração da biodiversidade e da redução da poluição.
Com o novo acordo verde, um dos grandes desafios da Europa é entender como catalisar a economia circular de forma sustentável. Outra dificuldade a ser superada é a de colocar todos os atores no mesmo barco e não deixar ninguém pra trás nos processos dessas transições para a sustentabilidade. É fato que tudo isso envolve mudanças de hábitos, perda de empregos e transformações cotidianas.
Em abril de 2021, os negociadores do Conselho e do Parlamento Europeu chegaram a um acordo político provisório. Esse acordo prevê em lei o objetivo de impacto neutro no clima até 2050 na EU e uma meta coletiva de redução líquida das emissões de gases com efeito de estufa de, pelo menos, 55% até 2030 na região.
Ciente do tamanho do desafio, e em busca de soluções para colocar em prática o novo acordo verde, a UE lançou de forma inédita no ano passado uma chamada no valor total de 983 milhões de euros. A chamada abrange dez áreas de financiamento e, dentro delas, um total de 20 linhas com chamadas para propostas.
Oito das principais áreas foram classificadas com base na política estabelecida pelo acordo: aumentando a ambição climática, energias limpas, seguras e acessíveis, economia circular e limpa, mobilidade inteligente e sustentável, sistemas sustentáveis de alimentação, ecossistemas e biodiversidade, e zero poluição. Duas áreas, porém, foram classificadas como transversais e têm como objetivo reforçar o conhecimento para apoiar o acordo verde, e empoderar a sociedade civil nas transições para uma Europa sustentável e emissão-zero.
Uma equipe de pesquisadores na escola de negócios da Universidade do Leste da Finlândia está desenvolvendo soluções com arte e experimentação para catalisar a economia circular, a colaboração entre atores europeus e trazer reflexões acerca do comportamento das pessoas diante dessa nova realidade.
Mudança de olhar
Além de estimular iniciativas e facilitar o engajamento dos atores, é importante mudar o olhar sobre resistências e atores não colaborativos. Parte das transformações sustentáveis vem dos esforços em acomodar contradições.
Para a professora Hanna Lehtimäki, líder dos projetos envolvendo arte e sustentabilidade, esses dois campos se encontram nos esforços para mudanças e inovações nos níveis individuais e coletivos. Conectados pelo aspecto da liderança, o uso da arte proporciona novas formas de conduzir análises, promove diálogos criativos e auxilia em processos de re-imaginação de possíveis cenários futuros.
Em um dos cursos do mestrado em Administração da universidade, alunos são envolvidos em temas de liderança, estratégia e mudanças pelo uso de teatro, desenho, artes visuais e música. Por exemplo, em certa etapa do curso os alunos precisam ler um artigo científico e depois transformá-lo em uma dessas expressões artísticas para facilitar o aprendizado da turma acerca do conteúdo daquele artigo.
Mas Lehtimäki ressalta que o processo não funciona automaticamente, “é preciso construir confiança junto aos alunos para fazer acontecer”. Em seus projetos, a professora tem buscado apoio em um professor de improvisação para construir espaços seguros nos quais seu time possa catalisar experiências acadêmicas e criativas. Oficinas mensais de trabalho, com três horas de duração cada, são realizadas em série com o apoio de um designer gráfico. A ideia é que o grupo produza e compartilhe desenhos a partir de temas sugeridos pelo designer.
“A forma com que cada pessoa enquadra seus problemas e questões, mesmo diante do mesmo tema, é algo único. Assim, para podermos entender aspectos diferentes como emoções, intuições, e esperanças, precisamos abordar esses aspectos e os indivíduos também de diferentes formas. Isso tem tudo a ver com os desafios atuais que temos como sociedade diante das transições para sustentabilidade”, conclui a professora.
Esses processos acabam por criar espaço para um saber intuitivo, de acordo com ela. Há tempos, acadêmicos e pesquisadores tentam entender aspectos de liderança acompanhando bandas de jazz e seus improvisos, ou a capacidade de um maestro comandar uma orquestra sinfônica, por exemplo. O conhecimento tácito e embutido nesses líderes tem a ver com a maneira que eles interagem no ambiente e como um diálogo fora da caixa e intercultural (no sentido de envolver pessoas com bagagens diferentes) acontece de maneira fluida.
Ancorada nessas ambições, o grupo de pesquisa finlandês coopera com pesquisadores americanos para entender como visualizar os catalisadores que vão acelerar a economia circular sustentável. O desafio fica em depois traduzir todas essas experiências radicais e profundas em aspectos da teoria institucional e trazer a perspectiva de organizações e sociedade para os resultados da pesquisa.
Mais informações aqui.
*Mariana Galvão Lyra é pesquisadora em transições para sustentabilidade na Escola de Negócios da Universidade do Leste da Finlândia