Jovens talentos prometem ser os futuros gigantes do desenvolvimento sustentável no Brasil. Já temos alguns nomes de reputação internacional nessa área, mas queremos contar com centenas de pesquisadores de excelência para criar uma rede poderosa de cientistas dedicados a questões estratégicas para o País
Não é novidade que o Brasil é o país com a maior biodiversidade do mundo. Também é o líder no número de espécies desconhecidas. Estima-se que o território brasileiro abrigue cerca de 10% dos seres vivos do mundo ainda a serem descobertos. De fato, nada disso surpreende quem quer que esteja diante de suas florestas exuberantes, imaginando as infindáveis formas de vida vegetal e animal que ali habitam. Como conectar com nossa ciência toda essa riqueza, a fim de garantir seu entendimento, sua preservação e seu uso sustentável?
Ao criar o Programa de Formação em Biologia e Ecologia Quantitativas, o Instituto Serrapilheira partiu do princípio de que a biodiversidade ameaçada só pode ser protegida pelos próprios brasileiros. Saber conviver com a floresta de forma sustentável implica uma compreensão profunda de sistemas biológicos complexos. Mas a complexidade das coisas vivas é imensa, logo, o desafio também é. Trata-se de treinar e apoiar cientistas capazes de se servirem do conhecimento de biologia e ecologia, mas também de matemática, física e ciência da computação. Uma espécie de decatletas da ciência.
Já temos nomes de reputação internacional nessas áreas, sem dúvida, como Mercedes Bustamante, Paulo Guimarães, Carlos Nobre e outros. Mas queremos contar com centenas de pesquisadores de excelência para criar uma rede poderosa de cientistas dedicados a questões estratégicas para o Brasil.
Quando lançamos o programa, em março deste ano, nossa ideia era selecionar alguns estudantes brasileiros e lhes oferecer uma formação transdisciplinar de ponta nas ciências da vida, da mais básica biologia à mais ampla ecologia. Nossa surpresa foi dupla: não só os renomados pesquisadores internacionais que convidamos não hesitaram em participar do projeto, mas também os alunos selecionados foram brilhantes, a ponto de impressionar um corpo docente de elite.
Nas três semanas de trabalho, planejamos sessões de perguntas e respostas para dar aos alunos a oportunidade de questionar o que quisessem a cientistas do calibre de Jordi Bascompte, Eva Nogales e Malin Pinsky. O tempo, no entanto, se revelou insuficiente, pois as perguntas foram muitas (e sagazes), alimentando um entusiasmo nos professores que, conforme nos confidenciaram, eles não sentiam havia algum tempo.
Então ficou claro, para nós e para os professores, que testemunhávamos a formação de grandes cientistas. Eles são jovens de todas as partes do País, de contextos sociais diversos, todos sedentos de conhecimento, receptivos, respeitosos e perspicazes. Vimos ali um país do futuro: jovens capazes de encontrar soluções criativas, conscientes de pertencer a um grupo unido pelo desenvolvimento sustentável de um Brasil conectado ao resto do mundo.
Enquanto observava a gestação desse grupo, senti uma centelha em meio à sombra que vem se abatendo sobre o país. Nessa primeira edição, vi dezenas de jovens talentos sendo treinados por alguns dos melhores cientistas do mundo, dispostos a construir a ciência moderna a serviço da conservação e do aproveitamento sustentável da floresta, em busca do desenvolvimento de uma bioeconomia na qual o Brasil pode se tornar referência global.
A esperança é um remédio com poucos efeitos colaterais, e fiquei ansioso pelos resultados desse programa daqui a alguns anos, depois de mais turmas formadas. Cheguei a imaginar que o Brasil poderá acolher com dedicação esses jovens talentos, dando-lhes condições de trabalho dignas, ciente da enorme vantagem estratégica que este grupo tão especial representa.
Quem sabe assim o País começará a repatriar seus jovens cientistas, em vez de vê-los partir inexoravelmente, decepcionados com uma evidente falta de reconhecimento nacional. O Instituto Serrapilheira não tem força nem dimensão para alterar o estado atual da pesquisa científica no Brasil, mas ao menos identificamos e investimos neste grupo de futuros gigantes.
*Hugo Aguilaniu é diretor-presidente do Instituto Serrapilheira