Conferência sediada em Dubai lida com a contradição de acelerar a transição energética após revelações de lobby do governo dos Emirados Árabes Unidos com o setor de petróleo
Por Fernanda Macedo, de Dubai
A escolha polêmica de realizar uma Conferência do Clima na ONU em um país-membro da Organização dos Países Produtores de Petróleo (OPEP) levou uma série de questionamentos sobre a efetividade deste encontro. Uma reportagem da BBC revelou que os Emirados Árabes Unidos utilizaram a sua posição oficial como anfitrião da COP 28 para alavancar novos acordos de petróleo e gás em todo o mundo. Os documentos obtidos mostraram pontos de discussão para reuniões entre autoridades como o sultão Ahmed Al-Jaber, chefe desta COP e também da empresa petrolífera nacional dos Emirados Árabes Unidos, e em pelo menos 28 países antes do início das conversações oficiais.
A queima de combustíveis fósseis representa 87% das emissões globais de dióxido de carbono (CO2) no mundo, segundo o relatório publicado pela Agência Internacional de Energia (IEA). Apesar do forte crescimento da adoção de energias renováveis, as emissões relacionadas ao uso de energia atingiram um recorde de 39,3 bilhões de toneladas de carbono equivalente em 2022. Por isso, a escolha de um país da OPEP para sediar a COP 28 foi recebida com surpresa por muitos e agravada por essas denúncias recentes. Mas também existem outras contradições na agenda de clima.
“Embora o mundo tenha reagido mal à escolha de Dubai como cidade para COP 28, é preciso lembrar que o maior produtor e consumidor de petróleo do mundo são os Estados Unidos, segundo o Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás. A transição energética só vai acontecer se formos capazes de influenciar e dialogar com todas as partes e esse esforço envolve os membros da OPEP e os países ricos. É um desafio, mas é o único caminho possível para enfrentar a crise climática”, afirma Frineia Rezende, diretora executiva da The Nature Conservancy (TNC) Brasil.
Nos primeiros dias da COP 28, cerca de 170 líderes mundiais – a maioria homens – fizeram suas falas durante o Leaders Summit. O presidente Lula destacou o declínio do desmatamento na Amazônia que seu governo apresentou recentemente e reforçou o compromisso de desmatamento zero no bioma até 2030.
Líderes de diversas partes do mundo descreveram as crises climáticas que enfrentam em seus próprios países. Costas devastadas e colheitas imprevisíveis na Guiné-Bissau. Danos equivalentes a 2 a 3% do Produto Interno Bruto na Tanzânia. Temperaturas extremas, tempestades de areia e a consequente pobreza e migração no Iraque. O presidente das Seicheles, Wavel Ramkalawan, disse que a sua nação insular lida com frequentes tempestades e infraestruturas degradadas e, com isso, consumindo recursos da agenda de modernização e da educação para dar ao povo um melhor nível de vida.
Tupou VI, o Rei de Tonga, disse que é doloroso para os pequenos estados insulares em desenvolvimento ver que a COP 28 “pode não ser o momento marcante que todos esperávamos” e disse que o progresso no Acordo de Paris tem sido muito lento.
Logo no início da Conferência, um avanço inesperado aconteceu. Foram anunciados investimentos de US$ 400 milhões para o Fundo de Perdas e Danos, criado na COP 27, realizada no Egito no ano passado. O valor, contudo, ainda é bem distante do montante necessário para o enfrentamento da crise climática. Os Emirados Árabes Unidos, anfitriões do encontro, prometeram US$ 30 milhões para ajudar o Sul Global na transição para energias limpas e outros projetos climáticos.
Steven Guilbeault, ministro do Meio Ambiente do Canadá, disse que o Fundo de Perdas e Danos deve ajudar a reconstruir a confiança entre o Norte e o Sul globais, após anos de negociações tensas. O Canadá comprometeu-se com US$ 60 milhões para o novo fundo, que será financiado pelo Banco Mundial.
Outro anúncio importante veio dos 134 países que assinaram a Declaração dos Emirados sobre Agricultura Sustentável, Sistemas Alimentares Resilientes e Ação Climática, que se comprometeram a incluir os alimentos e o uso da terra nas suas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) e nos planos nacionais de adaptação até à COP 30 em 2025, no Brasil.
A COP do Clima é realizada em cidades diferentes a cada ano para demonstrar a importância da colaboração dos países de todo o mundo. Embora o objetivo geral de todas as reuniões seja aumentar a cooperação para enfrentar a crise climática, os tópicos específicos podem variar a cada ano.
Desta vez, as áreas de foco da COP 28 incluem acelerar a transição energética e cortar as emissões de carbono antes de 2030 para limitar o aquecimento global em 1,5 grau acima dos níveis pré-industriais; colocar a natureza, as pessoas e as comunidades no centro das ações climáticas; tirar do papel velhas promessas e definir um arcabouço para um novo acordo de financiamento de ações climáticas que deve ser acessível e disponível aos países em desenvolvimento; e mobilizar a COP mais inclusiva até agora para garantir que as decisões e discussões e a implementação das soluções sejam verdadeiramente inclusivas e feitas em colaboração com os povos indígenas e as comunidades locais.
Há, portanto, um longo caminho nos próximos dias para que essas áreas de foco sejam atendidas. Bill McKibben, fundador da 350.org, escreveu em artigo recente que a única esperança para esta COP e para o planeta é que a revolta da sociedade face a revelações como o lobby dos Emirados Árabes Unidos para alavancar novos acordos de petróleo e gás estimule de alguma forma os movimentos necessários para romper o poder das grandes petrolíferas. Em menos de dez dias, o mundo saberá o desfecho dessa conferência.