Há uma importante discussão acerca do impacto de novas regulações sobre projetos de créditos de carbono do mercado voluntário, em especial daqueles relacionados a REDD+. A qualidade e integridade dos créditos gerados a partir desses projetos também têm estado no foco de intenso debate ao longo de 2023. Este artigo busca trazer luz sobre essas questões e apoiar uma análise sobre o futuro dos projetos no Brasil
Por Roberto Strumpf*
Já não é novidade que as florestas são fundamentais para o enfrentamento das mudanças climáticas, entre outros motivos, por sua capacidade de capturar e fixar carbono. Nesse cenário, os projetos de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (REDD+) têm papel relevante, uma vez que remuneram quem evita o desmatamento e a degradação florestal e financiam medidas de proteção da floresta contra práticas ilegais, contribuindo, dessa forma, para a redução de emissões.
Os créditos de carbono gerados em projetos de REDD+ são considerados “créditos baseados na natureza”, cuja demanda no mercado voluntário de carbono teve um crescimento significativo nos últimos anos. Em abril de 2022, projetos de REDD+ respondiam por 59% dos créditos baseados na natureza e 26% do total de créditos gerados no mercado voluntário de carbono, segundo a Sylvera, organização especializada em rating de projetos de carbono.
No entanto, ao longo do primeiro semestre de 2023, esse tipo de projeto sofreu duras críticas sobre sua integridade, ou seja, a qualidade e a garantia de que eles realmente promovem a redução de emissões e por um longo tempo, tendo como foco questões como a definição da linha de base (taxa de desmatamento na ausência do projeto), segurança fundiária e a relação com comunidades dentro ou no entorno das áreas dos projetos.
Os mercados brasileiro e global buscam agora evoluir para unir escala e integridade, seja por meio da revisão metodológica nos padrões de certificação do mercado voluntário, seja por meio de novas regulamentações nos níveis federal e subnacional. Essa evolução, porém, passa por um importante debate sobre a que tipo de desmatamento evitado um projeto de REDD+ está relacionado e as grandes diferenças entre as categorias existentes.
Desmatamento planejado e não planejado evitado
No contexto do REDD+, existem dois tipos de desmatamento evitado. Um é o “desmatamento planejado evitado”, chamado, na sigla em inglês, de APD (Avoided Planned Deforestation), e se refere a projetos gerados a partir de áreas que poderiam ter sido desmatadas legalmente, mas em que se optou por não fazer isso. É o caso, por exemplo, de um proprietário de imóvel rural no Brasil (produtor ou empresa) que tem excedente de vegetação nativa e decide mantê-la.
O outro é o “desmatamento não planejado evitado”, ou AUD (Avoided Unplanned Deforestation). Os projetos de AUD contribuem para proteger, majoritariamente, áreas que poderiam sofrer desmatamento ilegal, como Unidades de Conservação, Reserva Legal ou outras áreas sem permissão para a supressão da vegetação.
Critérios para gerar crédito de carbono em projetos APD e AUD
Seja no âmbito do APD, seja do AUD, os projetos de REDD+ precisam passar por alguns critérios para terem seus créditos de carbono verificados e validados por entidades como a Verra, organização internacional que gerencia o padrão voluntário de créditos de carbono Verified Carbon Standard (VCS). Esses critérios, que definem a integridade do crédito de carbono, incluem:
- Adicionalidade (o projeto levou diretamente a uma redução das emissões de carbono que, de outra forma, não aconteceria);
- Permanência (a remoção tem que durar pelo menos três décadas);
- Definição de linha de base, ou baseline (estabelecimento de uma referência a partir da qual se determina o que aconteceria se nada fosse feito para evitar o desmatamento);
- Engajamento social (envolvimento e ações junto às comunidades do entorno, em especial indígenas e tradicionais);
- Atividades e monitoramento (ações para evitar o desmatamento e acompanhamento para confirmar que este não está acontecendo);
- Contabilidade e transparência (garantia de que cada crédito seja único e real e que não haja dupla contagem).
Complexidade menor nos projetos APD
A maioria dos projetos no Brasil, até o momento, foi desenvolvida na abordagem de AUD, o desmatamento não planejado evitado. Mas, globalmente, projetos de REDD+ com esse foco têm sofrido críticas. Um dos principais motivos são acusações de terem a linha de base “infladas”, com taxas de desmatamento que seriam superdimensionadas e, consequentemente, incorrerem em uma geração de créditos de carbono acelerada. Outro é a desconsideração dos direitos de populações tradicionais das áreas de influência desses projetos, no que diz respeito à consulta ou repartição de benefícios. Por isso, a Verra está, no momento, revisando sua metodologia para AUD.
Por sua vez, os projetos de APD, desmatamento planejado evitado, vêm ganhando espaço, pois trazem mais clareza em relação a aspectos importantes para que um projeto de créditos de carbono seja bem-sucedido.
Um primeiro ponto para esse crescimento do APD é justamente o fato de que, nesse modelo, o agente de desmatamento é conhecido e é possível saber a sua real capacidade e intenção em desmatar. Isso permite avaliar melhor a adicionalidade e a definição da linha de base do projeto. As propriedades em conformidade com o Código Florestal têm, ainda, mais segurança no que se refere à regulamentação.
A governança em áreas elegíveis a projetos de APD é geralmente mais bem definida, possibilitando maior clareza sobre a quem pertencem os créditos de carbono e, consequentemente, sobre quem pode comercializá-los. Além disso, o monitoramento e a fiscalização também podem ser menos custosos do que nas áreas de projetos de AUD, já que, neste último, o agente de desmatamento é difuso e, em alguns casos, desconhecido.
Assim, em vários aspectos, os projetos de APD apresentam menor complexidade de execução e maior transparência quanto a sua adicionalidade.
Isso não quer dizer, no entanto, que os projetos de AUD sejam menos importantes. O engajamento social é um ponto de destaque, porque as áreas dos projetos muitas vezes estão em locais onde vivem comunidades tradicionais ou povos indígenas. Essas pessoas podem tanto se tornar agentes de desmatamento em algum momento, como podem ajudar a “fiscalizar” a área do projeto.
Dito isso, é importante que esses benefícios dos projetos de AUD sejam incorporados por políticas públicas, em uma abordagem jurisdicional, pois assim eles se tornam um mecanismo de mercado que complementa as ações públicas de comando e controle do desmatamento que, historicamente, têm sido insuficientes. Além disso, podem contribuir com a geração de renda para as comunidades locais.
Já os projetos de APD têm, por seu caráter eminentemente privado, o direito do proprietário previsto em lei – sobre o direito à propriedade da área, sobre os ativos ambientais localizados no excedente florestal e mesmo sobre a decisão de desmatar esse excedente. Portanto, deveriam ser vistos com maior independência em relação a políticas públicas, regidos unicamente por mecanismos de mercado, garantindo total transparência dos resultados para todas as partes interessadas, inclusive o poder público.
Independentemente da abordagem, há desafios estruturais no Brasil que precisam ser tratados com prioridade, como é a questão fundiária.
Superando esses desafios e promovendo uma mensuração, reporte e verificação de qualidade previstos pelos standards internacionais, poderemos assegurar os resultados esperados, como a conservação de áreas florestais, renda adicional para quem mantém a floresta de pé e maior segurança, para quem compra, de que o crédito de fato está compensando emissões e suas metas estão sendo cumpridas.
Os benefícios dos projetos REDD+ são múltiplos, encorajadores e, especialmente, fundamentais para comunidades, empresas, sociedade e meio ambiente.
* Roberto Strumpf é biólogo e diretor da BMO Radicle Brasil