Em 2009, países desenvolvidos prometeram destinar ao menos US$ 100 bilhões anuais aos países pobres a partir de 2020. Passado o prazo, a meta segue distante de ser atingida
Nos escombros do fracasso diplomático da Conferência do Clima de Copenhague (COP 15), em 2009, uma das poucas novidades que se salvaram foi a promessa de países desenvolvidos de ampliar os recursos oferecidos às nações mais pobres para financiar a ação contra a mudança do clima, de forma escalonada, ao longo da década de 2010. Ao final desse período, em 2020, a ideia era que esses recursos somassem ao menos US$ 100 bilhões anuais, valor que passaria a servir como “piso” para o financiamento da ação climática dali em diante.
Passados oito meses do prazo definido pelos países ricos em Copenhague, a promessa de financiamento climático de US$ 100 bilhões não poderia estar mais distante de ser uma realidade. Dados da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) indicam que o volume de recursos mobilizados em 2018, último ano com informações totalizadas, foi de cerca de US$ 80 bilhões.
Economistas e especialistas em financiamento para o clima duvidam que os dados referentes aos anos de 2019 e 2020 indiquem um cenário diferente disso. Pior: é muito provável que a pandemia tenha prejudicado a disponibilidade de novos recursos financeiros para ação climática nos países pobres. A incerteza quanto à retomada econômica pós-pandemia também afeta as expectativas para o futuro de curto prazo: com os governos e as empresas na ponta dos pés, enquanto não houver uma normalização efetiva da atividade econômica, dificilmente haverá recursos adicionais para a ação climática internacional.
O problema é que, com a crise climática se intensificando e a pandemia aprofundando o abismo do desenvolvimento entre países ricos e pobres, o financiamento externo para ação climática nas nações em desenvolvimento virou uma questão de vida ou morte. Sem dinheiro, esses países dificilmente terão condições de tirar do papel seus compromissos de mitigação apresentados no Acordo de Paris. A falta de uma sinalização dos países ricos quanto ao cumprimento dessa promessa ameaça gerar uma crise diplomática capaz de prejudicar as conversas na próxima Conferência do Clima (COP 26), programada para novembro em Glasgow, na Escócia, e colocar um incômodo ponto de interrogação no futuro do Acordo de Paris.
Tropeços do passado reforçam incertezas
Desde o começo, a incerteza em torno da viabilidade prática do compromisso financeiro estabelecido pelos governos ricos em 2009 era considerável. Mesmo com o sucesso diplomático obtido em 2015, na COP 21, quando os países aprovaram o Acordo de Paris, o financiamento climático seguiu como um problema político relevante na agenda de negociação.
Os anos subsequentes à Conferência de Paris não ajudaram: a articulação política internacional que tinha possibilitado a aprovação do Acordo na COP 21, encabeçada por Estados Unidos, China e União Europeia, se desfez depois da eleição do negacionista Donald Trump para a Casa Branca. Além de retirar os EUA do Acordo de Paris, Trump também voltou atrás nas promessas financeiras feitas pelo antecessor, Barack Obama.
Sem os EUA, a economia mais rica do planeta, qualquer compromisso financeiro internacional seria inviável, especialmente para a agenda climática. A União Europeia tentou assumir o protagonismo nessa questão, reforçando os desembolsos financeiros junto ao Fundo Climático Verde (GCF, sigla em inglês), estabelecido pela Convenção das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) para receber e administrar os recursos prometidos em Copenhague. Nos últimos anos, o bloco europeu destinou cerca de US$ 20 bilhões anuais, consolidando-se como o principal doador do GCF.
Ao mesmo tempo, os EUA de Trump limitaram-se a cumprir compromissos pregressos de financiamento que somaram pouco mais de US$ 2,5 bilhões. Para se ter ideia, a estimativa em 2009 era de que os americanos assumissem cerca de 40% do bolo do financiamento climático anual a partir de 2020 – ou seja, ao menos US$ 40 bilhões, somando recursos públicos e privados.
O humor mudou um pouco em 2020. Mesmo com a pandemia, a grande novidade foi o retorno dos Estados Unidos à arena multilateral para o clima, com a vitória de Joe Biden. Diferentemente de Trump, Biden colocou a questão climática no centro de sua plataforma eleitoral e dos esforços de recuperação econômica pós-pandemia no país. Além de retornar ao Acordo de Paris, o novo governo dos EUA prometeu recuperar o tempo perdido com novos compromissos financeiros para ação climática nos países pobres.
Em abril, durante a Cúpula sobre o Clima realizada pela Casa Branca com líderes internacionais, Biden prometeu dobrar o volume de financiamento climático americano para US$ 5,7 bilhões até 2024. O dinheiro adicional é obviamente bem-vindo, mas a bagatela não esconde a realidade: os EUA seguirão muito distantes daquilo que deveria ser sua parcela justa de responsabilidade nessa questão.
Essa realidade ficou ainda mais evidente nas últimas semanas, com o fracasso do G-7 e do G-20 em chegar a um acordo em torno de novos compromissos financeiros para a ação climática nos países em desenvolvimento. Havia uma grande expectativa de que esses “clubes”, tendo em vista a COP 26 em novembro, apresentassem ao menos alguma sinalização de dinheiro novo para as nações mais pobres tirarem do papel seus planos climáticos nacionais submetidos no âmbito do Acordo de Paris. No entanto, a decepção foi gritante.
Em xeque, o espírito do Acordo de Paris
Negociadores de países como Índia, Bangladesh e pequenas nações insulares do Pacífico não esconderam a irritação com a falta de novos compromissos financeiros por parte dos governos mais ricos. Ambientalistas também criticaram esse ponto, ressaltando o óbvio: sem recursos, a ação climática nos países pobres ficará inviabilizada, o que coloca em xeque o espírito do Acordo de Paris – por meio do qual todas as nações, ricas ou pobres, comprometeram-se a agir contra a mudança do clima.
“A confiança [entre os países] está em jogo”, observou a negociadora Diann Black-Layne, de Antígua e Barbuda, ao Climate Home pouco após a cúpula do G-7, em junho passado. “O Acordo de Paris foi construído com base na confiança, e pode desmoronar se ela for quebrada”. Sem um compromisso renovado e ampliado para facilitar a ação climática no mundo em desenvolvimento, “só vai ficar mais difícil daqui em diante conseguir o tipo de consenso político necessário” para agir contra a crise climática em nível global.