Diante das desigualdades agravadas pela pandemia e vulneráveis à emergência climática, jovens amazônidas organizam iniciativas que promovam a conservação da floresta com a possibilidade de geração de emprego e renda por meio do empreendedorismo social
Desde que adentrou nossas vidas em março de 2020, a pandemia de Covid-19 no Brasil vem deixando inúmeras consequências. Em territórios mais vulneráveis, como são os diversos territórios amazônicos, tal crise desencadeia efeitos ainda mais graves e preocupantes. As desigualdades foram acentuadas, a evasão escolar atingiu números históricos e diversos jovens perderam seus empregos.
Todavia, percebemos que a pandemia é, antes, também um sintoma das nossas estruturas ultrapassadas de desenvolvimento, as quais, por vezes, não consideram o desenvolvimento econômico atrelado aos pilares ambientais e sociais. Pensar em um mundo pós-pandêmico requer pensar em soluções para as causas profundas dos verdadeiros problemas, e não apenas paliativos para suas consequências e desdobramentos mais superficiais. Para construir uma perspectiva de um futuro melhor para nossos povos e nosso território, inevitavelmente, precisamos dar visibilidade à temática de juventudes e emergência climática.
Entre 2020 e 2021 a porcentagem de jovens que não estudam e nem trabalham aumentou de 10% para 16%, como ilustra a Pesquisa Juventudes e Pandemia do Conselho Nacional de Juventude (Conjuve). Houve também um aumento de 15% na proporção de jovens que precisam, por necessidade, complementar a renda familiar no Brasil. Segundo o estudo Enfrentamento da Cultura do Fracasso Escolar, feito pelo Fundo das Nações Unidas ara a Infância (Unicef), o abandono às aulas na Região Norte chegou a ser quatro vezes maior do que a média nacional em 2020.
O breve panorama reflete o aumento das inseguranças que nós, jovens, sentimos quando nos deparamos com os desafios da educação e empregabilidade. Os desafios de se manter na escola e encontrar trabalho decente tornam-se ainda mais expressivos diante do futuro incerto anunciado pela emergência climática.
A emergência climática reconhece a extrema gravidade da ameaça representada pelo aquecimento global e tende a atingir de forma mais severa populações vulneráveis. Em um mundo com suas vulnerabilidades acentuadas, não podemos seguir desassociando o desenvolvimento econômico dos pilares ambientais e sociais, principalmente quando falamos de Amazônia. Nesta região que abriga a maior floresta tropical, maior província mineral e principal reserva bioenergética do planeta, ainda vivemos uma realidade de desenvolvimento que não condiz com suas potencialidades.
Em uma estimativa do WWF, ao longo de mais de 4 milhões de km² de extensão, crescem 2.500 espécies de árvores e 30.000 espécies de plantas (das 100 mil da América do Sul), assim como habitam cerca de 20% de toda a fauna do planeta. No entanto, habitam também boa parte dos piores indicadores socioeconômicos do Brasil, como o histórico de ocupação dos últimos lugares no ranking do saneamento do Instituto Trata Brasil e, também, os piores percentuais de desemprego, como ilustra a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicícilos (Pnad) Contínua.
É uma realidade perigosa que vem sendo acentuada por uma política de descaso com o meio ambiente e suas populações. Recentemente, tivemos o maior índice de desmatamento na Amazônia Legal dos últimos 10 anos, segundo dados do Imazon. O cenário de degradação de nossos territórios causa forte insegurança e ansiedade, principalmente, para a juventude campesina e periférica, ocultando canais de esperança e motivação que nos deixam sem perspectivas.
Climathon no Fórum Mundial de Bioeconomia
Foi na intersecção desta complexa problemática que propusemos uma abordagem alternativa: a organização de um Climathon, que será um dos eventos satélites do Fórum Mundial de Bioeconomia, promovido pelo Youth Climate Leaders (YCL) em parceria com o UNLEASH, laboratório de inovação global para os Objetivos de Desenvolimento Sustentável (ODS).
O Climathon pretende acelerar ideias inovadoras de jovens amazônidas que promovam o desenvolvimento econômico sustentável da Amazônia, aliando a conservação da floresta com a possibilidade de geração de emprego e renda via empreendedorismo social.
O evento está marcado para os dias 2 e 9 de outubro de 2021, de forma online, no qual jovens terão a oportunidade de trabalhar lado a lado com renomados especialistas nacionais e internacionais, para tirar as melhores ideias do papel e desenvolver produtos e serviços que contribuam para a bioeconomia da Amazônia.
Iniciativas como essa fazem parte de um movimento maior de protagonismo das múltiplas juventudes locais em prol de um desenvolvimento territorial que seja mais justo, diverso e inclusivo. Quando consideramos a “bolha climática” em que se concentra a maior parte dos ainda escassos investimentos e recursos direcionados para programas em prol do clima, percebemos que, infelizmente, este ainda é um setor predominantemente branco, elitizado e sudestino.
Tal cenário dificulta a resolução de problemáticas locais, que precisam partir da inovação territorial e de um profundo conhecimento da realidade em que se vive. Soluções de real impacto demandam pluralidade e representatividade das pessoas envolvidas em sua criação, incluindo aqui jovens e populações minorizadas. Se queremos transformar o atual cenário de vulnerabilidade da juventude amazônida, precisamos começar apoiando o desenvolvimento de suas ideias.
Um dos principais desafios que encontramos no processo de engajar a juventude amazônida em ações em prol do clima é a questão da ausência de conectividade. Diante isso, a Cooperação da Juventude Amazônida para o Desenvolvimento Sustentável (Cojovem) e o YCL tem traçado parcerias que promovem não só a inclusão digital na Amazônia mas também fortalecem as juventudes por meio de mentorias, conexão com comunidades de aprendizado contínuo e acesso a conhecimento sobre a questão climática em cursos introdutórios – caso do Curso Liderança Climática para o Século XXI, promovido pela Rede YCL.
Enxergamos, assim, o empreendedorismo inovador como importante ferramenta para acelerar o desenvolvimento econômico sustentável no cenário pós-Covid-19. No contexto jovem e comunitário na Amazônia, a bioeconomia destaca-se como setor estratégico de investimento e criação de soluções. Sabemos que para avançar nestas frentes é necessário fortalecer pilares-base das juventudes locais, como a educação, a conectividade e o acesso a oportunidades de trabalho que atuam com pautas socioambientais na região para que, partindo de um cenário de desenvolvimento onde não nos identificamos, possamos co-criar a Amazônia que queremos.
A participação no Climathon YCL é totalmente gratuita. Acesse aqui para mais informações sobre o evento e como se inscrever. As inscrições vão até 13 de setembro.
*Karla Giovanna Braga é jovem embaixadora da Juventude pela ONU; Engenheira sanitarista e ambiental; Coordenadora de Ciência, Tecnologia e Inovação na Cojovem; Fellow YCL; Co-organizadora do Climathon; Representante do Norte do Brasil no Internet Governance Forum (IGF) e do Estado do Pará no Fórum da Internet no Brasil (FIB).
[Foto: Hudson Hintze / Unsplash]