Incluí-los nas políticas migratórias será inevitável e o refúgio é a melhor forma de acolhida desses cidadãos. Deixar de ver o estrangeiro como ameaça e entender como pode se integrar às economias locais ainda é um exercício que os países precisam pôr em prática
Por Diana Quintas*
Um dos desdobramentos da mudança climática será o aumento no números de pessoas forçadas a se deslocar por fenômenos como enchentes, avalanches ou aumento do nível do mar, por exemplo. A crise de refugiados que preocupa o mundo será ainda mais intensa. Os números projetados pelos estudos acerca do tema são alarmantes. A UNHCR ACNUR, Agência da ONU para Refugiados, divulgou que em 2019 os perigos relacionados ao clima provocaram cerca de 25 milhões de deslocamentos em 140 países.
Um relatório do Banco Mundial mostra que 216 milhões de pessoas poderão deixar suas regiões por causa das alterações do clima. Segundo o documento, somente na América Latina, 17 milhões de pessoas serão migrantes climáticos até 2050.
Para ter o refúgio aprovado, é necessário comprovar fundado temor de perseguição ou violação de direitos humanos, forçando as pessoas a deixarem seu país. Não há, entretanto, um consenso internacional quanto às questões climáticas, e a lei não abarca o refugiado ambiental, mas ele já é um fato. Os exemplos mais evidentes são os territórios de baixa altitude, como o arquipélago das Ilhas Maldivas, que sofre com a elevação do nível dos oceanos e outras catástrofes naturais, como um tsunami, em 2004, que levou à evacuação de 14 ilhas e afetou um terço da população.
Desde 2006, o governo das Maldivas propõe que o Estatuto dos Refugiados, de 1951, inclua na condição de refugiado pessoas que precisam se deslocar por consequência de desastres naturais ou impactos ambientais causados pela humanidade. Também no Pacífico, as Ilhas Carteret, na Papua-Nova Guiné, foram o primeiro caso de evacuação total em consequência do aquecimento global.
Do ponto de vista imigratório, a falta de um entendimento sobre o refúgio climático, ou ambiental, gera insegurança para as populações afetadas e não gera nenhuma possibilidade para que políticas migratórias preventivas sejam aplicadas.
Até hoje, em casos de desastres naturais, alguns países concedem vistos de emergência humanitária. Assim foi o caso do grande terremoto no Haiti, em 2010, em que o Brasil ofereceu vistos humanitários.
Os vistos humanitários são uma solução emergencial e têm uma validade. No caso de um terremoto em que se prevê a reconstrução do país para a volta dos cidadãos, pode ser uma solução adequada. Para os casos climáticos, o refúgio é a melhor solução por ser permanente e possibilitar ao refugiado a condição de restabelecer sua vida definitivamente.
A história nos mostra que os grandes movimentos migratórios coincidem com a expansão econômica dos países que acolheram os imigrantes. Um estudo da Escola de Economia de Paris, com base em dados do Gabinete de Estatísticas da União Europeia (Eurostat) e da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) que analisou os fluxos migratórios para a Europa de 1985 a 2015, demonstrou que a chegada de estrangeiros gerou um impacto positivo na economia dos países aumentando a renda per capita e baixando os níveis de desemprego (mais aqui).
Hoje, o refugiado ambiental se vê forçado a deixar seu país e não encontra na legislação internacional a proteção imigratória para reconstruir sua vida em uma nova nação. Incluir os refugiados ambientais nas políticas migratórias será inevitável e o refúgio é a melhor e mais justa forma de acolhida destes cidadãos. Deixar de ver o estrangeiro como ameaça e entender como ele pode se integrar às economias locais ainda é um exercício que os países precisam pôr em prática. Estamos em tempo de planejar ações e articular soluções em conjunto.
* Diana Quintas é sócia no Brasil da Fragomen (empresa de migração fundada em 1951) e vice-presidente da Associação Brasileira dos Especialistas em Migração e Mobilidade Internacional (Abemmi)