De refrigeradores inteligentes a caminhões elétricos de alta performance, startups buscam tecnologias avançadas para a transição energética essencial no enfrentamento da mudança climática, com impacto socioambiental positivo na cadeia de suprimentos
Por Sérgio Adeodato
Por trás da bebida gelada tão apreciada neste verão existe um fator nem sempre percebido pelos clientes de bares e restaurantes: o consumo de energia por refrigeradores e câmaras frias para manter o produto na temperatura certa. Além dos custos, a questão envolve o desafio de reduzir emissões de carbono nos pontos de venda, essencial a uma estratégia de ação climática que ultrapassa os muros das fábricas e chega a todos os elos da cadeia de distribuição até o último gole.
A demanda por soluções neste campo atrai novas tecnologias de eficiência energética, com mitigação da mudança climática, como a desenvolvida pelo engenheiro eletricista Luiz Filipe Guerra, à frente da startup Atmos. São dispositivos que controlam a energia de refrigeradores, tornando-os mais inteligentes, com redução expressiva do consumo.
“Quando usamos energia de forma correta, emitimos menos gases de efeito estufa por meio desses equipamentos, os grandes vilões climáticos nos bares”, reforça o empreendedor brasiliense. Automatizar a câmara fria, diz ele, significa também maior segurança na conservação de alimentos, redução dos custos de manutenção e aumento da vida útil do equipamento.
A inovação integra os projetos selecionados pela Aceleradora 100+, mantida pela Ambev e parceiros, com o objetivo de apoiar soluções de impacto socioambiental positivo associadas às metas de sustentabilidade da companhia.
O plano da cervejaria é de, até 2030, reduzir 90% das emissões diretas de carbono das operações industriais e compensar o residual via créditos de carbono. “Para atingir o net zero [emissões líquidas de carbono iguais a zero] é necessária a descarbonização também da cadeia de suprimentos, responsável por mais de 85% das emissões totais da empresa”, afirma Karen Tanaka, gerente de sustentabilidade da Ambev.
Segundo a empresa, os objetivos junto a fornecedores e clientes serão alcançados por meio de uma série de estratégias – da troca de combustíveis na logística de transporte ao uso de refrigeradores mais eficientes nos pontos de venda. O uso de energia é uma das principais fontes de emissões de gases de efeito estufa na cadeia de valor fora das fábricas da empresa, o que tem motivado investimentos em inovações tecnológicas de startups pela Aceleradora 100+.
No caso da Atmos, o projeto consiste no aperfeiçoamento da automação de câmaras frias, com calibragem da tecnologia e aferição dos resultados em dez bares de São Paulo, além do centro de distribuição da Ambev em Osasco (SP). O propósito é reduzir o consumo de energia entre 15% e 20%, evitando a emissão mensal de 200 quilos de carbono por bar, em média. “A refrigeração implica em expressivo gasto energético em países de clima quente como o nosso; nos bares, representa cerca 30% da conta de energia, em média de R$ 3 mil por mês”, revela Guerra, com história de vida relacionada ao tema desde muito jovem.
“Como filho de funcionário público, morei em oito estados e convivi com as dores de diferentes regiões brasileiras quanto à energia”, conta. Em Cruzeiro do Sul (AC), diante das reclamações do pai sobre a conta de luz nas alturas em região abastecida por termelétricas, ele fez um diagnóstico do consumo e reduziu o valor pela metade. “Isso me levou a refletir sobre o contraste entre quem desperdiça e quem não tem acesso à energia”, revela o empreendedor, lembrando de colegas da época em que estudou em escola pública, na Região Norte, que não tinham energia elétrica em casa.
A busca por soluções foi um passo natural na trajetória do engenheiro, formado na Universidade de Brasília. Primeiro, após estágio em empresa de engenharia que analisava a energia dos prédios públicos no serviço de manutenção, Guerra desenvolveu um medidor mais prático e inteligente para a tomada de decisão em tempo real pelos gestores. Depois, recebeu investimentos voltados a melhorar a tecnologia, conquistou clientes e, por fim, chegou a uma inovação disruptiva: os dispositivos inteligentes de controle, a IoT (Internet das Coisas) de refrigeradores, capaz de reduzir o consumo energético do equipamento em cerca de 40%.
“Com ênfase nas câmaras frias, destinadas a refrigerar maior volume de estoque, nosso objetivo agora é ajudar a Ambev na redução de energia nos pontos de venda”, diz Guerra, orgulhoso pela experiência em fóruns internacionais, como a participação na Assembleia-Geral da Organização da Nações Unidas sobre Juventude, em 2018, com o tema da tecnologia em prol da sustentabilidade.
No ano passado, além de fazer palestra no estande brasileiro na COP 27, a conferência do clima realizada no Egito, o empreendedor participou de programas globais de aceleração voltados ao desafio climático. E novos saltos estão por vir: após os resultados dos primeiros testes no projeto selecionado pela Aceleradora 100+, a meta da startup – hoje com 50 clientes em carteira – é escalar a nova tecnologia para uso em mais de mil bares, com expansão no território brasileiro.
Caminhões elétricos
As soluções inovadoras para a transição energética no contexto da ação climática passam pelos desafios no campo da logística, com investimentos na busca por caminhões elétricos de alta performance. Ao contribuir para diminuir a frota movida a combustível fóssil, reduzindo emissões de carbono ao longo da cadeia de distribuição, a estratégia ganha tração no projeto da FNM Elétricos, apoiado pela Aceleradora 100+ no ciclo de 2019, entre as demais iniciativas de impacto socioambiental positivo.
“Atingimos 33% a mais de performance na logística”, celebra Ricardo Machado, fundador e CEO da empresa, cuja jornada começou em 2001 fazendo carros elétricos em parceria com a inglesa Lotus. Hoje, com fábrica em Caxias do Sul (RS), o negócio se destina ao projeto de veículos sob demanda, desenhados conforme as caraterísticas das operações de transporte, como a quilometragem diária, por exemplo.
Em parceria com a Ambev, que fez um investimento minoritário na FNM, o objetivo é produzir inicialmente 50 caminhões, de um total de mil, com baterias de alta eficiência e maior capacidade de carga em relação aos veículos elétricos do mercado. Atualmente, a tecnologia da empresa permite carregar 18 toneladas, com motor de 80 quilos, enquanto as demais alternativas podem levar 14 toneladas com motor muito mais pesado, de 450 quilos. “A partir da experiência com a Aceleradora 100+, vamos desenvolver também caminhões elétricos de 11 e 24 toneladas, em conjunto com o cliente e suas necessidades de logística”, revela Machado, de olho do amplo mercado que se apresenta para o setor.
Sobre a Aceleradora 100+
O programa Aceleradora 100+ surgiu em 2018, alinhado à iniciativa global da Ambev e aos seus compromissos de sustentabilidade para 2025 (mais informações: aceleradora.ambev.com.br). A partir disso, são mais de 60 startups aceleradas e R$ 15 milhões investidos nos negócios parceiros. Em 2021, a Plataforma Parceiros pela Amazônia (PPA) e o Quintessa uniram-se a essa jornada e, agora, PepsiCo, Valgroup, Ball Corporation e Machado Meyer chegaram para integrar a quarta edição e ampliar a escalabilidade dos projetos apresentados.
As startups implementam as soluções de impacto por um período e mensuram os resultados gerados. A implementação pode ser de uma solução pronta, mas também é possível adaptar uma solução existente e até cocriar algo novo entre executivos e empreendedores. O foco do programa é garantir o êxito dessa implementação, corrigir a rota, se necessário, e orientar as duas partes a partir de boas práticas.
Destinado a negócios que estão em fase inicial no mercado, com clientes e vendas iniciais já realizadas, o programa está dividido em duas etapas, incluindo aulas teóricas sobre gestão de negócios; workshops realizados pelo Quintessa para desenvolvimento do piloto, implementação de piloto durante um processo de quatro meses; e apresentação no evento de encerramento, com premiação em dinheiro. Algumas startups se beneficiam pela contratação de serviços pela Ambev e por parceiros posteriormente, além disso, podem apresentar propostas de investimentos para a empresa e parceiros do programa.
Leia aqui a quarta reportagem desta série.