O Plano de Recuperação Verde, que pretende obter R$ 1,5 bilhão, tem como meta zerar os cortes ilegais de mata até 2030, além de atuar em eixos que englobam o desenvolvimento de produções sustentáveis, a tecnologia e a inovação e, também, a infraestrutura verde
A tão almejada transição para a economia de baixo carbono não ocorrerá sem uma estratégia bem definida a ser abraçada por comunidades tradicionais, setores público e privado e instituições de pesquisa e financiamento internacionais. Somente a partir dessa base, afirma Laura Carvalho, professora da Faculdade de Economia e Administração da USP, será possível construir um processo de recuperação inclusiva para a Amazônia, que seja o motor da geração de renda e emprego e ainda faça um combate efetivo à desigualdade social, ainda mais desnudada pela pandemia.
“Está ultrapassada a ideia de que proteger o meio ambiente é um entrave ao desenvolvimento econômico. A proteção é uma oportunidade, não um custo”, afirma Carvalho, também coordenadora técnica do Plano de Recuperação Verde da Amazônia Legal (PRV), apresentado durante o painel de encerramento do Fórum de Inovação em Investimentos na Bioeconomia Amazônica (F2iBAM), e que vem ao encontro dessa necessidade estratégica.
A iniciativa, que será oficialmente apresentada ao público em 16 de julho, é fruto do trabalho feito pelo Consórcio Interestadual de Desenvolvimento Sustentável da Amazônia Legal, que reúne todos os estados da região. O que significa uma área equivalente a 60% do Brasil onde vivem quase 30 milhões de pessoas. Em termos geográficos, o território engloba nove estados: Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins.
“O PRV responde a um patamar superior de reflexão sobre a Amazônia. Temos que dar escala ao que já existe e viabilizar os ganhos de produção”, afirma Flávio Dino, governador do Maranhão e presidente do Consórcio, também presente ao debate. “A nossa meta, totalmente factível, é obter R$ 1,5 bilhão para o plano, que será destinado a todos os estados da região”, diz o governador. Dino lembrou que a Amazônia precisa ser tratada em toda sua plenitude, o que envolve também o enfrentamento de problemas urbanos, como o saneamento.
“É um plano ousado e abrangente, mas realista e necessário aos desafios do Brasil e do mundo deste século. Sabemos que só poderá ser viabilizado com uma visão colaborativa e envolvendo uma coalizão de parceiros nacionais e internacionais, e todos aqueles que reconhecem o papel da Amazônia na prestação de serviços ambientais e ecossistêmicos”, afirma Flávio Dino.
O PRV está estruturado em quatro eixos. Um deles, considerado o mais urgente pelos idealizadores do documento, é o enfrentamento ao desmatamento amazônico. A meta é zerar ao menos os cortes ilegais de mata até 2030. Outros três eixos, segundo Laura Carvalho, englobam o desenvolvimento de produções sustentáveis, a tecnologia e a inovação verde e, também, a chamada infraestrutura verde. “Neste caso estamos falando de acesso à energia, internet e também as questões sociais como moradia, saúde e educação”, explica a professora da USP. O objetivo macro, segundo ela, é transformar a Amazônia em algo central para a economia brasileira.
“O País tem alternativas e estas são um ativo político que temos. Esse plano é uma oportunidade de o Brasil obter sua soberania verde. Você não declara soberania, você a exerce. Não estamos falando de discurso, retórica, mas de soluções para o dia a dia”, afirma Izabella Teixeira, ex-ministra do Meio Ambiente representante da iniciativa Uma Concertação para a Amazônia e mediadora do debate. A bióloga, entre várias outras atividades, teve um papel central na costura internacional do Acordo de Paris.
A ponta que envolve a cooperação internacional, conforme afirma Jens Brüggemann, representa da Agência Alemã de Cooperação Internacional (GIZ), também já avança. A agência, que não faz financiamento mas oferece parcerias para incremento do conhecimento técnico, está construindo um memorando de entendimento com o Consórcio Interestadual para ver como a participação do grupo alemão poderá dar melhores resultados. “É preciso unir forças no curto prazo e ter um plano de ação conjunta no qual a cooperação internacional seja um ponto-chave. O objetivo é fazer com que os processos já em curso, por exemplo, ganhem escala”, afirma o representante.
Em termos de obtenção de recursos, Brüggemann dá uma dica durante a sua participação: “É mais rápido e barato tentar retomar o Fundo Amazônia do que criar novos fundos”, afirma. Com aproximadamente R$ 2 bilhões, o Fundo Amazônia tem como objetivo manter a floresta em pé, mas está paralisado depois das desavenças entre o Ministério do Meio Ambiente e os governos internacionais que aportaram os recursos, da Noruega e Alemanha.
Entre outros apoios dados ao Brasil, a GIZ trabalhou em projetos que visam garantir o uso sustentável de florestas tropicais e recuperação de áreas antropizadas por meio do Código Florestal a partir do Cadastro Ambiental Rural (CAR). Ele cita, por exemplo, o programa Bioeconomia e Cadeias de Valor com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).
A instituição alemã conseguiu transmitir conhecimento para os produtores de pirarucu de manejo na Amazônia e ajudar na agregação de valor ao produto. Por meio de campanhas de consumo consciente e a construção de uma marca coletiva dentro da valoração da cadeia, o preço da tonelada do pescado subiu 330% para os produtores tradicionais, segundo Brüggemann.
O Banco Mundial, instituição que tem uma carteira de 21 projetos em andamento hoje no Brasil, equivalente a US$ 5,6 bilhões em recursos, também vê com interesse a construção de um plano feito em nível estadual para a região Amazônica. Uma das iniciativas da instituição multilateral, segundo Sophie Naudeau, representante do banco sediada em Brasília, é exatamente ajudar os estados em seus sistemas de comando e controle para enfrentar o desmatamento e os incêndios florestais.
“Estamos trabalhando em um memorando econômico para a Amazônia que vai focar até que ponto o crescimento, a redução da pobreza e a conservação podem se reforçar mutuamente e em quais locais precisará haver uma política específica”, diz Naudeau.
Segundo ela, o estudo estará pronto em 2022. “Estamos trabalhando também para mostrar que os riscos de perdas da biodiversidade são riscos de perdas financeiras”, diz a executiva do Banco Mundial, para quem alavancar o setor privado é também essencial. “É uma prioridade para nós”.
Para Laura Carvalho, uma das porta-vozes do PRV a partir de agora, além do setor privado muitos outros protagonistas, como também as universidades, precisam se reunir para transformar de forma realmente prática a Amazônia. “É preciso pensar grande. Todo mundo terá de estar envolvido, de forma muito bem articulada, para resolver questões de forma concreta”.
O caminho que os governos da Amazônia Legal estão propondo, segundo Izabella Teixeira, é reflexo de um novo palco político onde o País também precisa estar. “O Brasil não tem um ou dois caminhos, ele tem vários. Esse é um grande ativo político. Essa convergência de visão e de interesses não apenas leva a expressão de um mundo que vai rumar para o baixo carbono, como também a expressão do humanismo”, afirma a ex-ministra.
Para Teixeira, hoje todos têm que ser corresponsáveis no enfrentamento da crise climática, social e de perda de biodiversidade que o planeta enfrenta. “Antigamente todos dialogavam e o governo coordenava. Agora, não: a sociedade tem de coordenar e o setor privado, também. Todos nós somos corresponsáveis pelas soluções”. No caso da Amazônia, na visão da ex-ministra, também existe um desafio regional sobre a mesa. “É interessante esse olhar por várias lentes.”
A seguir, as sistematizações gráficas do painel:
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